Em uma floresta de carvalhos, pai e filho estavam ao redor de uma fogueira, sendo que o garoto estava deitado em um lençol.

    — Pai… — disse o  menino, bem baixo.

    — O que foi, Kezu? — indagou Yoshiyuki, que estava de costas para  ele.

    — Me conte uma história.

    — Qual você quer ouvir?

    — Qualquer uma. De preferência as que o senhor viveu, mas diz que não.

    O homem suspirou, e disse:

    — Você dormirá no processo, eu acredito. Pois bem: há um tempo…

    — — —

    Enquanto caminhava pelo mundo dos homens, o pensamento dos limites deles surgiu.

    Sabe, meu filho, aparentemente tudo possui limites. Uma propriedade, por exemplo, é delimitada pelo espaço que ocupa. O limite do céu é onde começa a terra, e assim por diante. Mesmo os humanos  possuem limites.

    O que humanos pensam está no limite da razão — um conceito propriamente mortal. Por isso, para eles, é difícil entender os deuses. Eles estão presos à vida… quando nascem, decidem que morrerão.

    Ao viver, aceita-se a morte.

    O que significa que o limite do que humanos podem fazer… está no tanto de tempo que permanecem conscientes. Eles não literalmente precisam perder a vida: podem não ter tempo, recursos, ou mesmo conhecimento. Até o meio onde “executam o ato de viver” os limita ao que podem fazer ou pensar.

    Foi pensando nessas coisas que, naquele dia, me perguntei:

    — E se houvesse algo que os fizessem quebrar seus limites?

    Algo como transcender a humanidade — esse foi o pensamento. Levei a discussão mais a fundo, e acabei chegando a uma certa afirmação: o “ser humano” é “ser humano” enquanto estiver nos limites do que significa ser humano, mortal. Se ele fosse transcender a humanidade, ele deixaria de ser parte dela.

    E com o tempo, até a sua forma de pensar — a de um mortal — deixará de existir, dando lugar a uma nova lógica… a do ser transcendente. Seria como uma morte e renascimento, seria possível dizer dessa forma.

    Ao que faria um humano transcender os seus limites seria aquilo que o mata, e que o faz renascer transcendido. Sendo amigo de Hefesto, e sabendo que ele estaria em sua casa no Olimpo — forjando armas —, levei estas ideias a ele. O deus me respondeu:

    — Você precisa de uma arma assim, Yoshiyuki. Eu a farei para você, se quiser — eu assenti, e ele iniciou o processo.

    Lembro dele ter derramado o próprio sangue no material a ser forjado, ao dizer que “aquilo que transcende a humanidade está no campo dos deuses, e, por isso, esta arma precisa do sangue de um”. Ao final, ele me revelou uma adaga.

    — Mas ela não ajuda apenas os  humanos — ele disse. — Esta arma, quando mata qualquer um, o testará numa espécie de “pós-vida”. Se a pessoa vencer, ela  retorna tendo superado suas barreiras.

    Curioso, lá fui eu ao mundo dos mortais, a fim de testar o invento. Foi numa cidade, em uma periferia, que encontrei o indivíduo perfeito: um homem de cabelos bem grisalhos, cego, e vivendo em situação de rua. Ele vestia um pano que mal podia ser chamado de roupa, um bem encardido.

    — Um deus? — pareceu ter notado a minha presença. — Ah… um deus. Eu costumava ser  um homem do templo, quando era mais jovem…

    Tirei a adaga, esta que havia amarrado ao lado da bainha da minha katana, e o ouvi dizer:

    — Me livre deste sofrimento, ó ser divino! Livrai-me das dores de ser mortal, e ainda não ter morrido!

    Senti alguma hesitação, mas… eu acabei o esfaqueando.

    Shim!

    E retirei a lâmina. Minutos depois — acredite em mim, meus olhos não mentem —, vi aquele mesmo homem… se levantar.

    — Eu posso ver! — exclamou. — Posso andar! Sinto-me um novo homem! Ah, o senhor pode ver, senhor deus!? Pode sentir a minha força?

    “É claro…”, pensei, “você transborda kirei…”

    E o velho, que agora era um jovem loiro, saiu correndo e fazendo mil piruetas. Após isso, andei por aí, realizando milagres com a adaga…

    ㅡㅡㅡ

    ㅡ Mas… pai, ninguém morreu, não? — indagou Kezu, já sonolento.

    — Sim, alguns morriam. Mas muitos foram os que renasceram — Yoshiyuki se virou para ele, sorrindo.

    — Então essa adaga realiza desejos?

    — Não necessariamente. Ela desperta no usuário aquilo que ele verdadeiramente deseja — explicou.

    Ambos combinavam os quimonos, inclusive. Estavam numa viagem de treino, onde Yoshi tinha o objetivo de tornar Kezu o seu sucessor.

    — Ah, entendi… ㅡ falou o garoto. — Isso me faz pensar… pai, aonde o senhor guardou esses três artefatos… a Flecha de Skià, o Anel da União e a Adaga dos Limites?

    Algo incomodou a mente do pai, mas ele respondeu assim:

    — Estão com Nahleo e Nahluna, por quê?

    — Nada… — murmurou Kezu. — Só me pergunto se estão seguros. Já que são objetos bem perigosos…

    “Isso me lembra…”

    — Bem dito. Amanhã vamos dar uma passada na casa delas, pode ser? — perguntou Yoshiyuki.

    — Pode. Ah, pai, e sobre…

    — Os deuses do Olimpo? Também iremos até lá averiguar as coisas. Agora trate de dormir.

    ㅡㅡㅡ

    “Quando lembro de quase vinte anos atrás, pergunto-me se aquilo tudo foi real”, pensou Yoshiyuki.

    Ele cutucava a fogueira com um graveto, e o filho já descansava.

    “Memórias falsas, que talvez Athena tenha implantado em mim… a conveniente luta com Skiá, para a transformar numa arma… é provável que queiram matar Zeus.”

    E entendia o porquê.

    “Aquele deus é um verdadeiro tirano. Mas isso também me faz perguntar…”

    Olhou para o céu, sorrindo.

    “Como será que é ter a sua vida nas mãos de Hera, uma mulher de espírito inteiramente negativo, e uma filha como Athena…”

    Capaz de criar memórias falsas?

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