Cronos matou Urano, tomando para si o seu trono. Zeus matou o deus do tempo, fazendo o mesmo.  As mortes deles foram premeditadas por profecias.

    Certa vez, Zeus passou no Templo de Apolo para “ver como estava a pitonisa”. Mas antes de ele executar o que queria, ela lhe revelou uma visão:

    O destino que ceifou o dono do tempo, também fatal será ao senhor. Ele virá vestido de projétil, tão rápido quanto os teus raios. A tua luz cairá, e o filho traidor ascenderá.

    O Rei dos Deuses, ao ouvir isso, a ameaçou, jurando enviar ao Hades caso revelasse um segredo desses, fosse quem fosse. Em troca disso, ele jurou que tomaria cuidado para não engravidar mulheres, além de que nada faria a vidente.

    Passou um bom tempo perturbado. Saiu vagando pelo mundo e, quando deu por si, viu-se perdido. Não pensou que tal profecia o deixaria tão atônito.

    Sentou e decidiu admirar as estrelas. Estava num lugar perfeito para isso, pois era uma planície africana. Os únicos ruídos que ecoavam por lá eram os sons das folhas das árvores, quando o vento passava.

    Desnorteado, desorientado… ele encontrou a real perdição. Eris, sua irmã, o abraçou por trás. Agiu toda carinhosa e, para justificar sua presença, disse que Hera a enviou em sua busca.

    Todos no Olimpo estavam preocupados com o rei. Sabiam que havia algo de errado com ele. Mas Zeus não diria a ninguém.

    Ele cumpriria o seu objetivo, se não fosse pela deusa da discórdia. 

    — Me diga, por favor. Não há o que temer. Eu estou aqui para trazer de volta  o Rei dos Deuses, o Senhor dos Raios, e não este ser de espírito enfraquecido — ela disse ao homem, bem perto de seu ouvido.

    — Posso… — deixou-se levar pelas ondas de sua voz doce — posso confiar em ti, Eris?

    Os olhos dela tinham um brilho diabólico. 

    — Mas é claro… eu só quero teu bem.

    — Ah, como eu queria que a Hera fosse assim, tão compreensiva! — exclamou Zeus.

    Eles foram se aproximando. Ele arrastou o corpo, bem devagarinho, enquanto a mulher vinha diminuindo a distância entre seus rostos, ao inclinar o seu.

    — Se isso for te deixar bem… — disse Eris — sentirei-me honrada em entregar o meu corpo.

    “Essas curvas…”, pensou Zeus, “esses olhos afiados, quase cortantes… esses seios fartos…”

    A deusa vestia um Chiton — vestido grego — de cor roxo, cuja a parte dos bustos era larga, de forma a mostrar as silhuetas de seus seios.

    “Nunca a vi dessa forma…”

    Ele mergulhou no oceano profundo que eram as “qualidades sedutoras” da irmã, nem percebendo que ela tomou a frente da situação. 

    Foi a única vez em que Zeus, o deus que mais seduziu mulheres, foi seduzido por uma.

    — Apenas relaxe. Deixe-me te conduzir ao “Céu na Terra” — ela disse.

    O maldito nem sequer resistiu. Naquela noite, ele traiu não apenas a esposa, a deusa Hera, como também o acordo entre ele e a pitonisa. Zeus e Eris copularam numa planície africana, velados pelo manto das estrelas.

    ㅡㅡㅡ

    Um homem de capacete metálico e sandálias, ambos com pares de asas nas laterais, vestindo um chiton masculino, surgiu correndo no quarto de um jovem, que dormia mansamente.

    — Ei! Eros! — gritou, e se aproximou da cama — Eros, acorde! Temos problemas!

    O rapaz, que se embrulhava com as próprias asas, arrastou uma pena para o lado e lhe respondeu:

    — O galo ainda não cantou, Hermes! Me deixa dormir! — gritou Eros. E recolheu as asas, o suficiente para ver o invasor. — Espera… Hermes!? O que faz aqui!?

    — Te conto no caminho!

    O Mensageiro dos Deuses arrancou Eros da cama, e o levou embora, correndo tão rápido que ninguém, entre as pessoas por quem passaram, soube os distinguir de um vulto ou miragem.

    — Precisamos encontrar o neto do Deus Ferreiro! — disse Hermes.

    — E ele por acaso tem filhos? Logo o ranzinza do Hefesto? O humor dele é tão quente quanto o que forja! — exclamou Eros.

    — Acredite se quiser, ele tem filhos e um neto. Ele herdou os dons do avô, e é um grande artista, dito o Mestre-artesão! 

    Ele falava de Dédalo.

    — De que tipo de emergência se trata? — indagou o cupido.

    — Uma que poderá tirar a vida de Zeus!

    “C-como pode!?”, pensou o rapaz angelical.

    — Tudo que sei é que vou perder a vida, se não encontrar e convencer o bendito Dédalo! — confessou o deus viajante — Disse que qualquer meio seria válido, por isso te trouxe!

    “Já sei aonde isso vai levar…”, confessou Eros em seu pensamento.

    Para a sorte de Hermes, o deus do amor morava na região da Sicília, próximo de onde encontrou o mestre-artesão, certa vez. Contava com a sorte, pois “chutou” que ele continuaria ali.

    — O seu plano é de, como pagamento pelo serviço, dar a ele uma mulher, certo?

    — Exatamente! — respondeu a divindade veloz.

    — E o que garante que isso o motivará? Pode não ser o que ele quer. Seria mais jogo se você o estudasse, Hermes.

    — Mas não temos tempo para isso! Se não ficou claro, é a minha cabeça que está em jogo, aqui!

    Numa pequena cidade, onde Hermes encontrou Dédalo anos antes, o deus saiu perguntando sua localização aos cidadãos.

    Era final de uma linda tarde. Um camponês disse que todos os dias, naquele horário, o artesão vinha e sentava próximo ao rio, de frente para a sua casa.

    O camponês os levou. Eles agradeceram e, vendo a silhueta de um homem sentado às margens do rio, Hermes sentiu-se abençoado pela sorte.

    Ele se aproximou, e não chamou a atenção dele, mesmo querendo. Confirmou que era mesmo o Artesão, mas que parecia estar num tipo de transe.

    O rosto dele era bem magro e cansado, assim como todo o corpo. Era o resultado de passar dias e dias acordado, trabalhando em construções dos mais variados tipos.

    — Dédalo… grande mestre-artesão… por favor, a pedido de meu pai, e de mim pela minha vida, por ele ameaçada… construa uma prisão, como fez para o rei Minos.

    — E o quê terei em retorno? — indagou Dédalo.

    As asas do capacete do deus mensageiro bateram, animadas.

    — Uma mulher. — ele disse — Você poderá escolher uma mulher, e o pequeno Eros, aqui — deu tapinhas na costa dele —, lançará uma flecha apaixonante nela. 

    Um tanto decepcionado, Dédalo deu de ombros.

    — Não tenho intenção de ter uma mulher. Muito obrigado, mas eu recuso.

    E voltou a contemplar as náiades, sentando-se na beira do rio.

    — Por que olha tanto para as Náiades? — perguntou Eros — Você pode ter uma, se aceitar o pedido do Pai.

    Sem nem virar a cabeça, o mestre-artesão respondeu: 

    — Náiades são mulheres, e elas são como as minhas obras. Existem para ser úteis. Estas belas mulheres são obras… obras de arte.

    Sua respiração era vaga. Era como se estivesse mergulhado. Não no rio, mas nos olhos de uma delas.

    — E obras de arte são úteis enquanto puderem ser contempladas — explicou.

    — Mas… — interveio o arqueiro da paixão — há algo mais bonito que a beleza exterior.

    “Isso, Eros!”, pensou Hermes, “Se seguirmos a lógica dele, poderemos o convencer!”

    — Pode existir algo mais belo que a beleza que agrada aos olhos? — indagou Dédalo, agora interessado.

    — Há — disse —, e bem mais. É a beleza que agrada ao coração, senhor. O amor! — afirmou Eros.

    O artista quase divino se levantou.

    — Uma beleza que eu não conheço! — ele disse, cruzando os braços.

    — É, mas pela forma como nos respondeu, você provavelmente não conseguirá… — falou Hermes, em tom de desafio.

    Nas margens daquele belo rio da Sicília, o mestre-artesão tomou uma decisão.

    — Beleza que eu, Dédalo, não conheço!? Aceito ver!

    ㅡㅡㅡ

    Atrás de uma árvore, a uns dez metros de onde os três discutiam, uma mulher de vestido roxo escuro e sapatos negros se escondia, os ouvindo.

    “Ter dormido com aquele mulherengo me proporcionou essa chance! Relaxe, Zeus, a tua filha cumprirá a profecia!”

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota