Tam, tam, tam, tam!

    As picaretas não paravam. Seus impactos nas rochas os cavavam degraus. A cada seis feitos, três picaretas quebravam. E lá ia Hermes comprar mais daquele instrumento, em um ferreiro.

    Era um trabalho exaustivo. 

    — Arf… Arf… Arf…

    Não trocavam palavras, até porque sabiam o que cada um pensava: “eu quero sair daqui o mais rápido possível.”

    Nessa brincadeira, quinze dias se passaram.

    — A escada, em si, está pronta. Falta apenas o… ah, verdade! Falta criar a porta! — disse Dédalo, apontando para um espaço vazio ao lado da escada.

    Era o lugar onde eles cavaram verticalmente, antes mesmo de começarem a construir a arquitetura circular da prisão.

    Era um simples vão.

    — E o que a gente vai fazer? Assim, tudo aqui é rocha! — exclamou Eros.

    Mas o artesão já sabia o que fazer.

    — Hermes… use o restante de magia que você tem, e alongue a rocha.

    — Hein!? Como assim, mestre? — reagiu o deus mensageiro.

    — Não tem esse vão aí, por onde a gente fez essas escadas? — perguntou Dédalo, apontando para o vácuo cavado verticalmente. — Então. Use sua magia para tampar as paredes. 

    Mas havia um equívoco…

    — E como que vamos sair? — indagou o deus do amor.

    — Vamos até lá, e eu esculpirei uma escada, para que possamos subir — respondeu o artesão.

    A confiança dele era grande a esse ponto. Eles fizeram o que ele pensou e, enquanto olhavam para o pequeno “círculo” acima deles, por onde iluminava um tanto de luz do Sol, Hermes criava uma parede de rocha que tampasse o vão.

    Mas antes que ele a completasse…

    — Deixe um espaço sem nada. É por ele que daremos comida a nossa prisioneira — disse Dédalo.

    Assim o deus dos viajantes fez. Em seguida, graças ao seu vigor semi-divino, conseguiu esculpir uma escada na parede.

    Eles subiram e, após quinze dias no subsolo, pareciam terem reaprendido como era estar sob a luz do Sol.

    — Terminamos… — murmurou Eros, feliz.

    — E Zeus ainda pôs o bracelete em você, mestre. Ele duvidava de vossa capacidade — desculpou-se Hermes.

    — Que nada, eu não me importo com isso. Na verdade, isso só aumentou minha motivação para terminar. Afinal, eu quero conhecer essa beleza que me prometeram, quando terminasse a prisão.

    “É mesmo!”, lembrou Eros.

    Pegando os dois pelas mãos, ele os levou até às margens do rio Roz. Sentaram e puseram os pés na água, ficando ali, ouvindo o belíssimo canto das náiades e sentindo a brisa do vento.

    Para eles, aquilo foi uma boa recompensa por aqueles dias de trabalho.

    — Certo… — disse Eros, que se levantou. — Não vai doer nenhum pouco, apenas relaxe — e foi para trás do artesão.

    Ele segurava uma flecha rosa, cuja ponta tinha l formato de um coração.

    — Pegue — disse a Hermes.

    — E você lança nela, né? Eu espero que isso funcione — sussurrou o deus.

    — O que vocês estão fazendo? — indagou Dédalo.

    O deus do amor invocou seu arco e suas flechas. Em um quarto de um minuto, uma das flechas apaixonantes de Eros acertou a náiade dos olhos vermelhos, Roz, que cantava olhando fixamente para o artesão.

    — Ack! — ela gemeu.

    E, em seguida, Hermes perfurou Dédalo com a flecha que lhe foi dada. O resultado foi: Roz se apaixonou por Dédalo, e vice-versa.

    É aqui que as coisas ficam engraçadas.

    — Bom, nosso trabalho está oficialmente terminado — disse o deus mensageiro.

    Roz, segurando o bebê da profecia, corou por um bom tempo, paralisada enquanto olhava para o artesão. E ele, igualmente imóvel, sentia o coração palpitar e a desejar por ela.

    Era um tipo de entusiasmo comparável a embriaguez, coisa que os seguidores de Baco, vulgo Dionísio, sabiam muito bem.

    — Seja feliz, Dédalo — despediu-de Eros.

    — Eu vou ser — concordou. — Espero vê-los de novo! — disse, sem nem sequer olhar para eles, que desapareciam atrás das árvores.

    Mesmo que sentisse um mal pressentimento, o deus do amor seguiu feliz no seu retorno ao Olimpo.

    E, neste momento, as engrenagens do destino sorriam para eles.

    “O que… o que está acontecendo comigo?”, indagava Roz.

    ㅡㅡㅡ

    Muito abaixo na terra, mais precisamente nos Campos Elísios, o deus do submundo e seus juízes analisavam uma espécie de holograma.

    — Veja, mestre! — disse o deus do sono. — Uma energia maligna está ficando mais fraca a cada minuto que passa!! 

    Aquilo os assustou profundamente.

    — De quem se trata? — indagou Radamanto, o segundo juíz.

    — A deusa da discórdia e do Caos — respondeu Hypnos.

    — Impossível! Eris? Está falando daquela maldita!? Não, impossível! — exclamou Hades.

    Seus longos cabelos prateados pareciam serpentes, movendo-se nas pontas em um chacoalhar assustador.

    — Primeiro Hera e seu espírito cuja energia maligna vai crescendo, agora Eris, o poço da maldade… deixando de ser quem é! Como pode? O que está acontecendo!? — disse Hades, andando de um lado para o outro. — Não estou entendendo! O que pode mudar uma pessoa tanto, assim?

    O terceiro juiz, deitado na grama, escondia o rosto com ambos os braços, aparentando um sono quase mortal a aflingir o corpo.

    — O amor… — explicou. — O amor pode mudar as pessoas, seus sentimentos, e, consequentemente, suas energias.

    Ao se lembrar de como sua esposa, Persefone, o havia mudado, Hades se calou e pensou. Pensou bastante em perguntas como “quem a faria se apaixonar tanto?”. 

    Ele queria conhecer essa pessoa, que com certeza era extraordinária.

    — Eu vou ao mundo dos homens — avisou. — Digam a minha esposa tudo sobre esta conversa, e ela entenderá por si mesma. Me dê o manto, Manthis!

    O segundo juíz, feliz por ser chamado pelo apelido, deu a capa em suas mãos.

    — Estou indo — disse, e partiu.

    ㅡㅡㅡ

    Enquanto isso, no Olimpo…

    Zeus, ao saber, através da boca de Hermes, que Dédalo havia terminado a prisão quase na metade dos dias que estavam no prazo, pulou de alegria.

    Ele agarrou o mensageiro pelos braços e o ergueu aos céus, de tão alegre que ficou.

    — Ainda bem! Estou salvo! Hera não saberá de nada e, mesmo se souber, nada há de fazer! — dizia.

    “Isso é o que VOCÊ pensa”, disse Atena em sua consciência.

    Ao lado da deusa da sabedoria, que havia acabado de subir as escadas da casa de seu pai, um homem pálido e de aparência asiática caminhava com ela.

    Era Yoshiyuki, o matador de almas.

    — Hey, hey, Zeus! Qual é a dessa felicidade toda? Alguma coisa boa aconteceu? — perguntou o deus da morte.

    — Oh, Yoshiyuki! O que faz aqui, meu bom rapaz? Ah, e eu realmente estou feliz, como pode ver!

    — O que faço? Ah, vim visitar a vossa filha, Atena, viramos bons amigos — respondeu.

    “Atena e a palavra ‘amigo’ na mesma frase? O que está acontecendo!? Dédalo fez um milagre ao salvar o coro de Zeus!?”, pensou Hermes.

    — Faremos um banquete, em homenagem a este dia tão feliz! — disse o rei do Olimpo. — Por isso, não vá embora até comermos!

    — Certo — disse Yoshiyuki —, ficarei, se assim quiser.

    Atena, o aguarrando pelo braço, fez beicinho e olhou para o lado, contrariada.

    “Oi, oi, oi, Atena… eu sei o que é, mas não estou acreditando! Você está…”, indagava o deus mensageiro para si em seu interior.

    — Ah, me desculpe! Nós íamos discutir filosofia, certo? Bom, vamos, então! — disse o deus de Thero.

    Feliz, ela o levou até a sua casa, que ficava após as escadas acima da que estavam.

    — Eles estão muito íntimos… — murmurou Hermes.

    — Também notei… minha filha está o amando? Não a julgando, mas só alguém apaixonado para querer estar ao lado dela… e ela estava toda estranha perto dele… viu como o pegou? — perguntou Zeus.

    — Sim, nós três vimos. Eu e meus dois olhos vimos o olhar que ela deu a esse tal Yoshiyuki, e pode apostar que nenhum “amigo” olha para o outro desse jeito.

    As asas do capacete metálico de Hermes bateram, curiosas e alegres. Porém, pensou que não era boa empreitada “xeretar” os negócios de uma deusa.

    — Enfim, trate de tirar os braceletes que pôs em Dédalo, ou será você quem os terá, se Hera descobrir — ameaçou o deus dos viajantes.

    — Eu o farei, não se preocupe…

    ㅡㅡㅡ

    Um homem de manto negro, cuja face estava coberta em escuridão, examinava a relação entre o casal recém-formado, onde a mulher carregava um bebê de cabelos loiros.

    Era uma menina que estava em seu colo.

    — Aquela criança… é a criança de Eris! — disse o observador, em baixo tom. — Vejamos…

    Aplicando magia em seus olhos, ele era capaz de ver além das ilusões que um mago poderia jogar sobre si. E nisso…

    “Não acredito!”, pensou.

    — É… É ela mesmo…

    Era Eris!

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