Índice de Capítulo

    “O Aguardo era um dos conceitos teológicos do Quimteísmo. Mas vocês já devem saber disso melhor do que eu, afinal, são historiadores, enquanto sou uma mera apreciadora de histórias, da História.

    Mas poucas vi com um caminho tão manchado de arrependimento e sangue por algumas notas de orgulho.”

    Izandi, a Oniromante

    — No que posso aju…

    — Ouçam todos! — e soprou a trombeta repetidas vezes. Bert ergueu as costas e segurou a adaga escondida na cintura. No entanto, o homem não fizera nada, como se não o reconhecesse. Invés disso, as meretrizes e o mendiguinho deram atenção ao homem, e pouco depois os outros pernoiteiros da taverna também surgiram.

    E os fora também. Uma pequena multidão havia se reunido à porta da taverna. “Seria a prisão mais épica da minha vida…”

    — Sou mensageiro em nome da Casa Bloemennen, lar de Suas Altezas príncipe Howan e princesa Silale Bloemennen. Venho, com triste pesar, anunciar que os Ilasis clamou a alma de Sua Majestade Rheider IV Bloemennen, Rei de Aavier, que nos deixou esta tarde. Ele agora se prepara para o Aguardo com os Deuses. Seu corpo será ascendido amanhã, em cerimônia no Quimtel de Bennevir, para a libertação de sua alma.

    Bert soltou o garfo. Sua expressão estava pálida feito à morte. “Não pode ser verdade. É cômico demais pra ser verdade!”

    Um dos mercenários levantou seu corpo.

    — Pelo Rei! Pelo maldito Flor do Dragão! Se não fosse por esse desgraçado, estaríamos mortos!

    — Pelo Rei!

    — E-ei! — gritou Bert ao mensageiro, ficando de pé. — É sério isso?!

    O mensageiro virou o rosto. Uma barba longa cobria sua face ríspida.

    — Não tenho porque pregar mentiras. Sua Majestade faleceu esta tarde, deixando nossos príncipes órfãos e em prantos.

    Bert engoliu em seco, coçando a nuca.

    — E a… — mordeu o lábio e fechou o rosto. — Deixa. Dane-se tudo. Dane-se o rei — e girou os calcanhares. Havia uma sombra confusa pairando no seu coração.

    — O que disse? — bradou um dos mercenários. O de olhos cinzas virou o rosto para ele: era um homem baixo, mas de músculos bem definidos por trabalho braçal e derramamento de sangue. Bert podia reconhecer o formato dos calos das mãos daquele homem só pela forma em que ele se pôs de pé, irado.

    “E é tudo isso que preciso.”

    — Sua Majestade, que descanse com os Deuses, foi o herói que nos poupou de uma guerra de mil anos em um. — Pôs as mãos na mesa, atravessando Bert com seus olhos azuis. — Se não fosse por ele, estaríamos tomando chicoteadas do sanguinário em um cerco infinito de novo! Preste respeito para com os mortos, criança. Não tem nenhuma honra?!

    — Sou alto demais pra ser chamado de criança, filhote — Bert refutou, dando sua completa atenção ao mercenário. Não era perfeito? Ele suspirou e estralou o pescoço, com um dos olhos fechados e a garganta quente de bebida. — E não poderia me importar menos com um cerco; uma prática pode até ser bom, sabe? Advinha o que está pra começar?

    O mercenário fechou o rosto e se afastou de seus amigos. O atendente segurou seu cutelo e balbuciou alguma coisa; o mendiguinho no canto se preparou para roubar moedas caídas. Já o sorriso de Bert, este somente aumentou; sua pele quase fervia de álcool. Ele deu um longo passo à frente, dando um sinal para que o mensageiro do rei saísse de perto; e o mercenário também se aproximou, chacoalhando sua cota de malha.

    — Vai ser maravilhoso trabalhar para coroa mais uma vez, não é?

    — Vai ser maravilhoso ensinar um pouco de humildade para uma criança.

    — Uh! — Bert fez. Jogou os braços para cima, como um desistente. — Essa foi boa, mas meu humor está péssimo.

    Num instante, o mercenário projetou seu punho contra o estômago de Bert. Mas ele girou o corpo para a esquerda. Atacou com o cotovelo em direção da cabeça do mais baixo, que se abaixou e atingiu o mais alto com uma rasteira nas coxas. O impacto fez Bert abrir os olhos e cerrar os dentes, porém não de dor. Não caíra com o golpe, mas atacou com o outro braço. Mirou no peito do cavaleiro, que pôs a força na outra perna e pulou para trás.

    O golpe de Bert fez o vento soar alto como um chicote de vento.

    — Vem cá! — gritou.

    O mercenário inclinou suas costas e ficou numa instância estranha, com os braços bem abertos. Uma posição de agarrar, reconheceu Bert, com um sorrisão enorme. Sabia como lidar com isso! Ele então fez o mesmo. Inclinou seu corpo, com as mãos bem abertas rente ao peito, feito uma raposa pronta para um bote, e disparou. O mercenário fez o mesmo. Seus braços se encontraram e suas palmas fizeram tanto barulho quanto um barril quebrando, calando os que os assistiam,

    “Esse maldito é forte!”, gritou Bert consigo. Assim, empurrou seu corpo para frente. Era quase três cabeças mais alto que o mercenário, e somente isso lhe bastaria para empurrá-lo para trás. Ainda assim, o pedaço de homem aguentava seu peso sem cerrar os dentes.

    — Eu te subestimei — falou o mercenário, dando um passo.

    — Ah, me beija! — gargalhou, e antes que terminasse sua frase, girou seu corpo grande para a esquerda. A força excessiva fez o de olhos azuis desequilibrar por um instante, o suficiente para o cinzento chutar contra seu rosto.

    O mercenário conseguiu defender-se com os braços, fazendo um impacto alto e doloroso. Bert sentiu seus ossos doerem contra os anéis de ferro da cota e os ossos dos braços do baixo, mas não o suficiente para que golpeasse com o braço direito. Porém, o baixo foi astuto. Abaixou rapidamente seu corpo, pondo os braços no chão e atacando com um coice diretamente no peito de Bert.

    — Gharh! — fez Bert, jogando para trás. Seu corpo colidiu com um pilar de madeira, que rachou e derrubou meses de poeira contra seu rosto. Sentiu um calor escorrendo por suas costas. Sangue, reconheceu. Seu sangue.

    “Sim! Sim!”

    Jogando as pernas para cima, ele ficou de pé com o estrondo de um tapa de mulher alta, e cerrou os dentes com um sorriso divertido. O tipo de sorriso que só poderia indicar que uma briga deixara de ser uma briga para ser uma luta. E as lutas de Bert raramente acabavam com uma ferida ou outra. Conforme os fios de sangue eram absorvidas pela camisa, Bert recuperava sua respiração e deixava sua imaginação fluir.

    Escorrer, fluir, deixar uma marca por sua pele.

    O mercenário cerrou os olhos e sacou uma adaga com a mão esquerda, dando uma rápida olhada para a massa pequena e dourada que se espalhava pelas mãos de Bert.

    — Foi mal, cara, mas eu tava precisando muito disso. Não é nada pessoal, até gosto do seu rei.

    — … — abaixou a cabeça. Bert ergueu a sua e preparou seus punhos.

    E então o mercenário guardou sua adaga. Bert engoliu vento e suavizou sua expressão, confusa. No outro segundo, uma mão feminina tocou seu ombro. Era uma mulher de nariz grande, cabelos negros como ferro gasto e olhos azuis brilhantes de tão claros. Ela estava coberta por uma calça de linho e uma camisa longa amarrada na cintura por um cinto com um boldrié de couro cosido e uma espada longa, grande demais para os braços magros.

    Poderia ter estado tão bêbado nos dias passados que mal reconhecia o rosto da mulher, mas aqueles dedos ásperos e macios ao mesmo tempo lhe lembravam de um ótimo momento.

    — Seus movimentos melhoraram bastante, Dyck. Continua forte como um touro.

    — Obrigado, Vossa Graça — ele disse, prestando uma mesura educada. — Mas ainda me falta muito a aprender.

    Ela fez uma cara desdenhosa e meneou a cabeça.

    — E você, grandão? Bem que imaginei que era do tipo que gostava de uma briga… — sorriu. — Bastante previsível. Heh…

    Bert cerrou os dentes e se afastou da mulher. Sua cabeça começou a latejar.

    — Mas não tão burro pra um tipo briguento. O que acha de fazer uma grana e brigar com gente mais perigosa do que meu puro e inocente Dyckard?

    — Cei Liza!? — fez o mercenário, com um rosto tímido.

    — Eu e minhas garotas estamos rumando Mão da Queda amanhã à tarde. Sabe onde nos encontrar.

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