Índice de Capítulo

    “Gunter, o Artífice dos Reis, junto dos seus senhores — reis de Flassam e Greanalg, Mynsom e Godwill —, planejaram toda Cidade de Diamante em cima de uma mesa em um gazebo à luz das Luas. Queriam que ela fosse um símbolo de união entre todos os Cinco Reinos; tinha torres belas e espirais que não existiam em nenhuma das duas nações, mas não possuía uma única muralha ou fossa. Possuía Casas de Estudo para estudar as estrelas, mas nenhum porto para receber escravos, de guerra ou dívida.

    O custo para tal construção foi digno de nota! Julgo eu ser uma ideia ridícula. Para que erguer uma cidade para ser uma nova capital se já havia cidades tão importantes e mais efetivas em diplomacia do que a nova?”

    Izandi, a Oniromante  


    — Me parecia mais bonita na minha cabeça, confesso — disse a Cei, apertando a fivela do boldrié na cintura, ao som das rodas da carruagem. Ezekel se impressionou com a velocidade que seu irmão, rei Rikard Godwill, arranjara novos Ceis para servir a Guarda do Palácio. “Estes novos são melhores em tudo; servos leais meus”, afirmara. “Matarão e morrerão por ti e Ofina, e desta vez não pegos de surpresa por uma assassina nua.” — Dito isso — continuou ela —, seria bom que ao menos eu continuasse com minha armadura, e com os outros quatro membros da Guarda.

    — …Não quero… parecer hostil — respondeu o id Baene, ajustando a Coroa dos Acenos na cabeça. “E não quero deixar Ofina desprotegida.” Contava que Theo seria um ótimo protetor para a amada.

     Depois de tê-lo tirado das selas e o armado com roupas e remédios, o garoto jogou-se de joelho nos seus pés e clamou para que o perdoasse.

    — Não faz parte das virtudes que fui criado. Eu deveria morrer ali, morrer com os invasores, mas os Deuses me deixaram vivo. Depois, deveria morrer nas selas, mas você me tirou delas… Por favor, deixe-me servi-lo. Não tenho coragem de encarar meu pai.

    Pensou ser péssima ideia e negou, mais de uma vez. Todavia, Theo implorou mais de uma vez, e uma delas estava nos pés de sua esposa. Ofina chorou, e nada poderia fazer contra o chorar da sua amada esposa. Ainda, Natharel tratou de testar as capacidades da espada de Theo. Falta técnica, mas ele é forte, dissera. “Sem técnica, ainda derrubou dois cavaleiros.’

    ‘Sem falar que não entregou luxúria nos olhos para minha esposa.”

    — Mas ainda estarei a serviço — disse à Cei.

    — Ainda acho que poderia resolver isso com uma carta.

    Ezekel sorriu com o canto do lábio. A Cei acenou com a cabeça e bateu o punho no peito, prestando uma vênia. Fora uma surpresa a Ezekel a presença da mulher ali. Sabia que existiam ordens compostas só por mulheres em Luichea, a Santíssima Terra dos Quinze; todavia não de alguma que aceitasse mulheres para empunhar aço. A que estava na sua frente tinha uma espada mais longa e pesada do que os braços do príncipe conseguiam segurar, mesmo que a dona fosse muito mais magra e quase da mesma altura que seu defendido. Uma brigantina azul cobria seu torso junta de um gibão de couro grosso, e vestia calças como as de um homem e botas altas; seus cabelos estavam amarrados em um penteado de flor.

    — Qual era sua ordem mesmo, Cei…

    — Cei Sefriri, Vossa Graça. Se-fri-ri! — Sorriu, oferecendo a mão para que Ezekel se levantasse do cadeirão do escritório. — E sou da Ordem… bem, Rosa Alva! Não somos muito grandes.

    Nunca ouvira falar dessa ordem. Sua sobrancelha subiu e os lábios se alargaram enquanto estudava o pomo da espada da Cei, que o cobriu com sua mão enluvada. Ela fez um sorriso tímido e amarelo, mas Ezekel não o pegou.

    As rodas da carruagem e o tropel dos cavalos pararam dentro da mansão. A Cei fechou seu sorriso quando ouviu passos. Doze cavaleiros abriram a porta para que descessem. Suas armaduras eram completas e novas, com o metal brilhando, preenchidas com algodão grosso por entre aço e pele. Ezekel desviou o olhar e desceu sozinho, mas foram escoltados pelos cavaleiros Goldwey e seu coração batia rapidamente.

    O corvo dourado da Casa Goldwey estava erigido em aço esmaltado sobre o frontão da mansão, alto e de tijolos brancos. Ao lado da porta, havia duas fileiras, cada uma com uma vintena de cavaleiros com armaduras lustrosas e espadas apontadas para o chão. Ezekel sentiu seu coração descompassar, mas engoliu em seco e erigiu suas costas, fitando os pilares cinzas escuros que erguiam um teto laranja-escuro, esbranquecido por uma fina camada de neve.

    O fronte da mansão parecia uma onda, imaginou. Havia partes mais avançadas que lembravam o príncipe a torres, enquanto outras mais profundas estavam com tijolos mais claros e mais detalhados. Passou os olhos pelas janelas — e por um átimo de segundo, pensou ter visto alguém. Os cavaleiros lhe prestaram uma vênia profunda, tão simultânea que parecia coreografada, então as portas duplas de mogno foram abertas.

    — Vossa Graça! — cumprimentou Cei Awril Goldwey, com um sorriso enorme no rosto velho. Ele deu um longo passo, quase saltando os degraus, e veio até Ezekel, erguendo a mão.

    “Como uma espada”, pensou o mais jovem. Sentiu suor frio escorrer nas suas costas e o peito descompassar. “É o caminho do inferno! Lembre-se do porquê veio, Ezekel Ainee Godwill!”

    Respirou fundo e moveu o braço como um chicote, apertando a mão do Cei com o som de um tapa — fraco.

    — É… É um prazer revê-lo, Cei Goldwey.

    — Hoh…

    Uma sobrancelha saltou no rosto grisalho do Cei enquanto seus olhos cinzas encaravam Ezekel. Ele resvalou o rosto para trás, fitando seus cavaleiros.

    — O que foi, Cei? Há algo de errado em meu rosto?

    — Hm… Nada! — Deu um tapinha no ombro de Ezekel e se pôs ao seu lado. — Vamos, entre! Meu irmão mal pode esperar para conhecê-lo.

    Cei Sefriri deu uma olhadela aos cavaleiros e, sutilmente, fez um gesto com a mão direita. Ezekel o recebeu e deixou que Cei Awril o guiasse para dentro da mansão. O corredor era grande o suficiente para que seis pessoas andassem lado a lado, pisado um vasto tapete, de uma única peça, cobria todo daquele andar. Escrivaninhas, armaduras e tapeçarias detalhadas os acompanhavam — e os cavaleiros também. O id Baene esquadrinhou o lugar.

    Havia licoreiras de vitrais coloridos, castiçais e pequenas estantes espalhadas pela sala onde o corredor dava; espaçoso, com sofás longos cheirando a lavanda e uma mesa mogno larga. “Jogos em família?”, imaginou, mas algo no seu íntimo lhe dizia que os Goldwey não eram o tipo de família que se divertia com jogos. “Não somos muito diferentes, no entanto.”

    Cei Awril sentou-se num sofá de cauda longa próximo da mesa. Ezekel também, com Cei Sefriri de pé ao seu lado. Logo ouviram passos calmos vindos de cima da escadaria dupla em arco. O Goldwey mais novo se levantou e prestou uma vênia, sem esperar que descesse, passo por passo e devagar.

    “Conde Lawwell Goldwey”, sussurrou-se o príncipe. Tinha quase o mesmo rosto do irmão mais novo e eram muito mais baixo, mas parecia estar na casa dos sessenta anos: grisalho e com rugas no rosto e barba que descia ao peito — onde pendia um colar de ouro no formato de um espelho. Estava vestido em uma túnica branca como seu cabelo, com uma fíbula fazendo-a cobrir o cafetã azul-marinho e calças soltas. 

    Atrás dele vinha uma mulher de não mais que quatorze anos, loira e alta como um homem, carregando consigo um jarro chanfrado com cheiro de vinho.

    — Vossa Graça — cumprimentou o conde ao terminar de descer, sua voz era rouca como um instrumento velho e muito usado. Ezekel o cumprimentaria de volta, mas o homem sentou ao lado do irmão; a mulher ficou de pé ao lado dele e encheu sua taça.

    Cei Awril olhou o irmão, que estava quieto sobre o sofá, “escovando” o dedão em um anel no anelar, então fechou os olhos e suspirou.

    — Como vai a esposa, Vossa Graça? Creio que já seja o… — fechou o olho esquerdo — quarto mês?

    A mulher saiu do lado de Lawwell Goldwey e foi encher a taça de Ezekel.

    — Agora não, obrigado — levantou a mão direita, então devolveu a atenção ao Cei. — Ela está prestes a entrar no sexto mês, na verdade. Dará à luz na primavera.

    — É serio? Não parecia ela estar nem no terceiro! — Juntou as mãos com um estrondo. — Suas filhas serão belas como pinturas, se me permite dizer.

    — Ah! — Sorriu o príncipe. — Ela diz que será um rapaz, mas acho que ouso dizer que sou um pai orgulhoso por minhas futuras filhas.

    — Mães definitivamente sabem dessas coisas — respondeu o conde. — A mãe de Hildhit afirmou com todas as forças que estava carregando uma menina maior que o pai — olhou para a mulher. — Estava certa. Vá, filha, encha a taça de Sua Graça. Se ele não quer vinho, que traga suco. Gosta de amora, Vossa Graça? A safra de amoras deste ano foi excepcional.

    — É… — mordeu o lábio — minha fruta favorita em uma torta? — Ergueu a cabeça, olhando de soslaio para a Cei. Ela virou a cabeça, como se não estivesse entendendo nada. — Não tem me agradado o suco ultimamente. Quando estava na Mata dos Grilos, houve uma doença na plantação que deixou as frutas cor-de-ouro. Rei Rikard Avice Godwill, meu irmão, mandou queimá-las, conde.

    “Por que sinto que Ofina riria de mim agora?”

    O conde ficou em silêncio e ordenou a filha ir.

    — De fato algumas frutas podem não ser tão gostosas quando não com a aparência original — respondeu, coçando o queixo e olhar fixo no rapaz, Ezekel. Eles ficaram em silêncio até que a mulher voltasse, carregando consigo um jarro de vidro com cheiro agradável, um róseo forte.

    Ezekel cedeu e deixou que servisse sua taça com a graça de uma donzela bem criada. Era uma donzela linda, com cabelos penteados como uma concha em espiral; portava ela um tipo de beleza que deixaria qualquer homem atiçado.

    Porém de chofre um desgosto cresceu no príncipe.

    Estava com um vestido de marilã longo, com um decote oval que surgia da única alça, que segurava pelo ombro direito, e deixava o esquerdo completamente exposto e quase todo o peito; fendido na linha da cocha, enleado com fios pintados de marfim e cal. Um vestido recifano.

    Desde o momento em que Rikard aceitou a ouvir o que tinha a dizer em seu conselho, permitiu-se a ouvir coisas que nunca deu ouvidos na Mata dos Grilos. Nome de famílias, compras, história… Os Flesher, Ornald, Melk, Danet, Byrd, Levwin, Linsey, Radley e Blewines eram as Casas mais influentes na Cidade. Os Goldwey não eram uma Casa. Compraram o título depois que os Flesher sucumbiram à doença, todos no mesmo ano. Tem menos de cem anos de história, irrelevantes fora da Cidade de Diamante. Eles te mandaram uma carta, não? É ótimo. Esperam que você seja um idiota.

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