O som da feira os envolveu de imediato: vozes de vendedores anunciando promoções, o aroma doce do milho cozido, o estalar de pipocas sendo feito na hora. Isabel sentiu a mão de Davi ainda segurando a sua, firme, mas não apertada demais.

    — Você sempre vem aqui? — ela perguntou, tentando quebrar o silêncio curioso que havia se formado entre eles.

    — De vez em quando — respondeu, desviando para a direita para evitar uma criança que passou correndo. — Mas acho que hoje vai ser diferente.

    — Por quê? — ela arqueou a sobrancelha.

    — Porque você está aqui — disse, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Isabel soltou uma risada breve, balançando a cabeça.

    — Você sempre foi assim?

    — Assim como?

    — Meio… — ela fez um gesto vago com a mão livre. — Cheio de respostas prontas.

    — Não, só quando vale a pena — disse ele, sorrindo.

    Pararam diante de uma barraca de frutas. Uma senhora de avental estendeu para Isabel um pedaço de manga cortada. Ela aceitou, mordeu, e o suco doce escorreu levemente pelo canto da boca. Antes que pudesse limpar, Davi já tinha puxado o guardanapo da banca e entregado a ela, com um sorriso divertido.

    — Obrigada — murmurou, limpando-se rapidamente, sentindo as bochechas esquentarem.

    Mais à frente, uma barraca vendia pulseiras e colares de miçangas. Isabel parou para olhar uma pulseira azul-clara.

    — Essa combina com o seu vestido — disse Davi, já pegando a peça antes que ela pudesse reagir.

    — Ei, não precisa comprar… — ela começou, mas ele já estava pagando.

    — Tarde demais. — Ele segurou a mão dela e prendeu a pulseira no pulso. O toque foi leve, quase cuidadoso demais, como se temesse machucá-la. — Agora sim.

    Isabel olhou para a pulseira e depois para ele, tentando não sorrir demais. — Você é impossível.

    — Eu sou — respondeu, satisfeito.

    Eles continuaram andando até parar numa barraca de pastel. O cheiro bom fez Isabel sorrir.

    — Tá com cara de quem tá morrendo de vontade — Davi disse, rindo e cutucando o braço dela.

    — Eu tô mesmo! — ela respondeu, com os olhos brilhando.

    Enquanto esperavam, Davi se encostou no balcão e ficou olhando para ela com aquele jeito calmo, mas atento, como se quisesse guardar cada detalhe.

    — Você sabe que tá me encarando, né? — Isabel disse, sem olhar diretamente pra ele.

    — Sei — ele riu. — E não vou parar.

    — Você é terrível. — Ela balançou a cabeça, rindo também.

    O vendedor entregou os pastéis quentinhos, ainda soltando fumaça.

    Assim que deu a primeira mordida, Davi fez uma careta. — Ai, tá muito quente! — ele resmungou, abanando a boca.

    Isabel caiu na risada. — Eu falei! — disse, pegando um guardanapo e entregando pra ele, como ele tinha feito antes.

    — Isso é sacanagem. — ele brincou.

    — Agora estamos quites — ela respondeu, sorrindo.

    Davi tentou outra mordida e de novo, se queimou.— Ai, não acredito! — falou rindo, meio desesperado.

    Isabel segurou a risada, mas não resistiu. — Você nunca aprende, né?

    — Pode ser… — ele sorriu, dando de ombros. — Mas pelo menos você tá rindo.

    O sol já havia se escondido no horizonte, mergulhando a praça num suave céu estrelado, pintado pelas luzes quentes dos postes e das barracas. Perto da fonte, um músico tocava seu violão, a melodia dançando junto ao murmúrio da água. Isabel e Davi se aproximaram, ficando lado a lado. Os ombros deles encostados levemente, um contato simples, mas carregado de significado. Ela não recuou, pelo contrário, deixou-se ficar ali, sentindo a presença dele como parte natural daquela noite.

    — Acho que não lembro a última vez que fiquei assim, sem pressa — ela comentou, olhando para a água da fonte refletir a luz da noite.

    — Então vamos aproveitar mais! — ele disse, e o tom na voz era quase uma promessa.

    Isabel observava as luzes piscando por toda a praça. O som das risadas, da música e das vozes misturava-se ao aroma doce de pipoca e algodão-doce. Aquilo fazia o coração dela bater de forma estranhamente tranquila. Não parecia real. Depois de dias de tensão e correria, estar ali, ao lado de Davi, parecia muito… seguro.

    — Tá sorrindo por quê? — ele perguntou, inclinando levemente o rosto para ver melhor a expressão dela.

    — Eu? — ela arqueou a sobrancelha, tentando disfarçar. — Tô só… observando.

    — Observando ou planejando alguma coisa? — ele provocou, com aquele tom que deixava clara a intenção de arrancar mais que uma resposta simples.

    — Planejando em te derrotar em algum jogo, talvez — respondeu, com um leve sorriso.

    Ele riu baixo, meneando a cabeça.— Eu não vou perder fácil. — O olhar dele brilhou com uma confiança quase infantil.

    — Aliás, aquele é o jogo perfeito pra gente começar.

    Ela seguiu a direção que ele apontava: um estande de tiro ao alvo, com várias armas de tampinhas alinhadas, e prêmios pendurados ao fundo bichinhos de pelúcia, chaveiros, até um enorme urso branco que parecia impossível de conquistar.

    — Você quer que eu atire? — Isabel riu. — E se eu for péssima nisso?

    — Então vai ser engraçado de assistir. — Ele deu de ombros, mas o sorriso o denunciava.

    — Tá, mas se eu ganhar, o prêmio é meu — ela afirmou, cruzando os braços.

    — Fechado. E se eu ganhar… — Ele parou por um instante, fingindo pensar. — Eu escolho o prêmio. E você não pode reclamar.

    Isabel estreitou os olhos, mas aceitou o desafio.O atendente entregou a arma, e ela sentiu o peso nas mãos. Quando levou o cano à altura dos olhos, percebeu que estava tremendo levemente. Não de nervosismo pelo menos era o que dizia a si mesma, mas pelo fato de Davi ter se aproximado, ficando logo atrás dela.

    — Assim… — ele murmurou, ajustando a posição dos braços dela. — Mira um pouco mais alto. Respira fundo antes de atirar.

    Ela fez como ele disse, sentindo o calor das mãos dele sobre as dela por um instante. Um disparo seco. O alvo balançou.— Acertou! — ele sorriu, genuinamente impressionado.

    — Tá vendo? — ela virou-se para ele com um olhar vitorioso. — Não sou tão ruim assim.

    — Espera mais dois tiros antes de se gabar tanto.

    Ela riu e continuou, errando o segundo, mas acertando o terceiro. Ao final, não tinha pontos suficientes para o urso branco gigante, mas conseguiu um chaveiro de raposa.

    — Não é justo, eu queria aquele urso — ela reclamou, fingindo indignação.

    — Então deixa eu tentar — disse ele, já pegando a carabina.Isabel cruzou os braços, observando. Ele parecia tão relaxado que dava até raiva. Três disparos. Três acertos.

    — Tá de brincadeira… — ela murmurou, de boca aberta.

    Davi escolheu, obviamente, o urso branco e o entregou para ela, sem nem esperar a reação.— Mas… você disse que ia escolher o prêmio! — Isabel protestou, segurando o urso.

    — E eu escolhi. — Ele sorriu. — Cuida bem dele, viu?

    Ela desviou o olhar, sentindo um calor subir pelo rosto.

    — Você é péssimo… — disse baixo, mas não conseguiu esconder o sorriso.

    De repente, Isabel e seu grande urso de pelúcia, parou diante de uma das barracas mais chamativas: um grande painel com latinhas empilhadas em pirâmides perfeitas, cada uma acompanhada de uma bolinha. Um cartaz gritava em letras coloridas: “Derrube todas e ganhe um prêmio!”.

    Ela cruzou os braços em volta do urso, inclinando o rosto para Davi com um meio sorriso provocador. — Aposto que você não consegue.

    Davi arqueou a sobrancelha, fingindo-se ofendido. — Tá me desafiando?

    — Tô afirmando — respondeu ela, firme, mas com um brilho divertido nos olhos. — Se conseguir, eu pago o próximo doce.

    Ele avançou um passo e pegou uma das bolinhas, girando-a na mão como se fosse um campeão nato. — E se eu perder?

    — Aí sou eu quem escolhe o próximo jogo — disse Isabel, apoiando-se de leve no balcão. — Justo?

    — Justo.

    O atendente, um rapaz magro de boné, fez sinal para que Davi se posicionasse. — Três chances. Derrube todas e leva o prêmio.

    Respirando fundo, Davi mirou e lançou a primeira bolinha. Duas latinhas caíram, mas o resto permaneceu firme.

    — Beleza… aquecimento — murmurou.

    Na segunda tentativa, derrubou mais algumas, mas três ainda resistiram na base da pirâmide.

    — É melhor você se concentrar aí, campeão — provocou, Isabel com um sorriso malicioso.

    Na última jogada, ele arremessou com mais força, mas ainda assim uma das latinhas se manteve de pé.

    Davi encarou o painel como se as latas tivessem acabado de insultá-lo. — É sério isso?

    Isabel riu baixo quando o atendente lhe entregou as bolinhas. — Minha vez. — disse, enquanto jogava o grande urso para Davi segurar.

    — Te desejo boa sorte — disse Davi, brincalhão.

    Ela apenas deu de ombros, se posicionou e, disfarçadamente, aplicou sua força aprimorada no primeiro arremesso. A bolinha voou certeira, derrubando mais da metade da pilha. Com a segunda, o resto desmoronou num estrondo.

    — Uau! Você é boa nisso — exclamou o atendente, arregalando os olhos.

    Davi ficou piscando para as latinhas espalhadas no chão. — Tá… isso foi… impressionante.

    — Acho que eu ganhei, né? — disse ela, voltando-se para ele com um ar vitorioso.

    Ele levantou as mãos junto com o urso em rendição. — Ganhou. Então… qual vai ser o prêmio?

    Isabel fingiu pensar, observando as prateleiras abarrotadas de bichos de pelúcia, colares e brinquedos pendurados. Seus olhos percorreram tudo devagar, até que pararam nele. O sorriso brincalhão sumiu, dando lugar a um nervosismo contido. — Acho que… não quero nada daqui.

    — Ué… mas você ganhou, você não quer nada? —perguntou Davi, curioso.

    Ela respirou fundo, reunindo coragem, e deu um passo à frente. O rosto levemente corado denunciava a batalha interna que travava. — Eu… queria… um beijo.

    O tempo pareceu congelar. O sorriso de Davi desapareceu, substituído por um olhar surpreso, e seu rosto corou quase de imediato. — Um… beijo?

    Percebendo o silêncio, Isabel mordeu o lábio e recuou um pouco. — Desculpa, foi do nada… eu não devia ter pedido. Esquece.

    Mas Davi coçou a nuca, ainda ruborizado, e deixou escapar um meio sorriso. — Não… não é isso. É que… eu gostei da ideia.

    O coração dela disparou. — S-sério?

    — Sério. — Ele riu baixo, sem esconder o nervosismo. — Eu também gostaria.

    Um silêncio breve se instalou, e de repente o barulho da feira pareceu distante. Devagar, os dois se inclinaram até que os lábios se tocassem num selinho rápido, tímido, mas suficiente para deixá-los corados e sorrindo como nunca antes.

    — Certo… é… que tal a gente ver outra barraca? — murmurou Davi, soltando um suspiro leve.

    — S-sim! Boa ideia — respondeu Isabel, ainda com o brilho nos olhos denunciando exatamente o que sentia.

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