Capítulo 29: Todo mundo erra (2)
“‘Nós, de Aavier, somos os que mais sofremos das invasões de Eztrieliz’, afirmou o então rei Better Bloemennen. ‘Somos sempre nós que nos ferimos primeiro, que sangramos primeiro, que morremos primeiro. Houve alguma vez na história um greanalger inocente morto pelo Império?’
Se mantivesse esse pensamento em silêncio por ao menos mais dois anos, Wouleviel teria deixado de ser uma ideia e virado um fato consumado: cinco reinos com um rei; um rei de um reino.”
Izandi, a Oniromante

— Os Carmkind, meus primos, receberam o pássaro-de-voz, ministro dos conselhos? — questionou o rei.
— Acredito que não, Vossa Majestade, visto que ainda não responderam.
Joris Cyreck era alguém cujo aspecto encorporava seu título em todos os aspectos: quase setenta anos marcavam suas feições com rugas e perda do cabelo loiro, porém preenchiam com sabedoria palpável, brilhante nos olhos azuis; ao mesmo tempo que as cicatrizes na face quebravam essa doçura. Alguém que renunciara seu posto para aconselhar um rei, o rei depois dele e o rei que tirou o anterior do poder.
— E os Mavens?
— Ainda não recebemos nada deles.
O copeiro pôs vinho nas taças de todos os nobres sentados na mesa do conselho: o rei, o príncipe; Joris Cyreck, ministro dos conselhos; Martyn Berg, ministro das moedas; Stehv Balthen, ministro das espadas; e Peti Dircs, ministro dos grãos. O rei fora o único a dispensar.
— Não há nenhum nobre do leste recebendo minhas cartas? — bravejou, golpeando a mesa com força para as taças saltarem. Bert levou isso como aviso. — Qual a probabilidade de estarem mortos?
O ministro das espadas, Stehv Balthen, ergueu sua mão e pôs uma peça de um jogo de tabuleiro na mesa, ainda coberto pelas mãos. Era algo grande demais para ser chamado de homem, e graças as roupas estufadas e justilho apertado, Bert não sabia dizer se era um cavalo ou um barril. Estava suado, com a barba ruiva pingando.
— A Fortaleza-Montanha observa o leste e o norte por inteiro, Vossa Majestade, e não há nada que ela não possa ver… — Uniu as mãos em cima da peça: um cavaleiro com uma lança. “Laurent? Um jogo eztrieliziano? Isso começa a ficar interessante”, pensou Bert. — Não acho impossível, porém…
— Ministro Balthen.
— Sim, Vossa Majestade?
— Envie homens para vasculharem em cada casa e Casa no leste, e ministro Dircs, quero que envie mais cartas e os cálculos de grãos sejam revisados, tal qual do tesouro real.
— Sim, Vossa Majestade — ambos responderam com seriedade.
Cei Ressen, o Alegre deu um passo à frente.
— Posso intrometer-me, meus nobres senhores?
— Já o fez — respondeu o ministro das moedas, Martyn Berg.
— Sou do Leste. Nasci lá e defendi aquele lugar com a minha vida… — tocou na cicatriz da boca — E a verdade é que todos são uns filhos da puta gananciosos.
— Mais papas na língua perante Vossa Majestade e Vossa Alteza, cavaleiro! — bravejou o ministro das espadas.
O rei ergueu a mão.
— Os Mavens, os Helyn, Sheys e Cossens, por exemplo, fingirão não terem recebido qualquer carta que não seja urgente até algum deles morrer ou um casamento ser proposto. Dane-se que os inimigos de todo o Oeste estejam nas suas terras! Até que uma filha deles seja estuprada, não farão nada. Os Hoones são ainda piores, e são os que mais tem cavaleiros, cavalos e com certeza mais dinheiro. No mínimo vão querer uma de suas sobrinhas ou que suas filhas gerem um herdeiro para nosso príncipe. Vossa Majestade.
— Os maiores criadores de cavalos dos Cinco Reinos — continuou o ministro dos grãos. — Enviarei pássaros-de-voz para eles imediatamente, com o selo da Casa Bloemennen…
— Avise que caso não obedeçam, serão destituídos de seus títulos e terras — ordenou o rei sem hesitação na voz. Bert cruzou os braços. Passou parte da sua vida no leste de Aarvier, antes de ir à Cidade de Ferro em Greatedann. As pessoas eram boas, mas cuidavam de seus grãos preparados a perderem seus filhos no processo. Era a região mais fértil de Aarvier, vendiam de tudo. Numa pequena cidade, encontrou desde grãos de trigo a venenos na mesma loja. — Balthen, adquira mais armas e armaduras para meus cavaleiros. Envie uma carta para Ocas Ciled, contratando feiticeiros com entalhe de lírio para meus exércitos.
— Já temos uma proposta, Vossa Majesta…
— Então a… coff!!, duplique. — pigarrou, cobrindo a boca com a mão; sua voz parecia molhada. — Em especial… coff!!, coff!! …quero relatos sobre os homens que deixei coff!! coff!! …para protegerem senhorita Zwaarkind.
Bert quase saltou de seu lugar, mas o rei o olhou de soslaio como se o ameaçasse com um machado na garganta, e a ideia de um machado segurado pelo Flor do Dragão não lhe trazia sensação de desafio — só medo. O ministro dos conselhos ficou calado, coçando a barba. Havia um sorriso fraco de orgulho na face.
— A viagem lhe fez bem para a saúde, meu rei — falou o ministro, contente até à voz. — Está muito melhor.
Peti Dircs mostrou um sorriso e tremulou os dedos sobre a mesa. Cei Bert ouviu Cei Gherrit cerrar os punhos. Cei Ressen fez uma saudação e voltou para o lado de uma pilastra castanha do pequeno salão.
Grande, de teto alto sustentado por seis pilastras e paredes sem janelas. Veletetos grudadas nas pilastras lhes proporcionavam pouca luz, havia somente uma porta visível e nenhum luxo era esbanjado em qualquer parede ou cadeirões.
— E quanto aos do sul? — questionou o ministro das espadas.
— Todos os sulistas são leais a Casa Bloemennen — respondeu o rei, fitando Stehv Balthen e Peti Dircs. — Na última invasão eztrieliziana, os senhores nortistas fugiram para se reagruparem no sul, porém os sulistas, liderados pelo duque Renaldk Beesh e seu filho mais velho e o segundo, que agora é duque, foram os primeiros a porem-se de escudo e espada.
Stehv Balthen ficou cabisbaixo, Peti Dircs tateou a mesa com os dedos. “Parecem crianças sendo repreendidas pelos pais.”
— Ministro dos conselhos — chamou o rei, mais uma vez. — Fui informado que há ataques de bandidos em vilas próximas de Mão da Queda.
— Recebi cartas de meu filho avisando-me disso, Vossa Majestade, no entanto meu filho não é uma criança. Reforçou seus homens e anunciou recompensas por informações e cabeças. Aconselhei-o para não disponibilizar todos nossos homens de armas para uma caçada, todavia ele já tinha o feito.
“Já esse aí parece o avô.”
— Ministro das espadas.
— Sim, Vossa Majestade?
— Disponibilize cem lírios prateados para as pequenas guildas de mercenários. Quero que os comboios tenham avisos para não matarem todos. Precisamos de conhecimento de quantos invasores nós temos, desde quando estão aqui… — se levantou. A saúde sumia lentamente, dando retorno àqueles olhos escurecidos.
— Eztrielizianos não tem histórico de falar. São tolerantes à dor…
— Todo homem tem medo.
Removeu uma bolota de remédio de seu manto, mas Bert percebeu que aqueles eram diferentes do que ele tomara no escritório de Beesh — eram muito maiores e de uma cor mais pálida. Quando as engoliu, não tossiu e não tremeu; sua expressão de alívio era comparável a de um doente de longa data recebendo um milagre.
— Estou tomando minha saída. Declaro este conselho encerrado.
— Vou junto de vós, Vossa Majestade — afirmou o ministro dos conselhos. — Há um assunto do qual quero resolver pessoalmente. A sós, de preferência.
— Muito bem.
O rei e ex-visconde Joris Cyrek partiram primeiro, e logo todos os outros ministros e o príncipe — gargalhando — foram embora. Foi a primeira vez que viu o rapaz em silêncio por tanto tempo. Bert os seguiria, porém um dos novos membros da Guarda Real pôs a mão na sua frente. “Hm?”, pensou ele, alegre.
— O que foi? — questionou Bert, cruzando os braços e notando que os outros nobres foram embora só com um membro da Guarda Real.
Cei Merzt fechou as portas duplas assim que saiu. Cei Hilsen ficou encarando a situação, menando a cabeça como se fosse um sinal de interrogação. Bert esboçou um pequeno sorriso, então decidiu facilitar: abriu espaço para que Cei Ressen o segurasse por trás. Cei Gherrit o observou perto do novo cavaleiro Hilsen.
— Esperei muito por isso — afirmou o sexto Cei, um cavaleiro alto de armadura pomposa.
— E quem é você mesmo?
Cei Ressen Alegre riu como o crocitar de um corvo.
— Você come a noiva do cara e nem se lembra o nome dele? Puta merda, eu acho que vou me apaixonar por você!
— Não é o primeiro e nem o último — riu Bert, olhando para os próprios pés. — Não tenho espaço na cabeça pra tanto nome na minha cabeça. Qual o seu mesmo?
— Hahahahaha! — Ressen afroxou o agarrão por um instante. — Gostei de você! — E golpeou Bert no queixo; o som do aço da manopla reverberou pelo espaço da sala.
O rapaz cuspiu uma gota de sangue no chão.
— Foi mal por essa! — continuou Cei Ressen Alegre, encarando Cei Hilsen, que agora tinha a mão do cavaleiro cinzento na frente do peito; e Cei Witte Rwicks afivelando uma manopla enorme e mais pesada. — Depois te levo pro meu lugar favorito, vai adorar as meninas de lá!
— Ah, eu tô contando com isso — achincalhou. — Não vejo aquelas gêmeas tem uns dias já!
— Phahaha! Puta merda, eu amo esse moleque!
Bert suspirou. Esperava por mais. “Ninguém dessa Guarda Real maldita sabe usar ahvit?”, murmurou. “Que maldição… Até me protegi por dentro!”
— E você, bonitão? — disse ao corno, que esperava pacientemente. — Vai esperar até quando?
Cei Witte Rwicks retirou o elmo. Era bonito: na casa dos trinta anos, dono de sobrancelhas e cabelos escuros como o véu da noite, uma barba perfeitamente cortada eram quase adornos para as feições angulares maciças como uma rocha.
— Não me reconhece nem assim? — riu.
— Nem ideia — falou, lentamente para que cada letra fosse ouvida.
Então ele se virou e retirou um tecido bordado. Continuou sem se lembrar; a fingir. Bert era péssimo em se esquecer de qualidades de combate, e aquele homem tinha um corpo perfeito para brandir armas enormes e pesadas. O tipo físico que participa dos contos heroicos contatos entre as mulheres, mas nunca entre as meninas.
— Não? — perguntou pela terceira vez, e Bert meneou a cabeça.
— Me lembro de ter gozado um pouco, daí mais algumas vezes depois do campeonato, onde eu amassei sua cara, voltado pra gozar mais um pouco no navio, e aqui no castelo também…. Ah!! — Bateu as mãos, que ainda estavam muito lives. — Você é o fracote que perdeu pra mim! É isso! Como o rei te escolheu? Decidiu virar a liteira pessoal dele?
Cei Witte riu em silêncio. Bert reconheceu os padrões do movimento e, enquanto seu punho armadurado veio em direção da sua barriga, inspirou e expirou ahvit para sua barriga. Esperava um impacto forte contra a armadura e uma ardência na barriga…
— Clohgff! — grunhiu, caindo de joelhos. Lágrimas de dor avermelharam seus olhos. “Mas quê?” Suas pernas e braços tremeram; a armadura de aço do Cei pareceu uma montanha inteira contra sua barriga. Conseguia sentir um sangramento lá dentro…
— E agora? Se lembra? — riu; seu tom mudou por completo, de um tenor ríspido a um barítono grave de quem se divertia infinitamente. — Se lembra. — Agarrou Bert pelo cabelo, levantando seu rosto. — Você desonrou minha futura mulher…
— Olha — cuspiu uma saliva avermelhada no chão —, pela experiência delas, eu não fui o primeiro, nem o segundo e se a fila estiver pequena, talvez eu tenha sido o décimo?
Outro soco o acertou na barriga com força para fazê-lo cuspir bile e sangue.
— …Você pagará pelo que fez… Mas com você não basta, não basta de jeito nenhum. Mas Sua Alteza fará minha parte na mesma moeda… Terei de ser criativo.
Sacou sua espada e apontou diagonalmente na direção da virilha de Bert. Tomou distância, apertou o cabo com toda sua força e atacou… para ter a lâmina chutada por Bert. Era o homem que venceu o Torneio de Ferro, invicto e sem uma ferida.
Imediatamente se soltou, cobriu seus ossos e músculos com ahvit na forma de uma mola com a ponta de um martelo contra o estômago de Cei Witte, então no braço esquerdo, direito, na perna e no rim, no queixo, no nariz. Fez questão de bater em cada um desses lugares até ouvir algo quebrar.
O cobriu de vermelho e com um ahvit amarelo-dourado, lindo e novo.
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