Maximus sentou-se com a postura impecável sobre a pilha de livros que ele chamava de trono do intelecto. Os óculos desciam levemente pela ponte de seu nariz enquanto ele folheava um tomo antigo de capa púrpura com seu polegar grosso e calejado. Pers estava sentada ao meu lado numa nuvem flutuante, que fora invocada para o seu conforto e eu me sentei sobre uma pedra lisa ao centro da arena, com um caderno conjurado flutuante diante de mim. Então Maximus falou:

    — Muito bem… vamos começar com o mais importante: o poder é mais seguro quando é temido do que quando é amado.

    Ele ergueu os olhos do livro e fixou-os em mim, esperando uma contestação.

    — Isso é Maquiavel? — perguntei.

    — Claro que é Maquiavel, rapaz! — rosnou ele com entusiasmo. — O príncipe mais honesto da história. — Bateu na capa do livro. — O Príncipe. Leitura sagrada em Emberfell, pelo menos enquanto eu ainda respirava.

    Pers ergueu uma sobrancelha.

    — Você levou as ideias dele tão ao pé da letra assim?

    — Eu levei as ideias dele ao pé da espada. E funcionou.

    Ele se levantou, as vestes chacoalhando, e caminhou pelo centro da arena com voz grave e retumbante.

    — “Aos homens, ou se conquista pela bondade… ou se destrói pela força.” — recitou. — Quando assumi meu primeiro comando militar, Emberfell estava em guerra contra três reinos ao mesmo tempo. O que fiz? Peguei os sacerdotes e os banqueiros, sentei-os numa tenda de campanha, dei a eles um mapa e uma espada.

    Parei de escrever.

    — E o que eles fizeram?

    — Nada. Mas aprenderam que, sem mim, morriam no dia seguinte. O medo, meu jovem, é um mestre mais leal que a fé.

    Pers revirou os olhos, mas não contestou.

    — Vamos a outro ponto: “Um príncipe prudente deve construir os alicerces do poder sobre o que pode controlar.” — Disse, apontando o dedo para mim. — Você tem uma legião de mortos à sua disposição. Mas eles são apenas ferramentas. O verdadeiro poder vem do que você sabe fazer com eles.

    Ele apontou para a lateral da arena. Uma ilusão surgiu, mostrando um pequeno exército de espectros cercando um vilarejo.

    — Agora, observe. — Com um gesto, os espectros atacaram, mas desorganizados, alvejando alvos diferentes. O vilarejo reagiu com armadilhas e fogueiras. Os espectros foram derrotados em segundos.

    Ele estalou os dedos e a cena sumiu. Olhou para mim com um sorriso de escárnio.

    — Poder bruto. Sem estratégia. É isso que a maioria dos reis tem. E é por isso que quase todos morrem cedo.

    Fez outra simulação. Os espectros se posicionaram em fileiras, criaram barreiras com escudos etéreos e se moveram como um único organismo. O vilarejo sucumbia em silêncio.

    — Liderar é ensinar medo aos inimigos… e ordem aos aliados.

    Ele fechou o livro.

    — Maquiavel também dizia: “Um homem sábio deve imitar o modo dos animais. Deve ser raposa para conhecer as armadilhas, e leão para espantar os lobos.”

    Maximus estendeu os braços.

    — Eu fui ambos. Um político sagaz no dia, um general incendiário à noite. Você precisa ser isso, Hades. Precisa olhar para seus inimigos como xadrezistas veem peões. E para seus aliados… como peças úteis que só devem subir no tabuleiro se forem leais até a morte.

    — Isso soa cruel — murmurei.

    — Cruel? — Maximus bufou. — Cruel é ver uma cidade queimando porque você hesitou. Cruel é perder mil soldados por não ter dado uma ordem na hora certa. Cruel é falhar com quem você ama por ter sido gentil demais com quem queria te ver morto.

    Pers mordeu o lábio. Seu olhar em mim era de preocupação. Maximus estava certo, mas a um custo alto.

    — Hades — disse ele, andando lentamente até mim. — Quando você for general, quando tiver uma legião atrás de você e deuses à sua frente, você vai entender o que é necessário. Você pode lutar por amor… mas deve liderar com medo.

    Ficamos em silêncio.

    — Se você puder ser amado e temido ao mesmo tempo, ótimo. Mas se tiver que escolher… escolha o medo. Porque o amor é volátil. Mas o medo… o medo sobrevive até depois da morte.

    A aula seguiu com ele narrando episódios de sua ascensão: como subornou um inimigo com um casamento falso, como usou uma encenação pública para convencer três reinos de que tinha uma arma mágica capaz de destruir cidades.

    — O príncipe que parecer virtuoso, mas agir com malícia, governa mais tempo — disse. — Mas nunca seja mal por gosto. Só quando for necessário. Crueldade útil, é assim que se constrói estabilidade.

    Peguei tudo. Até Pers, ao final da aula, parecia mais reflexiva do que crítica. Maximus se virou, ajeitou os óculos e voltou a folhear o livro como se nada tivesse acontecido.

    — E amanhã… continuamos com os ensinamentos sobre alianças forjadas em sangue. Agora, vão dormir. Sonhem com guerras vencidas antes mesmo de começarem.

    Ele se afastou. Naquela arena, entre frases maquiavélicas e memórias de impérios, eu estava aprendendo a governar.


    No dia seguinte, cheguei mais cedo. Maximus já estava lá, impecável, trajando uma túnica escarlate com detalhes em ouro. Os óculos repousavam na ponta do nariz. Ele lia um pergaminho com letras dançando em fogo azul. Assim que me aproximei, ele ergueu os olhos.

    — Maximus… — comecei. — Como você conhece Maquiavel?

    — Conhecer? — repetiu, os olhos semicerrados. — Eu sou o filho dele.

    Fiquei em silêncio.

    — Não… espera. Maquiavel… filósofo? O autor de O Príncipe?

    Maximus tirou os óculos e os guardou num estojinho feito de escamas de dragão.

    — Pensei que Oliver tivesse te ensinado a cronologia imperial de Emberfell.

    — Ele só mencionou nomes — respondi. — Rômulo Ember, Remo Fell, Regis Nosferatus… Mas nada sobre Maquiavel ser literalmente seu pai.

    Maximus suspirou.

    — Augustus foi o primeiro Imperador. O Segundo foi Maquiavel, meu pai. Foi ele quem consolidou Emberfell como império filosófico e militar. Escreveu tratados sobre poder, liderança, diplomacia e guerra. Tratados que hoje são lidos como profecia nas cortes do mundo. Inclusive o que você chama de O Príncipe.

    — Mas… — cocei a cabeça. — No meu mundo, Maquiavel também existiu. Viveu na Itália do século XV. Escreveu as mesmas palavras que você citou ontem. Então como…?

    Maximus estalou os dedos e um mapa se abriu no ar, revelando linhas douradas que cruzavam planos.

    — Assim não vai funcionar, garoto. Você ainda está preso na lógica linear do seu mundo morto. Aqui, as ideias nascem de muitas fontes. Às vezes, uma ideia escapa de um plano e aparece em outro, como uma faísca atravessando a membrana do tempo. Às vezes… o mesmo espírito reencarna em mundos diferentes, dizendo as mesmas verdades.

    Fiquei olhando para o mapa, tentando encontrar um ponto fixo. Não havia.

    — Então quer dizer que o Maquiavel que eu conhecia pode ter sido… o mesmo que o seu pai?

    — Ou uma cópia. Ou um reflexo — Maximus deu de ombros. — Mas aqui, ele foi real. Ele criou Emberfell como um império do medo e da ordem. E eu… fui sua espada.

    — E você herdou a visão dele?

    — Herdei a chama. E a missão — disse com orgulho. — Por isso você precisa aprender toda a árvore genealógica dos von Emberfell.

    — Hã… não — respondi, direto. — Obrigado, mas não.

    Maximus arregalou os olhos.

    — O quê?

    — Se eu não consegui decorar nem a árvore genealógica dos próprios deuses, imagina de uma família de imperadores? — dei de ombros. — Me dá os resumos. As partes importantes.

    Maximus me encarou por um momento, até que começou a rir. Uma risada grave e alta, que ecoou pelo coliseu.

    — Hades… — disse ele, recuperando o fôlego. — Você seria um péssimo historiador… mas um excelente general.

    — Já é um começo — respondi, sorrindo.

    — Muito bem. Sem árvores genealógicas. Mas… hoje, começamos o módulo sobre estratégias de expansão imperial e manipulação diplomática. E eu espero que você anote tudo.

    Assenti. A história de Emberfell estava só começando a se revelar para mim.


    Maximus avançou até o centro do coliseu. O campo de batalha foi substituído por uma grande mesa circular de pedra negra, com peças douradas representando tropas, cidades e rotas comerciais. A superfície respondia aos gestos dele.

    — Vamos falar sobre dominação sem guerra. Não é todo império que precisa ser fundado sobre cinzas. Algumas conquistas são feitas com anéis de ouro, não espadas de ferro.

    Ele estendeu a mão, e um pequeno exército dourado cercou uma cidade vizinha marcada em azul. Uma embaixada se formou. A cidade azul mudou de cor aos poucos, até assumir a tonalidade dourada do império.

    — Primeiro princípio da manipulação diplomática: Crie necessidades. Uma nação sem problemas não aceita alianças. Uma com fome, medo, ou sede de poder, aceita qualquer coisa.

    Maximus moveu outra peça. Um pequeno vilarejo surgiu no mapa.

    — Em Emberfell, cultivávamos escassez nas cidades que queríamos conquistar — explicou, com naturalidade cruel. — Interrompíamos rotas de comércio de forma “não oficial”. Incentivávamos o surgimento de bandidos. Então, quando o caos atingia o ponto certo, aparecíamos como salvadores. “Apenas queremos ajudar”.

    Pers cruzou os braços na nuvem flutuante.

    — Ele fala disso como quem ensina uma receita de bolo — sussurrou ela.

    — Eu ouvi isso — respondeu Maximus sem virar o rosto. — Porque é exatamente isso: uma receita para o poder.

    Ele continuou.

    — Segundo princípio: Jamais destrua algo que pode servir ao império. Se o reino inimigo tem bons estudiosos, incorpore-os. Se têm exércitos leais, ofereça cidadania. Se têm reis espertos, faça deles duques subordinados.

    — Então o segredo é não parecer um conquistador? — perguntei.

    Maximus sorriu.

    — O segredo é parecer inevitável. E quando eles perceberem… já será tarde demais.

    Com outro gesto, ele apagou o mapa e conjurou outro cenário: um baile de máscaras em um palácio flutuante. Figuras dançavam, mas seus olhos revelavam intenções ocultas.

    — Terceiro princípio: Manipule os corações, não os tronos. — Ele apontou para uma figura de vestido púrpura. — Ela é uma princesa. Sua família odeia Emberfell. Mas ela ama poesia. Enviamos um “poeta” — um agente — que escreveu versos sobre o destino dos impérios e o calor do amor. Quando ela se apaixonou, o império caiu uma geração depois… sem um único ataque.

    Pers me olhou com uma expressão entre o choque e a admiração.

    Maximus virou-se para mim.

    — Você, Hades, foi general de um exército de resistência. Isso é nobre. Mas nobreza não vence guerras. O que vence guerras é visão, paciência e uma crueldade afiada o bastante para ser escondida atrás de uma cortina de veludo.

    Ele invocou uma versão mágica em miniatura da Cidade Livre de Valéria.

    — Essa cidade não pode ser conquistada com exércitos. Ela é livre. Mas pode ser envenenada com ideias. Você infiltra artistas, intelectuais, rebeldes que exaltam o império em suas canções. Pouco a pouco, os jovens veem Emberfell como um ideal de ordem e segurança. Quando os velhos forem mortos pelo tempo, os novos abrirão os portões por vontade própria.

    — Isso é… assustador — comentei.

    — O medo e o respeito vêm da mesma compreensão: que você é pequeno diante de algo maior. Você quer ser apóstolo de uma deusa, Hades. Um apóstolo não deve apenas lutar. Deve governar, influenciar e moldar destinos.

    A aula prosseguiu com ele mostrando a Doutrina da Roda Partida, uma teoria de Maquiavel para neutralizar alianças. Por fim, a mesa sumiu.

    — O que você achou, Hades?

    — Que se eu tivesse aprendido isso em minha vida passada… talvez tivesse vencido.

    Maximus sorriu.

    — Não é tarde para vencer neste mundo.

    Pers desceu da nuvem.

    — E pensar que esse era o homem que batia em dragões com os punhos.

    Maximus ergueu um dedo.

    — E também manipulava os conselhos de reis sem nunca precisar levantar a voz.

    Ele olhou para mim.

    — Você vai fundar um império. De mentirinha, claro. Mas vamos ver se você consegue manter ele de pé por mais de sete dias.

    A briga por territórios estava prestes a começar.


    Maximus ergueu as mãos e um campo mágico se abriu diante de nós. Uma sala de conselho imperial tomava forma. Havia um trono ao fundo, cadeiras dispostas ao redor de uma mesa longa, e hologramas de conselheiros.

    — Todos eles têm um preço, Hades. Mas nem sempre é ouro. O segredo não é comprar suas lealdades… mas mantê-los achando que estão no controle.

    Maximus conjurou, no centro, a miniatura de um império dividido em províncias. Era uma simulação viva.

    — Hoje vamos tratar da arte da centralização e da descentralização. Uma província recém-conquistada deve ter certa autonomia nos primeiros anos. Nomeie um líder local, crie uma guarda de aparência nativa, e deixe que celebrem seus festivais, mas mantenha os impostos imperiais. Quando eles se acostumarem com os benefícios do Império, então você tira os privilégios. Lentamente. Eles aceitarão por hábito.

    As peças se moveram. Um pequeno ducado tentou se rebelar. Maximus estalou os dedos. Um “acidente” acometeu o duque: seu castelo queimou numa noite de tempestade. Seu herdeiro, educado na corte imperial, foi colocado em seu lugar.

    — Agora observe. O povo não se levanta. Porque eles ainda têm um duque. Só que agora, um que ama Emberfell.

    Ele me olhou.

    — Você não conquista a mente com aço. Você conquista com continuidade. Nunca arranque a identidade de um povo de uma vez, senão eles lutarão até a morte. Corte camada por camada, até que eles pensem que sempre foram seus.

    A mesa se transformou, mostrando diplomatas sentados ao redor de uma mesa oval.

    — A diplomacia, Hades, não serve para fazer paz. Ela serve para prolongar a guerra sob termos vantajosos. Um verdadeiro imperador já planeja a próxima guerra enquanto ainda seca a tinta da aliança recém-assinada.

    Ele deu um passo para trás. A cena se congelou num baile imperial. Maximus jovem dançava com uma princesa estrangeira.

    — Essa mulher foi a chave para subjugar dois reinos. Casamento político. Então a envenenei.

    Pers fez uma careta de nojo.

    — Um líder pode amar. Mas jamais deve colocar o coração acima do império. O império é a carne. O amor é a flor. Se a flor ameaça apodrecer a carne… ela deve murchar.

    Ele estalou os dedos. As luzes da simulação mudaram. Agora havia uma cidade à beira de um colapso econômico.

    — Em situações de crise, nunca entregue promessas. Entregue inimigos.

    Ele conjurou a figura de um conselheiro corrupto. Um anúncio foi feito: prisão pública e execução.

    — Isso acalma o povo. Mesmo que o conselheiro seja inocente. Desde que o povo tenha alguém para odiar, eles não odeiam você.

    A cidade se acalmou.

    — No dia seguinte, anuncie uma nova medida. Finja escutar o povo. Mas nunca escute de verdade. Ou a voz do povo virará grito. E o grito se transforma em guilhotina.

    Maximus encerrou a aula:

    — Amanhã começaremos a simulação. Você vai governar por sete dias aquele império que eu pedi para você criar.

    Ele se aproximou e pousou uma mão em meu ombro.

    — E se em algum momento pensar que isso tudo é imoral, lembre-se: os reinos que jogam limpo são os primeiros a virar cinzas.

    Pers me abraçou por trás e sussurrou:

    — Só não se perca demais, amor. É fácil gostar disso. E mais fácil ainda deixar de se reconhecer no espelho.

    Eu a segurei pela mão.

    — Eu não vou me perder. Eu só estou aprendendo como os monstros pensam… para vencê-los.

    Maximus ouviu.

    — Você ainda acredita que pode ser melhor que todos nós. Isso é bom. No começo, todos acreditamos.


    No dia seguinte, Maximus já nos esperava. O coliseu havia desaparecido. Em seu lugar, erguia-se um trono de ébano e mármore polido, encimado por estandartes negros com o símbolo do Império de Noctavellis: um sol eclipsado.

    — Bem-vindo ao teu império, Hades — disse Maximus, vestindo seu manto de guerra. — Por sete dias, governarás a nação imaginária de Noctavellis. Serás o Imperador. Terás teu general, teus conselheiros… tua imperatriz. — Ele olhou para Pers, que surgia descendo uma escadaria lateral, vestida com um longo vestido negro decorado com folhas de prata.

    Pers parou ao meu lado, deslizando a mão pela minha.

    — Imperador Hades de Noctavellis… soa bem, amor.

    — Soa definitivo — eu disse, sentando-me no trono.

    O império era enorme e estava prestes a se fragmentar. Maximus abriu um pergaminho e disse:

    — Ouve então os membros da tua corte.

    Ele estalou os dedos, e os personagens surgiram: Alta Conselheira Elizandra d’Arkveil, Grão-Tesoureiro Baldric Vantros, Marechal Darius Vellenhardt, Oráculo de Umbrenor e Arquidiplomata Salazar Khemdall.

    Maximus leu o pergaminho:

    — “A leste, nobres da Província de Caerbron se recusam a pagar impostos. Ao norte, Thaldrakos ameaça os portos comerciais. Ao sul, o povo de Galath’enor sofre com a fome. E no oeste… uma profecia: o retorno do Messias da Luz, pregando a queda da Deusa da Morte.”

    Ele ergueu os olhos.

    — Teu reinado começa em crise, Imperador. Que decisão tomará primeiro?

    Olhei para o mapa etéreo. As tensões nas fronteiras. Os cofres vazios.

    Pers, sentada em um trono menor ao meu lado, me observava.

    — Não precisamos resolver tudo em um dia, amor — disse ela. — Mas a maneira como você começa… define tudo.

    — Primeiro, quero reunir os governadores de Caerbron para uma negociação — falei. — Mas prepare uma armadilha, Arquidiplomata. Se não aceitarem, quero provas de traição para justificar uma ocupação rápida.

    Salazar sorriu.

    — Perfeitamente imperial, alteza.

    — Marechal Darius — continuei — envie uma patrulha pesada ao norte. Não ataquem. Apenas mostrem que o Império está observando. Dragões reagem à força, não à diplomacia.

    Darius assentiu, com um brilho nos olhos.

    — Com prazer, imperador.

    — Grão-Tesoureiro — me virei ao anão — libere parte dos estoques imperiais para Galath’enor. Mas quero que as entregas sejam feitas em nome da Deusa da Morte. Cada saco de trigo. E que os templos celebrem missas em sua honra.

    Ele torceu o nariz, mas aceitou.

    — Desde que os dízimos retornem… aceito.

    Por fim, olhei para a Oráculo.

    — Sobre o Messias da Luz. Diga-me tudo o que sabe.

    Ela sorriu.

    — A luz é mais escura do que imaginas, senhor da noite. Mas, em breve, o Messias cantará teu nome. Ou amaldiçoará tua existência.

    Maximus sorriu satisfeito, deu uma volta atrás do trono e disse:

    — E assim se escreve o primeiro dia do Império de Noctavellis. Um bom começo. Diplomacia, força, manipulação de fé e controle de imagem. Mas… o segundo dia será mais difícil.

    O cenário se apagou. Enquanto Pers apertava minha mão discretamente, senti que aquela era uma guerra de sombras, onde o aço era a última arma.


    O segundo dia começou antes mesmo da alvorada. Fui despertado por um conselheiro agitado, um espectro encapuzado chamado Vilemor, o Silente, que só se comunicava por pensamentos.

    Ele se ajoelhou diante de mim e transmitiu:

    — Revolta no Leste. Os monges de Vash-Tar se recusam a pagar tributos e pregam que a Deusa da Morte deve ser cultuada sem reis nem imperadores. Eles estão queimando estátuas suas.

    Olhei para Pers, adormecida ao meu lado. Aquela era uma guerra de ideias.

    Levantei, me vesti com o manto negro e segui ao salão do conselho.

    Maximus, no papel de General Supremo, me esperava com uma expressão severa. Ao seu lado estavam a Dama Merlynne, a Alta Sacerdotisa, o Barão Varnis, o tesoureiro morto-vivo, o Duke Enoch, o Exilado, e Sibilia, a conselheira arcana.

    Maximus falou primeiro:

    — O povo dos Montes de Vash-Tar odeia a centralização. Sugiro uma demonstração de força. Uma execução pública de três monges.

    — Isso só criaria mártires — disse Merlynne. — Transformaria o fogo pequeno em um incêndio de fé.

    Sibilia murmurou:

    — Mande ouro, alimentos… mas também agentes ocultos. Faça-os dividir-se.

    Pers entrou no salão, trajando um vestido negro elegante. Sentou-se ao meu lado.

    — Amor — disse ela, com um sussurro —, lembre-se. Dê ao povo um inimigo. Mas também, às vezes, um herói.

    Ponderei.

    — Enviaremos auxílio aos monges. Comida, vestes, livros sagrados… e junto, um grupo secreto liderado por Vilemor. Sua missão será infiltrar o culto e dividir suas lideranças. Ao mesmo tempo, proclamaremos um festival nacional em homenagem à Deusa, e os templos que não participarem serão silenciados. Não com aço. Mas com esquecimento.

    Maximus sorriu. Logo depois, Varnis estalou a língua:

    — E os cofres, Majestade? O Sul ainda se recusa a enviar os impostos do minério de obsidiana.

    — Estão mentindo — disse Maximus. — O Lorde de Drakkenshade quer testar seus limites. Mande um emissário armado que mate na chegada.

    — Não — interrompi. — Mandaremos dois: um emissário oficial para negociar… e um assassino entre os guardas do emissário. Se o Lorde Drakkenshade tentar algo… morrerá à noite, e a culpa cairá sobre sua própria corte.

    Vilemor aprovou. Maximus riu com gosto.

    — Está jogando como um imperador. Só falta pensar como um.

    Mas as notícias não paravam. No Norte, nas Terras Congeladas de Kar’meth, um exército de mortos descontrolados havia destruído a cidade portuária de Ellynth.

    — Ordeno que as tropas do General Maximus vão até lá. Mas… eles só agirão como contenção. As verdadeiras forças serão conjuradas por mim.

    Usei parte do poder que absorvi no Caos para evocar cinco colossos de sombra.

    — Se salvarem Ellynth, o povo acreditará que sua fé na Deusa valeu a pena. Se falharem… culparemos os necromantes.

    — Cínico — murmurou Merlynne.

    — Político — respondeu Maximus.

    A reunião terminou após horas. Voltei aos meus aposentos, a mente exausta. Pers me recebeu com uma taça de vinho negro, sentou-se no meu colo e encostou a testa na minha.

    — Dois dias… e você já está com olheiras.

    — É exaustivo manter um império de mortos, amor — falei. — Eles gritam, mesmo sem cordas vocais.

    Ela riu, triste e doce.

    — Não deixe que esses jogos te consumam.

    Mas meu pensamento já voltava para os relatórios que chegariam à noite. Ser imperador era nunca dormir. Eu era Noctavellis agora.


    Mais tarde, eu conversava com Perséfone, buscando um descanso mental.

    — Você fala como se tivesse razão em tudo, amor.

    — Não falo, sou — retruquei com um sorriso.

    — Modesto também, vejo — ela riu, empurrando de leve meu ombro.

    Estávamos no sofá, as pernas entrelaçadas, a lareira estalando calmamente.

    — O chá de jasmim estava mais doce hoje.

    — Porque fui eu que fiz, amor.

    — Hm. Então vou fingir que não senti gosto de poeira na primeira xícara.

    Ela riu, e eu a puxei mais pra perto. Suas mãos estavam quentes, olhos semicerrados.

    E então, a explosão.

    Um estrondo violento abalou as paredes do palácio. A vibração subiu pelas minhas pernas como um trovão subterrâneo. A lareira se apagou de súbito. As luzes tremeluziram. Um segundo de silêncio mortal se seguiu.

    Me levantei num salto e corri até a varanda, abrindo as janelas. O vento trazia fumaça, poeira e o cheiro metálico da guerra.

    O céu sobre Noctavellis havia sido engolido por nuvens negras. Raios púrpura cortavam o horizonte. As muralhas estavam ruindo. Torres caíam. Estandartes flamejavam com o símbolo do Rei Demônio. Eles estavam invadindo.

    Senti Pers ao meu lado. Sua expressão estava tensa.

    — Amor… — falei, sem desviar os olhos. — A guerra chegou.

    Ela não respondeu de imediato. Segurou minha mão com força. O império não teria paz essa semana. O imperador não podia hesitar.

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