Tam, tam, tam, tam!

    Os três escavavam um túnel vertical, há cinquenta metros do rio. 

    — Esse túnel… — Dizia o ofegante Hermes. — Para quê esse túnel?

    — Apenas escave. — Respondeu Eros. — Afinal, ele sequer pode nos ouvir.

    Ao terem cavado quase setenta metros de profundidade, Dédalo começou a cavar para frente. Hermes, usando sua velocidade divina, acelerou o escavar.

    Eles não sabiam o que estavam fazendo. Apenas seguiam o que o artesão fazia, sem questionarem. O que mais sofria era o pobre cupido, que não tinha o físico necessário para tal.

    E dois dos trinta dias se passaram. Eles não comeram e nem dormiram.

    Tam, tam, tam, tam, tam, tam… Prack!

    Aí que eles perceberam…

    “Que cavamos em círculo… que droga é essa, mestre? Será que ele endoidou de vez? Eu, hein…”, pensou Hermes.

    — Qual… Qual era a ideia? — perguntou o deus mensageiro, estirado no chão.

    Não estava escuro, porque ele, usando sua magia, transformou a terra e rochas que escavaram em tochas, usando-as para iluminar o “túnel circular”.

    — Vamos fazer uma escada infinita. — Disse o artesão. — Infinita não nos degraus, mas no fato de nunca ir a lugar nenhum não importa por quanto tempo suba.

    — Ah…

    “Um infinito cíclico, e não crescente ou decrescente…”, pensou Eros.

    — Ah, mas… Não poderíamos deixar como está? Do jeito como escavamos, a prisioneira já estará num infinito circular. — Indagou o deus do amor.

    — Há um problema nisso. — Rebateu Dédalo, que sentou no chão e se escorou na parede. — Ela é uma deusa. Filha de Zeus, o mais poderoso, e Eris, a mais dissimulada e caótica das deusas. Não poderia fazer assim. Subestimar um deus e seu destino é o primeiro passo para a ruína.

    — Então… Está me dizendo que há um significado em construir uma escadaria infinita?

    Ele concordou com a cabeça.

    — Eis a explicação…

    ㅡㅡㅡ

    Em poucas palavras, o significado de criar uma escadaria infinita era interessante. E para explicar isso, Dédalo achou melhor contar uma história.

    Havia um garoto que nasceu e passou a vida em uma escadaria. A comida e água vinham de algum lugar, e ele nunca viiu ninguém, nem mesmo a si mesmo no reflexo de um espelho ou na superfície da água.

    Esse garoto então pensou:

    “Deve haver mais luz para o lugar onde essa escada leva.”

    O lugar era iluminado por tochas. Mas eram muito espaçadas umas das outras. A claridade que existia era o suficiente para não estar em total escuridão.

    “Subir!”, pensava.

    E ele subia as escadas. Descia, subia, descia, subia, subia, e descia de novo, recomeçando o processo. Ele sentia que progredia.

    Não importa o quanto pensasse em desistir, o garoto logo se recompunha. O desejo de encontrar um mundo cheio de luz motivava a sua alma.

    E ele morreu tentando. Assim como todo bom humano.

    ㅡㅡㅡ

    Enquanto os três escavavam o subsolo, alguém que já estava no mais longinquo profundo possível parecia impaciente.

    Ele era alto. Pálido como se lhe tivessem chupado o sangue. Seu rosto era fino, os cabelos eram prateados e iam até os pés. Ele estava sentado em um trono feito de rochas.

    A frente dele, prolongava-se um campo esverdeado.

    — Isso me incomoda — ele disse para si.

    — O que há com essa apreensão toda, meu senhor? — indagou um homem, tão quanto ele, e envolto de um manto negro.

    — Hypnos… Você acredita que as pessoas más nasceram más, assim como as pessoas boas nasceram boas?

    Um questionamento filosófico desse fez o deus do sono se calar, por um momento. Ele olhou para aquele céu azul, encarando uma nuvem e, ao acreditar ter a resposta, se aproximou do rei do inferno.

    — Há as pessoas que são frutos de seu meio e outras que, em sua essência, são como são. — Explicou. — Pessoas boas que são boas porque nasceram num ambiente favorável a isso, e as que são assim porque nasceram com a bondade.

    E ele abaixou a cabeça, pensando em muitos dos que foram para os piores lugares no Hades.

    — O mesmo vale para as pessoas más — concluiu o deus do sono.

    — Entendo… É porque eu conheço alguém que conhece o bem, está no posto de alguém que precisa ser bom, e mesmo assim… — E pensou na deusa dos casamentos. — Possui uma forte maldade em seu coração.

    Hypnos “captou” a mensagem, e soltou um ar de insatisfação.

    — Quanto mais o tempo passa, mais a escuridão no coração dela cresce. Cresceu ao ponto de conseguir sentir sua energia daqui, no Hades.

    Ambos olhavam para cima, como se encarassem alguém no Olimpo.

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