Capítulo 45: Cansaço fatídico (2)
“Toma a espada
Honra a Casa
Espada e Asa”
Izandi, a Oniromante

Um suspiro trastoso fugiu dos lábios de Ereken.
— Estava demorando — riu com uma lufada. Seus ombros cederam por um segundo antes de se recomporem e darem as costas lentamente para a garota.
Abrindo e fechando a mão esquerda, cuja letargia parecia não a abandonar nunca, Ereken continuou a andar por meio das árvores. A noite se desenhava no céu pouco a pouco. Iluminado pelo brilho constante da Lua de Prata, o Mestre de Armas sentou-se em uma pedra alta próxima de uma sebe de árvores cujos galhos e folhas se entrelaçavam entre si, como as muralhas de uma cidade, a paliçada de uma vila. Uma árvore grossa e alta jazia no chão, com suas folhas sujas de neve e sangue.
O intestino de Ereken se revirou com o intenso fedor de fezes, tão forte mesmo com várias árvores o cercando — cercando a região onde a neve estava amassada, furada e tingida de vermelho, mas sem uma carcaça sequer. Sem uma tenda rústica sequer.
“A criatura comeu os mortos?”
— Thirtu, conhece o nome da criatura?
— Nunca vi isso em toda minha curta vida, bonitão.
“Willmina saberia. É mais um para a lista dos que triunfaram contra mim: um lobo, uma fera com penas e …fumaça verde.” Cerrou os dentes. Rapidamente, se alimentaram com um pouco de água guardada numa bexiga de lobo preparada e tiras de lobo, e voltaram a andar, seus pés cada vez menos afundados na neve.
Em poucos minutos de caminhada, Ereken testemunhou mais árvores destroçadas do que em sua curta época como lenhador — quando Bert não brigava com os outros meninos, Willmina começava a reclamar da barriga pesada e Hydele não era nascida. “Um momento antes de meu sire encontrar-nos. Um momento antes de tirar o braço de seu querido primogênito, Jeihan.” Às vezes se perguntava como Theolor Beesh conseguia manter ao lado o homem que tirara o maior dom de seu primogênito… Que o deixara tão desalentado…
“Meu sire tem um coração muito grande, afinal.”
Não era por isso que tinha que servi-lo bem?
— Você não tem jeito mesmo, não, Jeihan seu paspalho?! — ele bramira, sem a calvície e barba espessa, para o jovem de cabelo ruivo. Ereken se lembrava plenamente das frases a seguir. “Afinal, elas mudaram minha vida…”
Olhou para o céu mais uma vez, buscando instrução na Lua Branca, mas invés de vê-la, notou torres de fumaça negra, e de repente seu coração saltou do peito. “Na direção da Fortaleza?”
— Temos qu…
— Vu vi! — Engoliu a tira de supetão!
Ereken e Thirtu passaram a correr a partir daquele momento — o melhor que seus corpos permitiam. O Mestre de Armas, ferido; a garota, com botas de pele de lobo costurado com fio de tripa… Transpassaram montículos de neve e fizeram a trilha de pinheiros e carvalhos-marciais — correram até arfar, até o suor sobrepor o frio da noite nevada do topo das montanhas…
E fora da floresta, a ponte de pedra alva que separava as montanhas estava tomada por tendas, homens e estandartes com um brasão: um castelo de duas torres sobre a crina de um cavalo. No tempo em que Ereken retirou o suor de sua testa, pôde estimar mais de cinco tendas medianas e uma fogueira alta no centro do acampamento, ardendo o suficiente para que suas chamas flamulassem os estandartes dos Hoones alto, alto para que todos vissem. Eram tendas altas e escuras, armadas com hastes de ferro brilhante, algumas que seguravam lamparinas e veletetos; outras, onde pendiam besteiras.
“Por quê?!”
Os portões da Fortaleza estavam fechados, mas uma ronda inteira estava em seu adarve frontal.
Ereken passou os dedos no punho da espada embainhada e então tirou o cabelo da testa, dando um olhar sério ao acampamento — um dos acampados os perceberam. Calafrios de experiência mordiscaram os músculos doloridos do Mestre de Armas, uma sensação velha, bem conhecida como andar.
— Fique atrás de mim — sussurrou.
O rapaz que o não deveria ter mais anos que Bert, mas avisara os ao seu arredor na velocidade que palha seca incendiava. Um deles correu em direção a tenda mais separada das outras, cuja abóboda possuía um estandarte mais alto. Ereken e Thirtu não pararam de andar para observar no que aquilo daria. Em poucos segundos, estavam no meio do acampamento, vendo os ventos empurrarem a neve da ponte alta para o abismo entre as duas montanhas e os olhares dos acampados.
“Bestas, um trio de lanças e algumas espadas. Não estão aqui para confronto direto?”, pensara. Os homens também não pareciam treinados — eram magros, mas vestidos em armaduras impróprias para o frio e montanhas. Alguns respiravam mal, afetados pela altitude. “Ou meu julgo está errado desde o princípio?”
Seus calafrios aumentaram.
Ferro silvou a poucos centímetros do seu nariz, traçando um corte cinza no ar — ficando-se no chão. Ele deu um longo passo para trás e cobrira a garota com o braço letárgico num instante.
— Pare bem aí, assassino — grasnara uma voz enrijecida.
Ereken deu os olhos ao homem velho. Olhos cinzentos e duros se fixaram na garganta mal coberta do homem de armas da Fortaleza, e os frágeis cabelos de um louro quase grisalho farfalharam pela nuca bem coberta da gorjeira heráldica do homem que pairava nos sessenta anos, alto como um grande cão e robusto como um auroque — um de rosto furioso. Seus dentes estavam trincados com tamanha força que sua barba parecia feita de espetos invés de pele.
— Não sei o que fiz para ser chamado assim, Cei Hoone — respondeu ternamente, ainda que sua mente balburdiasse “Assassino?”. Certamente ceifara vidas, mas nunca fora de um campo de batalha.
— Ah, cale-se! — rugiu o homem, puxando uma adaga de dentro da capa. Ereken semicerrou os olhos e preparou os punhos.
O velho cavaleiro não lhe deu mais tempo para pensar. Fez um grito gutural e enfurecido, e então fez um golpe horizontal que soprou vento gélido como uma faca. Ereken recuou, o corpo ainda dolorido, mas veloz. O primeiro golpe veio de lado — ele o esquivou com um leve giro dos ombros e um passo lateral, deixando o ar sibilar entre os dois e jogando neve para os lados. Tinha sentido o vento roçar contra a bochecha.
“Isso teve intenção pura de me matar”, pensara, e logo cerrara os dentes.
Mas o cavaleiro dos Hoones era experiente: trocou a adaga de mão no ar, e atacou de novo, direto contra o estômago do Mestre de Armas! Ereken sentiu um frio na nuca, mas rapidamente tomou a decisão de combate.
Girou o corpo rapidamente, acertando uma cotovelada contra o punho esquerdo do cavaleiro! A força do impacto ressoou pela armadura, fechando o rosto do velho com dor — tamanha que soltara a adaga. No segundo em que fora solta, Ereken fizera um movimento fluido e atingira-a, jogando para longe.
— Maldito assassino! — grasnou o velho, jogando-se para trás. — Agora sei como matou meu sobrinho!
Ereken congelou.
— Do que… — tentara falar, e a neve foi cuspida pelo chão.
Logo toda a superfície da montanha estava trêmula como se estivesse partindo-se em duas! O solo tremeu, fazendo a neve dançar como se grãos em uma peneira!
Ereken firmou o pé, rangendo os dentes, tentando manter o equilíbrio enquanto as placas sob ele ameaçavam rachar. As tendas tremeram como se um gigante furioso estivesse as roubando do solo — como se um dragão lendário estivesse tentando comê-las!
Seu olhar percorreu os lados, buscando Thirtu, e a viu antes mesmo de conseguir gritar.
A garota saltou de suas costas e pôs-se ao lado do cavaleiro, e antes que ele tivesse a chance de fazer qualquer movimento, a garota acertou-o com um chute certeiro no rim! O Hoone grasnou de dor e caiu no chão, e a garota disparou para uma das tendas!
Ereken grasnou, um rosnado de cansaço que pareceu nunca tê-lo deixado. Quando essa sensação pútrida o deixaria?!
“Agora até a terra me derrota?”
— O que diabos está esperando, seu bonitão idiota?! — gritara Thirtu, segurando um arco estranho nas mãos, correndo em direção da ponte da Fortaleza.
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