A manhã estava fria, e o céu, encoberto por nuvens cinzentas, parecia pesar sobre a cidade. O vento arrastava folhas pelo pátio da escola, espalhando-as como lembranças esquecidas. Isabel apertou a mochila contra o ombro, atravessando o portão com passos que tentavam ser firmes, mas o frio nas mãos denunciava a tensão que sentia. Algo estava diferente naquele dia, ela percebeu no instante em que passou pelo primeiro grupo de alunos.

    Eles se reuniam em cantos, cochichando, rindo em sussurros cúmplices e, principalmente, trocando celulares como se carregassem um tesouro proibido.

    Havia um burburinho elétrico no ar, e Isabel logo soube que aquele segredo compartilhado não demoraria a chegar até ela. No corredor, conversas escapavam:

    — “Você viu aquilo? Foi insano!”

    — “Nem parece real…”

    — “Quem será que é?”

    Cada palavra caía sobre Isabel como pequenas pedras de gelo. O coração acelerava, mesmo sem confirmação, porque, no fundo, ela já sabia do que se tratava. Entrou na sala tentando manter a postura, mas encontrou Davi sentado, debruçado sobre o celular, os olhos fixos, quase brilhando de excitação.

    Ele ergueu a cabeça assim que a viu. — Bom dia, Isa! — disse com um sorriso rápido, natural. — Tá todo mundo falando da mesma coisa hoje.

    Ela puxou a cadeira e se sentou ao lado dele, tentando soar despreocupada. — Aconteceu algo? Parece que perdi alguma coisa importante.

    Davi se inclinou, como quem vai compartilhar um segredo de estado. Segurava o celular com cuidado, e sua voz baixou para um tom conspiratório: — Acho que você vai gostar… ou talvez não. — Girou a tela na direção dela. — Olha só.

    O vídeo começou em silêncio, com aquela imagem granulada típica de câmeras de segurança. Mostrava o interior de um mercado pequeno, quase familiar. Dois homens armados com pistolas, estavam no caixa; um deles, alto, com os ombros largos; o outro, tatuado, a tinta negra subindo pelo pescoço como uma serpente. Clientes se encolhiam atrás das prateleiras.

    Então, pela porta lateral, entrou uma figura encapuzada e mascarada. Mesmo sem som, a tensão explodiu na tela. O tatuado virou, arma em punho, e apontou diretamente para a intrusa. Mas a encapuzada… tirou o celular do bolso.

    Isabel viu a si mesma na tela, como um reflexo distorcido: digitando, como se estivesse em qualquer tarde comum. O disparo veio em seguida, um clarão curto que fez o vídeo tremer. A bala atingiu a lateral da testa, e o corpo recuou um passo. Sangue escorreu em linha fina pela têmpora. Mas a figura simplesmente ergueu a cabeça, endireitando o pescoço, e avançou.

    A sala inteira pareceu prender a respiração. Davi, mesmo já sabendo do que vinha, não piscava. A encapuzada se moveu com uma velocidade que a câmera mal acompanhava. Um golpe seco derrubou o mais alto, outro, rápido demais, fez o tatuado desabar. Em segundos, os dois estavam desacordados no chão. Antes que a polícia chegasse, a figura sumiu pela porta, como uma sombra engolida pela noite.

    Davi pausou o vídeo, virando-se para ela com um sorriso cheio de admiração. — Impressionante, não é? Nossa cidade tem uma nova heroína.

    Isabel deixou escapar uma risada breve, quase nervosa. — Heroína… é… quem diria.

    — Eu diria — retrucou ele, sem perceber o nervosismo dela. Então, após um instante, abaixou o celular. — Aliás, mudando de assunto… sobre antes de ontem… foi ótimo.

    O rosto de Isabel aqueceu de imediato.— Foi mesmo.

    — Devíamos repetir. — O sorriso dele surgiu de canto, tímido mas cheio de expectativa.

    Ela assentiu, tentando não demonstrar o turbilhão por dentro. Um sorriso escapou, involuntário.

    O resto da manhã passou depressa, mas a cada segundo o vídeo se repetia em sua mente. O disparo, o sangue, os movimentos… tudo estava ali, agora espalhado pela internet, pronto para ser analisado por cada par de olhos curiosos. Bastava alguém reparar no jeito dela andar, no porte, ou mesmo no olhar e o segredo acabaria.

    No fim das aulas, Isabel saiu sozinha. As risadas dos colegas ainda ecoavam no pátio, mas ela seguiu pela calçada distraída, tentando organizar os pensamentos. O vento frio arranhava a pele, e a cada passo a sensação de ser observada aumentava.

    Se alguém fizer a conexão errada… se descobrirem…

    Sacudiu a cabeça, mas não conseguiu afastar a sombra daquela ideia…

    A noite caiu sem aviso, mergulhando a cidade em uma penumbra quebrada apenas pelos faróis dos carros. As ruas estavam relativamente tranquilas, mas a paz foi estilhaçada de repente.

    Um alarme alto e estridente explodiu no ar. Logo depois, um estrondo seco sacudiu o chão. Do meio da poeira surgiu uma figura impossível de ignorar. Um homem de dois metros e meio de puro músculos inchados e pele marcada por cicatrizes antigas, segurava um saco enorme de dinheiro como se fosse uma mochila leve. Atrás dele, dois capangas armados davam cobertura, gritando para os civis se afastarem.

    — Saiam da frente, se não querem morrer! — berrou um deles.

    — Eu não vou ser preso por sua culpa! — gritou o outro.

    O brutamonte nem se abalou, apenas rosnou: — Calem a boca e corram.

    As sirenes ainda ecoavam ao longe quando o brutamonte e seus capangas dispararam pelos becos, o saco de dinheiro balançando nos braços do gigante. Cada passo retumbava no chão, espalhando o medo.

    Eles dobraram uma esquina e, por um instante, tudo pareceu seguro. Mas então, no final do beco, uma figura encapuzada surgiu do nada, imóvel, mas dominante, a máscara escondendo qualquer expressão, os olhos fixos nos criminosos. A luz dos postes caía sobre ela, delineando cada contorno.

    O capanga mais próximo parou abruptamente, engasgando com o choque.

    — É… é ela! — sussurrou, a voz trêmula. — A do vídeo! Olhem o capuz dela tá furado, por causa do disparo.

    O brutamonte franziu o cenho, medindo a garota que ousava cruzar seu caminho. — E você é… o quê? — rosnou ele, a voz cheia de incredulidade e ameaça. — Mais uma querendo morrer?

    Isabel estalou os dedos, o som ecoando pelo beco como um desafio silencioso. — Experimenta descobrir. — A voz saiu firme, cortando a tensão como uma lâmina.

    Os três congelaram, a corrida interrompida, o ar carregado de expectativa. Os capangas olharam um para o outro, inseguros, enquanto o brutamonte recuava um passo, surpreso com a presença da heroína mascarada.

    — Foi por causa dela que o último roubo deu errado! — gritou um deles, a voz cheia de pânico.

    — Cala a merda da boca, ela não é nenhum desses heróis, Solaris ou o Celeste, é apenas uma garota… — exclamou o brutamonte.

    Um silêncio pesado se instalou. Então, como se a tensão fosse apenas a contagem regressiva de um inevitável desastre, o tiroteio começou.

    Isabel sentiu o impacto de algumas balas, com uma dor intensa, mas estranhamente nenhum ferimento sangrante. Saltou para trás, se escondendo atrás de caixotes e barris, o coração disparado. Cada bala que passava ao seu lado parecia rasgar o ar com um assobio mortal. Ela esperou, imóvel, até que o silêncio voltou. As metralhadoras estavam vazias.

    Com os músculos tensos, Isabel avançou. Correndo, pulou, e com um chute certeiro acertou o braço de um dos capangas, o osso se partiu com um estalo horrível. Sangue jorrou, manchando o chão do beco escuro.

    Isabel recuou, em choque: — M-me desculpa… — murmurou, incapaz de acreditar no que tinha feito.

    Foi quando o brutamonte surgiu. Um soco devastador atingiu o rosto de Isabel, lançando-a contra a parede do beco com força suficiente para quebrá-la. Ela caiu dentro de uma garagem lateral, colidindo contra um carro estacionado, sentindo cada osso tremer.

    O sangue escorria pela máscara, lembrando-a de que cada respiração era uma batalha. O brutamonte avançou, passos pesados ecoando na garagem. Isabel se apoiou em um carro, respirando com dificuldade, músculos em chamas. Cada golpe agora seria único.

    Ele lançou um soco direto, e Isabel rolou para o lado, evitando o impacto, enquanto a parede metálica de um carro amassava sob a força dele. Ela reagiu, chutando o joelho dele com precisão, ouvindo o rugido de dor e raiva. Cada troca de golpes era intensa: socos, chutes, esquivas, impactos que faziam os carros tremerem e pedaços de concreto rangendo.

    O brutamonte golpeou com força bruta, esmagando cada obstáculo. Isabel desviava, atacava, recuava; cada golpe exigia esforço máximo. Ela percebeu uma abertura e avançou, chutando um pilar de concreto fazendo a poeira e blocos voarem, distraindo o brutamonte.

    Com essa distração deu: um soco em cheio na costela, e um chute que finalmente fez ele recuar, cambaleando. Isabel, respirando com esforço, avançou, cada passo um esforço sobre-humano, rachando o chão do estacionamento. Isabel percebeu que ela estava no limite, mas mesmo assim ainda estava tentando.

    Com um último impulso, ela conseguiu desviar de um ataque final, derrubando o brutamonte com um chute no peito que o lançou contra um carro, amassando o metal e fazendo o gigante gemer. Isabel caiu de joelhos, exausta, respirando com dificuldade, a máscara manchada de sangue, mas viva.

    A garagem estava silenciosa. O sangue escorria, o cheiro de metal e suor preenchia o ar. Isabel olhou ao redor, cada carro destruído e virado de ponta cabeça. Mas ela havia sobrevivido.

    E, no buraco na parede da garagem, que Isabel foi arremessada, os capangas tinham sumido, com as armas e o saco de dinheiro. Isabel respirou fundo, ainda sentindo dor em cada músculo, mas com a cabeça pesada. Cada golpe, cada esquiva, cada decisão, ela até mesmo feriu alguém, de uma forma tão horrenda. A luta tinha sido brutal, mas ela havia se mantido firme.

    Isabel se levantou, sangue escorrendo pela máscara, e olhou para o brutamonte caído, que agora, estava se levantando de novo.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (7 votos)

    Nota