Índice de Capítulo

    — Vá em frente — Inala incentivou Maharell, com a voz calma e suave. Ele nunca havia falado com tanta gentileza na vida. Contudo, aquela voz mansa soava como o sussurro do diabo aos ouvidos de Maharell.

    O contrato estipulava que Maharell nunca agiria legalmente contra a loja de Inala em termos comerciais. Se ousasse, seria obrigado a pagar um Elixir de Grau Médio como compensação todo mês, enquanto mantivesse suas atividades.

    À primeira vista, parecia um acordo justo, feito para garantir que Maharell não tomasse a loja de Inala como alvo. Mas, na curta interação que tiveram, Maharell percebeu algo crucial.

    Inala era um louco!

    Assim que o contrato fosse assinado, Inala começaria a perturbar sutilmente a Mercadorias e Serviços Maharell. Ele não danificaria os produtos, nem faria mal à equipe ou aos clientes. Portanto, não poderia ser legalmente responsabilizado.

    As ações de Inala seriam como as de uma mosca: quase sempre inofensivas, mas extremamente irritantes. Bastaria Inala continuar com aquilo por algum tempo e, mesmo que Maharell se controlasse, alguém de poder em seu estabelecimento retaliaria.

    E contanto que esse alguém fosse parente, funcionário ou um terceiro com quem Maharell tivesse boas relações, as cláusulas do contrato entrariam em vigor. Isso o colocaria em dívida com Inala, forçando-o a pagar um Elixir de Grau Médio todo mês.

    Mas a pior parte do contrato era que as penalidades podiam se acumular. Ou seja, se Maharell fosse agressivo com Inala duas vezes, seria forçado a pagar dois Elixires de Grau Médio todos os meses.

    No momento em que Maharell fizesse qualquer coisa, estaria dando um tiro no próprio pé. Ele perderia tudo o que construiu do zero e acabaria liquidando tudo para comprar Elixires de Grau Médio para Inala.

    “Ele com certeza faria isso.” Encarando a expressão gentil de Inala, Maharell sentia-se cada vez mais apavorado. “Eu cometi um erro! Eu o subestimei só porque ele está no Estágio Corporal. Que diabos ele é?”

    — Mate-me e acabe logo com isso — Maharell declarou, resoluto — Eu nunca vou assinar isso.

    — É mesmo? — Inala suspirou e recolheu o contrato — Que pena.

    O recuo de Inala apenas pressionou Maharell. Ele entrou em pânico, incapaz de entender o que Inala planejava fazer. Infelizmente, o que Inala tinha em mente estava um nível acima de qualquer pesadelo que Maharell pudesse imaginar.

    — Pessoal — Inala acenou para os guardas — O chefe de vocês quer fugir de toda a responsabilidade e morrer. E sabem… quando isso acontecer, vou responsabilizar todos vocês.

    — Incluindo suas famílias — ele riu. — Vocês foram afetados por um poder meu que é como uma doença. Quando eu quiser, posso fazer todos perderem os sentidos, como antes. Mas isso não se limita a vocês.

    — Sua linhagem inteira será infectada também.

    — S-Senhor, por favor, poupe-nos! — o capitão dos guardas bateu a cabeça no chão, implorando perdão — Tire minha vida, mas não toque na minha família.

    — Que rude — Inala fingiu estar ofendido — Vivemos em uma sociedade civilizada. Não vou machucar sua família nem nada. É só que…

    — Bom, esqueçam. — Inala deu de ombros e acenou, gesticulando para que partissem — Vocês não precisam fazer nada. Apenas saiam.

    — Tem certeza? — o capitão perguntou, esperançoso.

    — Sim — Inala assentiu e ficou em silêncio, observando os guardas saírem correndo. Mas, assim que alcançaram a saída do pátio, ele murmurou: — Olhem a cidade uma última vez.

    — Vocês não poderão fazer isso depois de hoje.

    A equipe de guardas parou bruscamente. Estavam encharcados de suor, nervosos, tensos, incapazes de saber se apenas eles seriam punidos ou se suas famílias também. E não podiam sair a menos que isso fosse esclarecido.

    Inala não demonstrou intenção de esclarecer, fazendo o capitão desmoronar e implorar:

    — O-O que quer que a gente faça?

    — Nada — Inala deu de ombros novamente e falou com indiferença: — Se eu precisar de algo, posso apenas pegar na Mercadorias e Serviços Maharell. Nenhum de vocês é capaz de notar minhas ações. Portanto…

    Ele sorriu.

    — Não há nada que possam fazer por mim.

    Inala deu um tapa no ombro de Maharell:

    — O mesmo para você, senhor.

    — Você acha que o Senhor da Cidade permitiria que você causasse o caos como bem entendesse? — Maharell estava no limite e decidiu usar sua cartada final: intimidação usando o nome de uma existência mais forte.

    — Vá em frente, peça a ajuda dele. — Inala não pareceu se importar. Ele ajudou Maharell a se levantar e gesticulou para que saísse: — Quer visitar a mansão do Senhor da Cidade agora ou mais tarde?

    — Posso acompanhá-lo, se quiser.

    “Q-Que porra é essa?” As ações de Inala desconcertaram Maharell. Ele não conseguia entender a atitude de Inala. Ele era apenas louco ou nem se dava ao trabalho de temê-los por ter um apoio poderoso? Maharell não sabia dizer.

    E, considerando como um Inala novato no Estágio Corporal subjugou um Maharell no Estágio de 6 Vidas, ficava claro que Inala estava em um nível de força totalmente diferente. Alguém tão forte e tão jovem não era uma pessoa qualquer.

    — Eu… eu vou assinar o contrato — disse Maharell, desanimado, pegando rápido o contrato de Inala para assinar e carimbar.

    — Pode reconhecer firma você mesmo.1Inala acenou, gesticulando para Maharell sair.

    — Vou reconhecer firma e voltar já. — Dizendo isso, Maharell partiu em alta velocidade em sua carruagem. Algumas horas depois, ele voltou, exausto, entregando uma cópia do contrato para Inala. Havia sido autenticado pelo Conselho de Notários da Câmara Municipal.2

    Uma vez autenticado, o contrato tinha validade legal. Mesmo sendo um contrato absurdo, Maharell não teve escolha a não ser assinar. Afinal, isso pelo menos lhe trazia alguma paz de espírito.

    Contanto que garantisse que seu pessoal jamais chegasse perto da loja de Inala, ele poderia evitar pagar o preço. Mas, se não assinasse, não teria ideia do que Inala poderia fazer a seguir. Isso era cem vezes mais aterrorizante.

    Maharell não desejava perder tudo o que construiu. Ele agiu daquela forma para parecer resoluto, mas dava muito valor à própria vida e não estava disposto a morrer.

    Com as costas curvadas, um Maharell desanimado embarcou em sua carruagem e voltou ao seu estabelecimento. Assim que eles se foram, Asaeya voltou ao pátio e encarou Inala, perguntando:

    — Você tem certeza de que ele não se juntará a outros comerciantes para retaliar contra nós?

    — Ele vai pensar nisso. — Inala assentiu — Mas nunca fará.

    — Por que tem tanta certeza? — Asaeya quis saber, incapaz de entender a lógica por trás das ações de Inala.

    — Este é um mundo onde cão come cão, e a sobrevivência do mais apto reina suprema — disse Inala. — Não importa o quão forte você seja, um erro e você cairá em um ciclo vicioso onde perderá tudo. E, no fim, será devorado por outro. Isso vale ainda mais para os comerciantes. Nenhum deles é aliado de ninguém.

    — Além disso — ele sorriu — qualquer um que vive o bastante aprende e obedece a essa regra, sem exceção.

    — O que é? — Asaeya perguntou.

    Inala riu e começou a levar as cadeiras de madeira para dentro de casa:

    — Nunca mexa com o louco.


    O Louco

    1. Optei por usar os termos legais e burocráticos exatos do português brasileiro para uma maior imersão. O original usa “to notarise”, que no Brasil é o ato de “reconhecer firma” (validar uma assinatura em cartório). Da mesma forma, o “Notary Board” (o órgão que rege esses oficiais) foi traduzido como “Conselho de Notários”.[]
    2. “Notários” são os oficiais com fé pública responsáveis por validar documentos e assinaturas. No Brasil, o equivalente direto dessa função é o “Tabelião”, que atua em um Cartório.[]

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