— Estou a caminho! — Kairin falou através do nosso laço e mesmo sem Victoria falar nada, eu sabia que ela estava vindo também.

    Ralik bateu a palma da mão na mesa que estava em sua frente e impulsionou o corpo para frente, deslizando sobre a madeira até ficar no corredor central entre as mesas e mais próximo de mim.

    Com certeza Fenriz também já estava a caminho.

    Nós estávamos dentro da sala de aula. Como eles fariam para entrar ali? Eu podia ver a janela por onde Kairin seria capaz de entrar, mas Victoria não conseguiria passar nem pela porta ou por qualquer outra saída. E, apesar do lobo ser menor do que a dragão, ele ainda não passaria pela porta também.

    — Você é um traidor da sua raça? — Perguntei, tentando forçar as palavras para fora.

    O sentimento opressivo de sua aura liberada há pouco ainda pairava no ar, como se um peso maior estivesse sobre nossos corpos e ele fosse o dono de escolher se seguíamos vivos ou não.

    — Não… Não é unânime a necessidade de invasão. Infelizmente a proibição da invasão ainda não foi liberada e o acesso é livre, então eles estão aproveitando para mostrar as vantagens de se invadir antes.

    O professor caminhou até ficar mais próximo de nós, na beirada da plataforma que ficava sua mesa e a louça e nos encarou.

     — Vocês dois possuem potencial e eu gostaria de treiná-los pessoalmente.

    Tanto eu quanto Ralik parecíamos estar à mercê dele. Não tínhamos nossas armas e nossos familiares não conseguiriam chegar ali tão facilmente.

    Apesar disso, eu tinha a sensação de que realmente não precisávamos de ajuda.

    Ele tinha salvo minha vida mais de uma vez em Lazil, lutando contra seu próprio povo. Se suas palavras não eram o suficiente para que eu confiasse nele, suas ações o seriam.

    — Acho que dou conta disso. — Avisei Vic e Kairin através do nosso laço.

    — Já estou aqui. — Kairin respondeu, usando a janela como um poleiro enquanto encarava o possível inimigo.

    — Então… Você é um deles? Dos alados que invadiram Lazil e quase mataram o nosso general? E espera que confiemos em você? — Ralik despejou as perguntas uma atrás da outra, sem dar tempo do ruivo responder.

    — Primeiro… Nossa raça é conhecida como arcontes. — Ele respondeu e se sentou sobre o tablado, ficando na altura dos nossos olhos para que não precisássemos olhar para cima. — Segundo… Você se responsabiliza por todos os nahuales deste mundo? Não só os desse continente, mas os de Orfeán também?

    Quando Ralik não respondeu, ele continuou.

    — As preocupações de vocês são justas, mas eu estou aqui em nome daqueles que são contra essa invasão e quero apenas ajudar. Como já ajudei Ellarien naquela ilha. 

    Aos poucos, a pressão da sala parecia diminuir. Como se ele relaxasse o peso sobre nossos corpos e permitisse que nossos movimentos fossem mais livres.

    — E você quer nos ensinar para que ajudemos a conter a invasão até que o seu lado tenha conseguido lidar com a invasão e impedir que aconteça? — Conforme eu falava, as peças se juntavam em minha mente. Não era uma conclusão difícil de se alcançar.

    Ele apenas concordou com a cabeça, um movimento sútil.

    Por mais que o Caçador parecesse ser contra aquela invasão, ele não chegou a disparar um único projétil que pudesse ser fatal naquele dia. Todos tinham a óbvia intenção de apenas incapacitar os inimigos.

    Ele ainda queria proteger sua espécie, apesar de não querer que fizessem mal aos outros.

    — Eu já tenho dois mestres muito bons. — Falei. — Dizem que um é pouco, dois é bom, mas três é demais.

    Ele arqueou a sobrancelha em resposta àquelas palavras, como se achasse graça.

    — Conhecimento nunca é demais, Ellarien.

    Ralik ainda parecia incomodado com o medo que seu corpo havia lhe forçado a sentir. Suas mãos estavam fechadas, apertadas em um punho forte. Eu não fazia ideia do que se passava na cabeça dele, mas ele não indicava estar muito feliz com aquela possibilidade.

    — Tenho mais do que filosofia para ensinar a vocês, mas não vou forçar ninguém. — O ruivo deu de ombros, se levantando e fazendo um movimento com os dedos para que a porta se abrisse.

    A madeira estava arranhada do lado de fora, quase totalmente destruída. Como se alguma coisa tivesse tentando destruí-la e não tivesse conseguido. Do outro lado, Fenriz encarava o alado e estava pronto para atacar.

    O lobo deveria ter conseguido quebrar aquela porta com facilidade, então o professor deveria ter reforçado ela de alguma forma para que pudéssemos conversar em paz.

    Ralik foi o primeiro a sair andando, caminhando até chegar ao seu familiar.

    — Eu aceito. — Ele respondeu antes de sair da sala de aula, encontrando Fenriz no lado de fora para ir embora.

    Me deixando sozinha com o alado que também caminhava até a porta e antes de sair, me lançou um último olhar.

    — Eu tenho respostas sobre algumas das suas perguntas, mas você precisa estar preparada para recebê-las. — Ele disse.

    E saiu.

    Minha rotina já estava apertada. Eu treinava de manhã, antes das aulas, com meu tio e minha avó. As aulas ocupavam praticamente todo o resto dos meus dias e eu chegava em casa quase ao anoitecer, pronta para comer alguma coisa, me jogar na cama e acordar somente no dia seguinte.

    Por que eu hesitava sobre me tornar uma aprendiz do arconte?

    Apesar de já ter alcançado um dos meus objetivos, que era impedir que meu tio se tornasse aquela mesma coisa que tinha me matado, eu ainda tinha outras coisas que deveriam ser feitas. E nenhuma delas seria alcançada se eu não ficasse mais forte.

    O futuro já não era claro.

    Por mais que eu ainda não tivesse alcançado a idade em que morri na minha vida passada, eu já havia influenciado tanto dessa vez que duvidasse que chegaríamos àquele mesmo lugar.

    Danibor era o principal responsável por tudo que tinha acontecido e ele não seria mais capaz de fazer tudo aquilo, mas um mal maior e com potencial ainda mais destrutivo tinha aparecido.

    Depois do terceiro dia daquela aula de filosofia, eu cheguei na minha conclusão.

    Eu aprenderia com o arconte. Não porque ele tinha respostas para me dar, não porque eu não queria ficar para trás em relação a Ralik.

    Não porque quisesse simplesmente ficar mais forte.

    Ficar mais forte apenas por ficar poderia até ser bom, mas ter um objetivo claro em mente é ainda melhor.

    Na minha vida passada, minha avó tinha morrido para salvar minha vida.

    E eu não iria permitir que isso acontecesse novamente.

    Ficar forte para proteger todos ao seu redor. Esse sim era um bom motivo.

    Porque ainda existiam aqueles que eram especiais para mim e que eu deveria proteger.

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