Capítulo 58: O azar na desgraça (1)
“A sabedoria dos mais velhos vem do fato de que não estão mortos. Ora, viver é surpreendentemente difícil, para alguns mais do que outros. No entanto, é essencial compreender que cada segundo é uma nova oportunidade de morrer. Chegar à velhice é sinal de que não estar morto, e oportunidades ruins são perdidas somente por sortudos e sábios.
Há sorte na desgraça. Confie no que digo. Há muita sorte na desgraça. Para alguns, mais do que outros.”
Izandi, a Oniromante

“Toucado!” Quanto Cei Bert Zwaarkind odiava essa peça de roupa? Cobrir os cabelos não importava, ainda prender um véu que cobria as costas era crueldade! “No que vou prestar atenção agora? Na audiência?”, pensou, pondo a mão no pomo da espada. Princesa Silale fechou os olhos e deu um suspiro profundo, e no que levou a xícara de chá à boca, o ministro dos conselhos fechou as portas duplas do escritório do rei e entrou vagarosamente, com a mão no quadril e cenho franzido.
— Sente-se bem, lorde Cyreck? — questionou a princesa, em tom de preocupação.
O ministro deu-a um sorriso com o rosto cansado.
— Só a velhice, Vossa Alteza. — Deu de ombros e caminhou até uma cadeira, ao lado do mesão onde a princesa estava sentada. — Não há como vencer o tempo.
Bert se calou. Qual seria a reação do velho ministro se o jovem homem lhe dissesse que era filho de alguém muito mais velho e duplamente viril? “Definitivamente uma nada séria.”
Assim, ele se aproximou das costas de Silale. Ela repousou a xícara no pires e suspirou.
— Alguma notícia de meu pai?
O ministro levantou sua bengala e sorriu.
— Mas ouvi que sua face recuperou a cor.
Silale encolheu os ombros e fez um sorriso amarelo. Bert quis beijá-la até os lábios ficarem roxos.
— E você, jovem Zwaarkind? Notícias da família?
Bert se surpreendeu por ter sido chamado. Com cenho erguido, mordeu os lábios e respondeu:
— O de sempre. Aliás, Vossa Graça, soube do Conselho. Imaginei que iria.
— Deveria, mas não pude — levantou a bengala e um sorriso. — Meu quadril dói tanto que não subo nem desço desde andar há semanas! Que saudades de minha juventude.
O ministro tentou se levantar, mas a princesa agiu primeiro. Ergueu-se com graça e encheu a taça do seu ministro com vinho doce da Árvore Vermelha. Ventos suaves entravam pela janela aberta, carregando o cheiro doce das flores do jardim e das velas de cera de abelha. Mais ainda, deram a Bert uma visão que o ministro pôde bem perceber pela feição do jovem de olhos cinzas.
— À juventude.
— Este brinde eu passo, Vossa Graça — dissera a princesa, retornando ao lugar.
— Houve uma época, acreditem se quiserem, em que eu era jovem.
A princesa levantou os olhos, meio risonha. “Valeu, velho”, pensou Bert. Se uma coisa que a estadia em Castelo das Garças o mostrou foi que Silale adorava ouvir histórias. Por isso, se aproximou dela mais um pouco. Queria por a mão nos seus ombros delicados e beijá-la de novo no menor sinal de tranquilidade que surgisse no rosto dela. Queria confortá-la com algo mais do que um beijo escondido?
— Eu tinha quinze? Algo por aí. Não lembro bem, mas seu pai não era nem nascido, e o pai de seu pai era nada senão um babaca. Perdoe-me pelas palavras, minha senhorita, mas o tempo me deu permissão para ser falastrão e indelicado. Certa vez, peguei seu avô na cama de minha irmã mais velha! Ah, aquele dia foi atroz, mas fresco na minha memória.
— Eles se casaram logo após — ela respondeu.
— Não por vontade dele. E nem pela minha. — Levantou o rosto. — Amava minha irmã como se a mais bela rosa no jardim. Ela era inocente como uma flor, desatenta como o zunido de uma abelha, e aquele traste não merecia uma donzela tão bondosa de coração.
As orelhas de Bert saltaram como as de um cão. Silale viu isso de esguelha e deu um sorrisinho no canto do lábio. “Quero beijá-la.”
— Fiquei enfurecido, Deuses, como fiquei. Peguei-o enquanto dormia, pelo maldito pescoço Bloemennen dele, e o joguei contra o chão. Ele acordou assim que bateu a têmpora no piso, e minha irmã gritou. Pobre Lucia. Gritou tanto que meus pais e irmãos vieram me segurar. E que bom que fizeram isso. Poderia tê-lo matado.
— Mas não o fez — respondeu ela.
— Mas não o fiz — ergueu as costas tortas. — Ver as pessoas que considerava sábias se opondo a mim fez-me ver algo, Vossa Alteza — olhou rapidamente para Bert. — Uma coisa muito importante.
— Que seria? — perguntou Bert, levantando o queixo e semicerrando os olhos.
— A ter paciência.
O velho apoiou a bengala no chão e bebeu mais um gole do vinho.
— Se tivesse sido mais paciente, teriam outros visto aquele escândalo. Eu o teria desafiado para um duelo e vingado minha irmã.
— Então como se tornou conselheiro do homem que considerava tão mal, Vossa Graça?
— Porque percebi outra coisa também. O amor muda pessoas. Minha irmã ter visto eu o espancando fê-la ficar mais esperta e furiosa. Já o maldito? Ele percebeu que se tentei matá-lo uma vez por sair da linha, eu tentaria de novo. Hahaha! — Deu bons tapas nas suas coxas. — Vocês dois precisam ter paciência e se deixar serem tocados pelo amor.
Silale ficou vermelha como um tomate.
— Sou velho, não cego. — Virou o rosto sisudo para Bert. — E você, precisa de paciência em dob…
— Quem é você pra dizer o que preciso, velhote?! — grasnou, cerrando os dentes.
— Um velho, não um cego. Sou o ministro dos conselhos por uma razão.
A garota virou o rosto tenso para o Cei. Seus ombros estavam furiosamente jogados para frente, e sua mão, apertando a espada. Os olhos azuis da donzela brilhavam num tom escuro, trêmulo como as sobrancelhas. Num movimento rápido, ela se inclinou e pôs suas mãos sobre a mão livre de Bert e sorriu, amarela, mas alegre; uma alegria suave que fez os pelos da nuca de Bert eriçarem.
— Mais alguém sabe? — ela perguntou, sem tirar os olhos do amante.
— Acabo de notar isso, porém duvido muito que eu seja o único a reparar a luxúria nos olhos do rapaz que escolheu, princesa.
— Ele não é o único — suspirou e inclinou a cabeça. Bert engoliu em seco e comprimiu os olhos. — Se esconder…
— Quem mais?!
— Ei, ei — falara, ainda rubra. — Se surpreenderia. Sou uma mulher muito esbelta, não percebe? Minha beleza é um veneno insidioso.
— Vou ter que cegar todo mundo deste castelo, então.
— Só do castelo não bastaria.
— Então vai ter que ser do país. Vai ser uma jornada longa, mas dou conta.
— Ahahaha! — fez o ministro.
Alguém bateu na porta. Silale, ainda risonha, balançou a cabeça e voltou para o cadeirão de espaldar de veludo com calma e graça. Bert acenou e voltou ao lugar de guarda. “Hora da chatice. Bem que algo interessante poderia acontecer hoje.”
— Deveria estar no trono — disse o ministro. Bert assentiu com a cabeça.
— Não sou rainha de nada. — Puxou a caneta para perto. — Entre.
Cei Bert mordeu os dentes e observou as portas duplas serem abertos por outros cavaleiros. Um vento forte adentrou o lugar, e com a luz do janelão, um homem de óculos de osso deu um longo passo para dentro do escritório real. Seu rosto era oval, e mesmo que toda sua cabeça já fosse grisalha, não restava outro sinal de velhice do seu corpo, no seu andar. Seus olhos eram escondidos por uma camada de verniz escuro dos óculos, tal qual uma túnica longa de mangas espaçosas com arabescos azuis nas bordas.
Silale sorriu.
— Senhor Manert — ela disse. — A que devo a visita? Não me lembro de tê-lo na lista dos que viriam e menos que estaria na cidade.
— Vim ver a princesa brincar de rei no lugar errado. — Bert franziu o cenho. — Seu Cei parece ser meio… emocionado. Em matéria de força, hmm. Muito bom. Muito bom. — O homem pôs a mão na boca, fitando Bert por trás dos óculos escuros. “Quero matar esse desgraçado”, pensou o rapaz. — Ah, diabos, Cyreck! O que faz aqui? Pensei que já tinha morrido!
Nem eu acredito no que vejo aqui. Quem diria que o maior procrastinador, maior enrolador e preguiçoso autor na Illusia atingiria 100 capítulos sem uma arma apontada para sua cabeça?! Acredito não ter nenhuma, mas isso ao menos me faria escrever mais…
Brincadeiras a parte, foi uma longa jornada. Quase 1 ano de publicação para chegar aqui…
Alguns altos, muitos baixos, imensos abismos, mas quem diria que dentre eles um enorme e feliz sucesso?
Isso não devo somente a mim. Tive muitos me apoiando — ainda que com um tipo bem suspeito de apoio (web bullying) — neste caminho de pedras espinhosas e árvores retorcidas e veredas cruéis. Ganhei bons leitores, bons amigos, até um revisor! Mas, bem, balelas à parte, cá deixo meus agradecimentos.
Ao meu querido velho depravado, Leodib, autor de Guerras da Névoa e Sangue e Aether;
Ao gênio da escrita moderna, Gehrman, autor de O Andarilho e As Sombras do Imperador;
Ao panda safado, a quem considero ser o mais completo autor do site, Dellos, autor de Crônicas dos Caídos;
E a muitos outros que sequer sabem da minha existência, mas cujas obras moldaram meu estilo de escrita.
Agora vão lá e entrem no server da obra… vai ser divertido conversar com vocês.
100ZÃO, LETS FUCKING GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

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