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    “‘E o drama infame começa de novo, e de novo, e de novo. Quando terei paz?’”

    Izandi, a Oniromante

    “Não é de minha conta”, concluíra, e de repente um antigo fogo que não sentia acender ardeu no seu peito. “Talvez, talvez eu deva ficar depois da Celebração e conversar com ele. Sim, seria interessante, não? Nunca ouvi um centralista face a face. Somente olhando nos olhos de um homem pode discernir-se a mentira dos rumores… Ah!”, enrubesceu. “Controle-se, Willmina, você não é mais uma garota.”

    Assim ela fez. Sentou-se ao lado de Theolor e Nianna Beesh. Aturou o barulho dos camponeses que cumprimentavam seu lorde e suas conversas, de modo que antes mesmo que a Celebração começasse, suas pálpebras começaram a pesar.

    “Ah”, suspirou Willmina, meneando os olhos fechados. “Que sono…” Meneou a cabeça. O quimtel virara um furdúncio, e ainda era somente os de “Boas-vindas”, “Olás” e “Como vem andado” entre os camponeses. Suspirou cansada mais uma vez. “Meu sire não se lembrou de que sou a mãe de uma filha desaparecida? Sequestrada? Veja só o que começou!” Suspirou, um suspiro que carregava todo o peso da sua dor em cima dos ombros. “Preciso dormir. Pela saúde da criança. E comer alguma coisa não faria mal…”

    Willmina conseguira dormir desde que a notícia fora traga pelo mercenário estúpido. Imaginara que não conseguiria dormir, todavia, dormir ficou ainda mais fácil… para ter pesadelos. Sonhara que envelhecia sem nunca ver a face da filha novamente. Sonhara que Bert também desaparecera para sempre; sonhara que encontrara o marido em um caixão de ascensão, mutilado no campo de batalha. Sonhara que sua filha reaparecia com o olhar de um morto, com crianças de pais que nem ela conhecia. Que o filho fora morto por vários cavaleiros de armadura prateada.

    Sonhara com seu marido em uma expedição por uma terra montanhosa coberta de neve, combatendo criaturas inumanas com coração de pedra, tendo sua pele desfeita em uma massa de sangue.

    Sonhara com seu queridíssimo filho com os braços feitos uma massa moída de ossos destroçados, rasgando sua carne como agulhas de tecelagem.

    Viu-os mortos, todos mortos pelos dentes amarelos de um lobo pálido e faminto.

    — Boa tarde a todos! — chamara o Versicolista Ainderhardt, o centralista. Sua voz ecoara por todo o quimtel, atraindo a atenção de todos, e até despertando o sono de alguns. Theolor Beesh acordou de uma vez, quase tossindo. — Que Deus seja agraciado com nossas orações hoje.

    E fora assim que aconteceu como Willmina preveu. O pobre centralista mal teve tempo para começar a falar e metade dos camponeses já o xingavam em murmúrios ou iam embora. “Sei como se sente”, ela riu. Até Theolor Beesh, a quem a gestante tinha visto em um Quimtel raras vezes, estava com o cenho franzido e olhos cheios de fúria blasfema contra o homem… Versicolista Ainderhardt continuou professando sua fé mesmo assim, em alto e bom tom como se já esperasse pelas reações que via.

    Quando metade da metade também foi embora, o Versicolista estava mal conseguindo controlar os olhos avermelhando e Willmina estava fazendo um verdadeiro esforço para não se levantar e por uma mão de consolo no ombro do Versicolista baixo. No entanto, um homem entrou correndo no Quimtel, suando qual quem corre de seu assassino, arfando como um velho desesperado. Os olhares se voltaram para ele junto com o barulho, e então o homem caiu de exaustão.

    — Ora — dissera o Duque do Olho que Chora, indo ajudar o homem a ficar de pé. E então, o homem agarrou as mãos do duque.

    — Meu sire… — tentou falar, abafado por seu cansaço.

    — Ora, respire, homem! Fale…

    — Os Asseliers! E-eles — ele gritara em voz de grito, abaixando a cabeça suada, e assim Willmina pôs fim na sua atenção a ele.

    “Não é da minha conta”, disse para si. Focou no Versicolista de pé no altar, ignorando os arfados do homem — o grito de ira de Theolor Beesh, Cei Ehrle Asseliers saltando do banco e o velho Bert Boldey começando a rir como se tivesse toda a certeza do mundo. “Não é da minha conta”, resmungou para si, cerrando os dentes perolados e comprimindo os ombros.

    Os lordes foram embora juntos do bastardo de Asseliers e o homem cansado, e Willmina enfim suspirou, repousando as mãos no ventre. “Estou cansada disso. Pensei ter…” Seus olhos pesaram como pedras. Balançou a cabeça, sentindo os longos cabelos balançarem por todo seu vestido, e deu um suspiro melancólico para o céu. “Não se estresse. Não busque estresse, Willmina. Descanse e coma bem, em prol de seu filho. Eles resolverão os problemas deles!’

    ‘Deuses, tenham piedade de nós.”

    A Celebração acabou poucas horas depois. Naquele ponto, somente Nianna e Willmina ainda estavam no Quimtel, ouvindo o Versicolista cansado. A gestante ainda tinha uma grande vontade de ouvir mais do centralismo. Depois de tanto tempo, sentir sua curiosidade ser atiçada de tal forma era quase como um milagre. “Ainda mais com Aavier como se encontra.”

    — Há tanta coisa acontecendo… — sussurrou, um pouco menos pesada em sono. O crepúsculo se formava e escurecia os símbolos pintados pelo vitral. Não gostava disso.

    “Tudo está mudando”, concluiu a contragosto “, e para pior. Há um Conselho se aproximando, invasores em nossas terras. Há cada vez mais problemas se formando… neste lugar lindo.” Toda sua vida estava aqui. Aavier — o Olho que Chora, seu castro velho e austero. O lugar velho e escuro onde toda sua felicidade nasceu — aquela coisa que ardia no peito, que por boa parte da vida pensou ser apenas momentos. “E agora, estes longos se desfazem diante de meus olhos.” Sua vida estava agora escupida naquelas paredes, nos lençóis que as servas estendiam, ou nos chás que fazia para a filha. No suor que o filho e o esposo derramaram no pátio, ou até nas piadas lascivas que vez ou outra escutava de um cavaleiro.

    “Serei eu capaz de abandonar toda essa felicidade?”

    Passou suavemente as mãos na barriga, e mais do que a maciez do tecido a trouxe conforto. Sentiu um movimento dentro da sua pele, um suave. Algo que não sentia há anos.

    — Senhora Willmina? — chamou Nianna Beesh, passando um lenço pelos olhos da mais velha. — Sente-se mal? Precisa de ajuda?!

    Fuh… Estou bem, Nia — respondeu com um suspiro.

    “Minha felicidade foi espalhada. Há uma em cada canto, e uma onde sequer sei.”

    — Acha que encontrarão Hydele logo, Nia?

    — Meu pai mandou mais de duzentos homens para percorrerem o Sul, senhorita Willmina.

    “O Sul.”

    — Eu sei disso, mas…

    A garota cruzou os braços e sorriu levemente.

    — Ele também pôs uma grande recompensa por ela. Meu pai é um ótimo artista, acredita? Desenhou-a perfeitamente várias vezes e deu aos duzentos para espalharem. — Subitamente, o rosto da garota alta escureceu. — Seiscentos lírios de prata….

    — Lorde Theolor desenha?

    — Ah, sim. — Ergueu os ombros de forma orgulhosa, com o queixo bem erguido. — É quase um dom de família! Todo Beesh que conheço é um ótimo desenhista, até meus primos nas Irmãs são.

    — É algo que não sabia — respondeu em tom lúdico, tocando o nariz da donzela. Nianna Beesh retribuiu com um sorriso constrangido.

    Pouco depois, Willmina foi até a Sábia — Lohssari — e rezou por sabedoria, tanto para ela quanto para com Theolor Beesh. Para o id Baene, o jovem Godwill. Rezou para que o jovem príncipe tivesse sabedoria o suficiente para não descartar as boas intenções que viessem para ele por causa de um orgulho tolo de jovem. “Que os reis desta terra não sejam tolos e não permitam que minha vida mude.”

    Estianot.

    Estianot.

    Logo as duas deixaram o Quimtel a passos leves e cansados, afetadas pela noite e o dia exaustivo. As carruagens tinham partido as pressas; mas deixaram cavalos bem treinados para as duas. Nianna auxiliou Willmina a subir em uma égua mansa e calma, que caminhava tão devagar quanto estável. A garota foi logo ao lado, certificando-se de ter bem aceso uma veleteto — presente de Ainderhardt — para iluminar o caminho.

    Enquanto tudo que conseguia pensar era em como a égua era mansa ao ponto de achar estar voando, em como sentia fome e no quanto queria sua família reunida mais uma vez, tudo que seus olhos puderam ver era uma hoste imensa de homens e cavalos com estandartes e tochas.

    “Ah… Ahh!”, agonizara internamente. “Ah, Deuses, não, não, não!”

    Não sabia se era pior centenas cavaleiros entrando e saindo do castro onde toda sua felicidade nasceu ou que todos eles carregassem o brasão dos Beesh hasteado entre tantos outros.

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