Capítulo 7: O prólogo termina.
Algum tempo se passou. As coisas iam bem, com exceção de um detalhe…
— O rei ainda não lhe tirou os braceletes — murmurou Roz ao marido.
O artesão encarava a esposa, rubro.
— Ele alterou as condições — disse Dédalo. — Agora sou oficialmente o guardião de Skiá, a filha dele. Se ela fugir da prisão, ou mesmo pôr um pé fora de lá… perco as mãos.
Encontravam-se às margens do rio de sempre, onde se apaixonaram. As outras duas náiades cantavam, alegres.
— Acho muita maldade… deixar uma criança, do jeito que deixamos — lamentou-se.
— Não se preocupe com isso. Quem sabe o que o rei dos deuses lhe faria, se desobedecesse sua ordem?
Ele deu de ombros. Sentado sob a grama das margens daquele rio, que leva o nome de sua esposa, perguntou a si mesmo;
“Como diabos ela obteve pernas? Há não muito tempo era uma náiade! Como as outras ali, em minha frente! Ah…”, perdeu o raciocínio, quando sentiu sua mão tocar a dela, “Eu só quero…”
Ele apenas queria sentir aquela beleza, que Hermes e Eros disseram que ele não conhecia — e estavam certos.
ㅡㅡㅡ
Um homem de longos cabelos prateados, e manto negro, veio ao encontro de Dédalo, que continuava observando as nàiades — sozinho, desta vez, porque a mulher fora para casa.
— Ei, artesão… estes braceletes não lhe incomodam? São feitos do ouro que apenas o deus da forja sabe de onde vem, percebo.
Ele sequer virou a cabeça para encarar o estranho, que prostrou-se a frente dele, bloqueando sua contemplação às damas do rio.
— O que há contigo? Por que me ignora?
— Não estou te ignorando… estou lendo a sua presença. Sentindo-a, também… é parecida com a de Zeus, porém, menos colérica. Tu me pareces mais sábio — disse Dédalo.
O homem sentou ao seu lado, intrigado.
— O senhor é um deus. Não só um deus, como um dos mais importantes, dada a semelhança com o rei deles… — deduziu. — Não é Zeus, muito menos Poseidon. Só pode ser Hades, o deus do submundo.
O do manto negro o pegou pelo braço, e o atirou contra o rio. Mas antes que este caísse nas águas…
Fuwuuuuuh!
Um portal negro surgiu, e o engoliu!!
“Mas o quê!?”
Quando abriu os olhos, viu-se em frente a um palácio feito de blocos cinzentos de pedra. Com todos aqueles detalhes, o artesão até pensou que haveria de existir um deus construtor.
Dolorido, percebeu estar num chão ladrilhado com pedras brancas, como quartzo.
— O meu castelo — disse o deus. — Me poupaste o trabalho de me apresentar, então decidi pular para o que importa.
Hades mandou que o grande portão de carvalho se abrisse, e ele, como se tivesse vida própria, o fez. Então entraram, subiram a única escada no hall, e andaram em um longo corredor cheio de quadros nas paredes.
“Aonde estamos indo? O que está acontecendo…? Poxa vida, esses deuses só me aparecem para atazanar a paz! Cacildes!!”
No final, o deus do submundo abriu uma porta de ferro e pediu que o convidado entrasse. Dentro do quarto, só não imersos em escuridão por causa de uma tocha, mostrou-lhe um imenso grimório.
— Ontem, em sua visita ao Olimpo, o mensageiro dos deuses de Thero, um outro mudo, chamado Yoshiyuki… cof, cof! — a poeira não lhe era boa. — Yoshiyuki conversou com Hécate, a deusa da magia…
— E então?
— Ele entregou a ela este grimório, com todas as magias que conhece. Vai do básico ao nível quase divino — disse Hades, animado. — Mas o ponto, senhor Dédalo, é o que está contido na página setecentos e onze.
Ele abriu o livro, e indicou o trecho.
— “Ou seja, um Arcane Pawa, ‘poder arcano’, surge a partir da mistura de todos os elementos mentais e espirituais das pessoas. Alguém com uma emoção muito forte pode o desenvolver, natural e rapidamente” — leu.
— O que o senhor quer dizer com isso, senhor Hades? Se está falando de magia, chamaste o ser errado.
— Estive vigiando as ações de Eris, a deusa da discórdia e mãe do recente filho de Zeus. E sabe o que ela fez, no primeiro instante em que viu-se “sozinha”? — indagou o deus, com seu rosto magro implorando por um “não”.
Na verdade, Dédalo sentiu que, independentemente de qual resposta lhe desse, ele diria o que queria. Por isso, negou saber.
— Ainda quero entender que plano ela planeja cumprir, ao ter feito o que fez, mas… saiba que ela perfurou a criança com a “flecha da repulsa”.
O artesão se espantou. Ele decidiu sentar no chão, que era da mesma madeira que a porta da entrada do palácio, e perguntou;
— É a flecha que tem os efeitos opostos da “flecha apaixonante”. E sim, é do segundo arsenal de Eros, o deus do amor — explicou o deus, jogando o capuz para trás.
— As causas são as mesmas: o contato visual — disse Dédalo, cruzando os braços.
— Ela deve ter planejado bem o suficiente, pois em menos de cinco piscares meus, Zeus surgiu.
Os olhos do convidado se arregalaram.
— Então… o bebê… ele passou a odiar o pai!?
— Exatamente. E como lemos no grimório, além de partirmos do pressuposto de que essas magias funcionam no nosso universo… — o deus sentou-se no chão, em sua frente. — Essa criança pode desenvolver um Arcane Pawa capaz de matar o rei dos deuses. Afinal, ela crescerá habituada com a forte fúria contra ele.
Mesmo com Hades dizendo aquilo, o semi-deus não sentia que ele estava pensando em seu bem ou no do irmão. Longe disso, como perspicaz que era…
— Posso dizer que você está ansioso para vê-la o despertar. Não tente negar, e pare com esse tom de voz que alguém preocupado usaria. Deixe de ser ardiloso, maldito — disse Dédalo, irritado. — Vocês deuses me saltam as veias da têmpora! — e levantou, batendo os pés.
Em um tom furioso, continuou:
— Vê estes braceletes? Não, estas algemas douradas!? Foi teu irmão, sangue do teu sangue, que fez! Eu quero que todos vocês recebam retaliação do destino, tal qual a mim impuseram! — rosnou. — Que um assassino os chacine! Passar bem.
Virou-se de costas, desejando sair dali. Mas antes que pudesse tocar a maçaneta…
— Isso te beneficiará, seu tolo! Com meu irmão morto, poderei livrar-te destas algemas que às ordens dele o prende! — interveio Hades, correndo até ele.
— “Com meu irmão morto”… pretendes…
O sorriso sombrio e dos lábios secos de Hades se exibiu, malicioso e divertido.
— Eu influenciarei a criança, Skiá, a se tornar a arma que matará o rei do Olimpo — ele disse. — Ela será o fim do reinado dele! O que acha? Estamos certos? — ergueu os braços, como se essa ideia lhe fosse algum tipo de benção.
— Faça como quiser, só me leve de volta e não me envolva mais — respondeu o artesão, farto daquilo.
“Me parece coisa de lunático.”
A partir do portal aberto pelo deus, o semi-deus retornou ao seu lar, onde sua esposa lhe esperava com uma sopa.
“Hades que se desintegre! Quero mais é contemplar a náiade que tenho em casa.”
ㅡㅡㅡ
Enquanto o pobre homem descansava…
— Isso será divertido — disse um morcego, vendo um bebê sendo amamentado por uma mulher de olhos carmesins e chiton roxo, em um lugar escuro como uma prisão. — Só devo esperar Eris sair.
Quando a mãe se foi…
— Olá, criança… que tal uma dose de…
Dor.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.