Capítulo 32: Alguém está feliz com isso?! (2)

Não bramira de dor ou gemera ou urrara; mas nenhum no salão conseguiu reagir ao ouvir estralos durante sua queda. Fora um segundo de inércia e susto… A princesa gritou de susto, tomada por palidez e medo. Príncipe Howan ficou com olhos arregalados e despencou no trono do pai…
Bert saltou os degraus, junto de Cei Ressen, Cei Hilsen e Cei Gherrit.
— Alguém chame um maldito MEDISTA! — bravejara Cei Ressen.
No instante seguinte, os servos correram e partiram pelas portas, desaparecendo. Cei Hilsen e o Alegre ergueram o rei como numa padiola; os nobres lestinos tiveram reações diversas; mas Cei Gherrit apontou para fora, e os dois Ceis que seguravam o rei saíram em disparada.
— Mas que merda — falou Cei Bert.
Virou seus olhos para a princesa. Estava de joelhos no chão e de olhos arregalados, tão pálida que o sangue parecia nunca ter corrido no seu corpo… mas ela se recuperou. Fez o Sinal de Fuinvol e pôs forças nas pernas trêmulas para ficar de pé. Viu Stehv Balthen se aproximar da garota, mas Bert o fez mais rápido: saltou os quinze degraus com um estrondo.
Ouviu-a fungar. Bert sentiu-se horrível, como se houvesse uma pedra em sua garganta.
Se ajoelhou aos pés da princesa e entregou seu cachecol, como se um lenço… Ela tomou o cachecol e envolveu-o no rosto. O ministro dos conselhos aproximou-se dela, todavia ela não devolveu o olhar.
— Vai ficar tudo bem, princesa…
— Como… dito por meu… pai… Sua Majestade — falou o príncipe, mexendo-se e tremendo pelo trono; sua feição parecia cansada e seus dedos tremiam como uma bola quicando —, o rei, presidirei; serei a… voz do reino. — Ergueu a palma direita com os dedos contraídos; o ministro dos conselhos se aproximou, ficando um degrau debaixo dele, e sussurrou algo na orelha do príncipe. — Venham: eis que vos ouvirei!
“É meu teste!”, afirmou-se príncipe Howan Bloemennen.
“Mais uma sessão de chatices, canalhices e duplo sentido nas palavras”, pensou Bert. Ficou ao lado da única mulher na sala; os copeiros abandonaram os jarros de vinho e foram embora. “Tem uma história para contar… Merda, até eu sei que isso é ruim pro reino…!” Enquanto os nobres tentavam recuperar o fôlego, tocou no ombro da princesa: estava mole e flácido e frio como o cadáver de uma idosa. Silale retribuiu com uma olhadela bamba.
“Deuses, por favor…”, pensara ela. “Deveria estar com meu rei… Deveria!”
Invés disso, observou um homem enormemente gordo aproximar-se dos degraus do tablado-real.
— Meu senhor, sire! — falara o homem. Apesar do aspecto que lembrava a um animal selvagem, tinha suas roupas de frio bem trabalhadas e a barba bem cortada.
— Sim… sou eu! — disse o príncipe, sua voz adornada em uma curta melodia que lembrava Bert da canção que Willmina vez ou outra cantava; o ministro sussurrou no seu ouvido; Howan moveu os ombros. — Nunca saí daqui… E-enfim… diga… O… Qual teu nome e que prova vens me dar?
O homem engoliu em seco. Bert não gostava disso…
— Sou vassalo do barão Shey.
— Vos conheço — respondeu o príncipe, coçando os filetes de barba arruivados mal existiam no queixo.
— Acontece que a Coroa pede por grãos que não temos como oferecer! — Juntou as mãos. — Nós somos de uma cidade, meu senhor! Não temos plantações.
“Mentira”, pensou Bert. “Eu mesmo vi plantações de trigo e cevada quando acampamos por um pântano próximo.” O ministro dos conselhos sussurrou para o príncipe, tal qual o ministro dos grãos, que abanou sua cabeça cabeluda, com os olhos brandos e verdes entreabertos.
— É lamentável — disse o príncipe —, mas estamos em riscos severos, vassalo que não me deu seu nome, e ter pão guardado aos soldados é imprescindível. Diz que não tens plantações? Muito bem, então dê ovelhas à coroa. Meevel agradecerá, e todos do nosso povo serão protegidos por suas asas. Próximo!
O gordo vassalo permaneceu parado, com o rosto congelado por alguns segundos antes de esbranquecer e ir embora. Não tentou relutar. “De repente não parece um imbecil”, pensou Bert, cerrando os dentes. Fitou a princesa: arfando suavemente enquanto forçava um sorriso. Quando se deu conta, Bert pisoteava o chão levemente, mas transbordando uma raiva sutil.
“Tenho que arranjar algo para fazer. Droga, sou completamente inútil aqui!” Os pássaros-de-voz eram lentos no inverno. A última vez que recebeu notícias dos Zwaarkind foi quando saiu do castelo. Até quando chegara no Vale não sabia de nada. Ouviu tantas coisas dentro do castelo e, de alguma maneira, sentia que não estava ouvindo nada. Sentia saudades de Hydele. De Rheider Beesh. Sentia do tio, da tia; o sangue que lhe adotou, lhe cuidou…
Sentia saudades de Nianna.
Queria ver seu sorriso mais uma vez…
Semicerrou os olhos por frustração.
— Sou marquês Valc Rwicks, Vossa Alteza, e exijo que Cei Bert Zwaarkind, agressor de meu filho, seja punido! — gritou como se rasgasse a garganta.
O marquês subitamente saltou, cerrando os dentes brancos meio escondidos pela barba com fios grisalhos. Todas as veias de sua testa estavam saltando, permitindo uma vermelhidão quase roxa, combinando com o gibão violeta-escuro. Vendo Bert pouco reagir, levou a mão ao punho da espada, todavia, Cei Merzt saltou dos degraus e projetou sua lança mais rápido em direção da garganta do marquês, próximo o suficiente para que sentisse o frio do metal.
— Abaixe esta lança! — gritou o príncipe, com os olhos arregalados e cobrindo a face. Bert havia se posto entre ele e a princesa, que empalideceu e fingiu estar calma, e desembainhado Dente de Hiena. — Abaixe-a! Já! Embainhe essa porcaria de espada também!
— Hoh — palrou Bert. Embainhou Dente de Hiena; sentiu o ahvit no seu corpo se retorcer.
Cei Merzt tocou a ponta de sua lança no chão, ainda permanecendo em guarda, até o marquês recuperar sua compostura.
— Vossa Alteza — arfou; a raiva ainda era visível, vermelha em suas veias envelhecidas —, esse homem fez meu filho ter que aposentar sua espada e armadura! Meu filho mais novo, o último saído de minha esposa!
— Cei Bert não é o tipo de homem que faz isso por prazer, Vossa Graça — bravejou a princesa, enraivecida e vacilante. Seu irmão, porém, gesticulou com a mão e a cabeça. — E já fora… punido por mim.
— Entendo sua raiva — afirmou o príncipe, fitando Bert, que saía de sua frente. — Entendo-a, de verdade… Mas temos planos opostos. Cei Bert Zwaarkind é um usuário de ahvit, um membro valioso do nosso exército. Fiel protetor de minha irmã, cuja parenta é heroica, salvadores de minha família, e também os novos senhores de Colina do Veio. — Repousou as costas no trono.
“Alguém me tire desse castelo…!”
— E, é claro, permanecerá também como guarda pessoal de minha irmã, que já está em plena idade para se casar.
— Vossa Alteza! — brandou Stehv Balthen, empalidecido e enraivecido. Howan o deu olhos furiosos.
— Dane-se isso! — bravejou o marquês, dando mais um passo furioso à frente. Cei Merzt quase apontou sua lança novamente, mas o príncipe se levantou. — Ele feriu o filho de um marquês! Destruiu os ossos do meu filho! — Chutou o chão e quase desembainhou sua espada. — Quero sua cabeça!
— Peço que planeje bem o que vais dizer, para que não caia em rumores de quem não sabe dialogar, marquês! — “Esse moleque!”, pensou Bert. O ministro dos conselhos meneou a cabeça, esbanjando orgulho no rosto velho. “Pensa e fala com a dureza que Better tinha. Será um bom rei”, pensou e torceu. — Punir atos de aliados não foi a razão para meu bom pai tê-lo chamado ao Castelo!
— Mas, Vossa…
— Foram aqui, todos, convocados por causa de uma suposta invasão de um inimigo! — bravejou, e logo voltou para o trono. — Inimigo esse que, aliás, nenhuma de nossas fortalezas-observatório relatou invasão, todavia podem estar aqui! Poderíamos estar discutindo quantos homens teus teriam a glória de marchar contra eles, ou um armistício, uma aliança com eles, mas tu me propões punição egoísta? Estou sofrendo de amor e haverá um Conselho dos Cinco em breve, o id Baene quase fora assassinado, e tu me propões isso?
“Aliança… com Eztrieliz?!”, pensou Joris Cyreck, de queixo caído. “De onde veio ideia tão distorcida?! E quando tentaram matar o id Baene?! Por que estou sabendo disso somente agora?!” Não fora somente ele: princesa Silale o fitou com o rosto pintado pela dúvida, os ministros deram um passo para trás; todo lorde o encarava com susto, todo guarda minimamente velho o fitavam com o estômago retorcido. Menos Bert.
Seu coração acelerou como se essa fora a melhor coisa que ouvira na vida. “O Lobo Branco está vindo!”
— Torçam e rezem para que meu pai seu rei melhore de saúde. — De chofre, uma lágrima começou a escorrer dos olhos castanhos. O ministro dos conselhos se aproximou e sussurrou algo. — Rezem para sua melhora… Senão, eu mesmo irei ao Conselho e direi que farei paz com Eztrieliz. Não somente isso — fitou a irmã, que cerrava os punhos escondidos no regaço. — Decidi que começarei a negociar o casamento de minha irmã, a legítima princesa de Aarvier.
O marquês Rwicks fitou Bert uma última vez, como se nada que o príncipe tivesse falado fosse importante.
Mas os dentes de Bert cerraram como se essas fossem as piores coisas que ouvira na sua vida
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