Índice de Capítulo

    “O Aguardo era um dos conceitos teológicos do Quimteísmo. Mas vocês já devem saber disso melhor do que eu, afinal, são historiadores, enquanto sou uma mera apreciadora de histórias, da História.

    Mas poucas vi com um caminho tão manchado de arrependimento e sangue por algumas notas de orgulho.”

    Izandi, a Oniromante


    A taverna era escura e malcheirosa como toda boa taverna deveria ser. O piso de madeira rangia aos passos da atendente com decote curto demais para a massa de seios que carregava, e os malditos outros bebuns não eram corteses o suficiente para trocar olhares antes de tocá-la à cintura. Não que Bert se interessasse por demais nas iniciativas alheias. No momento atual, além de enterrar seu membro entre os seios da loira, não se interessava por nenhuma iniciativa que não fosse um monte de bebida de graça. Forte e escura.

    — E a tarde mal chegou — murmurou e assobiou para um gordo detrás do balcão. O cheiro forte da cerveja de Kielrun escapou dos barris, e Bert apagou completamente qualquer barulho da sua consciência. Ao menos até que o sol surgisse de novo. E de novo.

    Esparramado pelo chão, parecia uma batata sem a casca e com dor nas costas. Seu pedaço de chão estava molhado com cerveja derrubada recentemente, o que não precisava ser muito. O quarto era pequeno, maior parte sendo a cama bem ocupada, bem mais molhada de suor. Uma loira magricela jazia em posição fetal com um sorriso grandioso, só não maior do que a outra que a empurrava contra a barriga. Havia uma terceira, uma castanha cansada demais para se mover, coberta pelo corpo de uma morena que não era nem um pouco tímida.

    “Minhas meninas e eu gostamos bastante do seu tipo”, se lembrou. Se lembrava disso e não muito mais do que isso.

    — Porra… — ele murmurou. Parecia haver formigas caminhando dentro de sua cabeça.

    Bert sentiu todas as suas vértebras estralarem ao se levantar numa flexão, além de uma pancada na cabeça. Desta vez não fora a ressaca, mas os pequenos pés da magricela loira. Ele sorriu. “Ah, se ela estivesse acordada o suficiente para receber um presente…” Para o azar do homem, era um cavalheiro que se importava demais com as vontades das moças bonitas. Por isso, realizava todas elas até que não tivessem mais nada para falar, e até então, nunca havia encontrado uma moça que gostasse de ficar calada.

    Havia uma em especial que falava melhor do que todas…

    — Grr…

    Jogando-se para trás, bateu as costas doloridas na parede, soltando um grunhido menor. Não doera, mas a cabeça latejava demais. “Não quero pensar nisso, droga!”

    Assim, Bert jogou suas calças sujas, sua camisa suja de batom e, se fosse um pouco mais bárbaro, teria bebido a cerveja jogada no chão. Mas não o era, de modo algum. Não era problema dele se os outros não soubessem reconhecer seu…

    — Ah, porra, cala a boca!

    — Hmm? — gemeu uma sonolenta. Bert virou-se para ela e pôs um sorriso no rosto.

    Era uma linda morena de olhos azuis, com uma cicatriz no ombro. Debaixo do lençol, havia o corpo digno de uma fada e uma voz rígida como a de um capitão.

    — Não foi nada. Pode voltar a dormir.

    Ela ouviu. Parecia ser o tipo de mulher que valorizava seu sono. Fechou os olhos, enfiou o rosto nas coxas da castanha e voltou a dormir tranquilamente. Já Bert não queria permanecer acordado por muito tempo.

    Fora um inverno inteiro desperdiçado. Como poderia realizar seu sonho de vencer Ereken e sua vingança contra o Lobo Branco parado? De nada importava o maldito inverno que passara. As flores brotariam e as ruas se encheriam de cheiros agradáveis… Já ele, o que faria essa primavera? Os últimos meses de sua vida foram inteiramente dedicados a trabalho mandado por outros… Sentia que estava tão, tão perto…

    — Fhh…

    Se contentaria com mais uma garrafa.

    Lá embaixo, o sol começava a descer e a noite a subir, surpreendendo o rapaz. Não o suficiente, no entanto. As janelas deixavam a luz rósea do anoitecer entrar, mas dentro as luzes da lareira deixavam o lugar escuro e agradável para beberrões e ladrões de carteira. Sentados em um canto, um grupo de mercenários bebia solenemente enquanto escondiam suas espadas nas costas, como se fosse a última bebida por um amigo caído. Noutra mesa, Bert reconheceu as prostitutas, e noutra mais escura, viu um mendiguinho preparado para catar a primeira bolsa bêbada que visse.

    Nada interessava. Imediatamente se jogou ao balcão e abaixou a cabeça, com os olhos bem abertos. Não queria ouvir as conversas alheias.

    — Mais uma noite? — questionou o atendente, com a voz carregada de gripe.

    — Por agora só quero algo pra comer e beber — fungou e bateu no balcão com umas boas moedas.

    — E algo para a ressaca? Minha esposa é boa com plantas.

    — Sua esposa já foi tocada por metade dos homens aqui, velho. Só quero carne…

    O atendente fechou o rosto espinhento e cerrou os dentes. Bert estava de cabeça baixa, mas sorriu com o que viu. O homem gordo segurava um cutelo pesado… “Vem, vem!” Pela primeira vez em horas, um sorriso de esperança surgiu no rosto do sulista.

    — Temos pato assado hoje — respondeu o gordo, virando-se.

    Uma sombra de tristeza cobriu o alto.

    — Certo — foi o que conseguiu dizer, com a voz carregada decepção.

    Em pouco tempo, um pato assado com cebolas e mel foi servido, junto de uma caneca cheia de cerveja escura. Bert balançou a cabeça e provou um pedaço generoso antes de virar toda a caneca quente. “Malditos”, pensara. “Theolor maldito. Se não fosse por você, estaria em paz, fazendo qualquer outra coisa. Meu treinamento não teria ido por água abaixo…”

    Decepção atrás de decepções, e seu esforço jogado para o nada.

    Bert comeu mais um pedaço, então percebeu os sinos da portinhola tremulando. Numa olhada rápida, percebeu um homem de altura mediana e magro, com uma trompeta preta, portando sobre as costas uma longa capa com o Pavão dos Bloemennen. Assim que reparou no maldito pássaro tricolor, trincou os dentes. “Lá vem ela…”, ele pensou. Sentiu uma pontada no coração, uma carregada de calor, mas feita de espinhos.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota