Capítulo 14: O Novato das Garras
O Refúgio da Lua Calada respirava sob a luz da manhã. O pátio de treino, ainda marcado pelos estragos do dia anterior, parecia um campo de batalha em miniatura: sulcos queimados pela eletricidade de Himari, pétalas esmagadas de Chen Hua, tampas espalhadas que Nariko tentara usar como frisbees e pequenas crateras de raiva pura de Sora.
Kazuto tropeçou em uma dessas crateras, levantando poeira na cara.
— Ai! — resmungou, esfregando os olhos. — Isso parece… parece um campo de destruição nuclear de brinquedo.
Nariko, que corria pelo pátio tentando pegar tampas voadoras com os pés, olhou para ele e riu.
— Ah, não reclame, novato. Se acha que ontem foi difícil… espera só o que vem a seguir.
Chen Hua, sentada entre flores esmagadas, balançou a cabeça, tentando reorganizar os caules.
— Pelo menos é um treino criativo — disse ela. — Algumas flores voltam à vida quando você sabe como mexer na energia.
Himari ergueu as mãos, que ainda tremiam levemente de eletricidade residual.
— Criativo? Isso foi quase uma tentativa de assassinato com regeneração, se me perguntar.
Sora cruzou os braços, bufando.
— E pensar que chamam isso de “aprendizado”. Que aprendizado? Perder braços e pernas só para perceber que regeneram? Hilariante.
Kazuto suspirou. — Eu só… estou tentando descobrir qual é o meu Feralis. Ainda nada.
— Relaxa, novato — disse Nariko, dando um chute em uma tampa voadora que quicou perto dele. — Um dia você acorda e, puf, a fera aparece. Até lá, a gente te cobre.
De repente, um som firme de passos ecoou pelo pátio. Todos pararam. Não era o ranger de uma vassoura, nem um estrondo de eletricidade. Eram passos leves, precisos, que pareciam medir cada centímetro do chão.
Um jovem alto surgiu, elegante, com expressão séria, e se aproximou do grupo. Seu olhar feroz tinha a mesma intensidade de alguém que sempre soubesse exatamente o que fazer.
— Quem é aquele? — murmurou Kazuto, franzindo a testa.
Chen Hua inclinou a cabeça, analisando cada detalhe.
— Ele… emite poder. Mas diferente do nosso. Como se tivesse… controle absoluto.
O novo aluno parou diante deles e falou, firme:
— Sou Ryo, da Garra. Meu Feralis são minhas garras. Elas são parte de mim, não apenas projecções. Posso cortar pedra, metal, energia, mas não busco destruir sem propósito.
Nariko arregalou os olhos e, sem pensar, tentou tocar as garras. Ryo recuou com um leve rosnado contido.
— Ué… calma, eu só queria sentir! — disse ela, rindo nervosa.
Sora bufou. — Parece que chegou o cara que vai humilhar todos nós no treino.
Himari suspirou, olhando para o céu. — Se Lau não fosse nosso professor, ele provavelmente já teria arrancado nossas cabeças só de olhar.
Kazuto se manteve em silêncio, observando cada detalhe do novo aluno. As garras dele pareciam pulsar com energia, e algo dentro de Kazuto estremeceu, como se reconhecesse um instinto semelhante ao dele.
Lau apareceu arrastando sua vassoura. Como sempre, parecia mais um velho preguiçoso do que um dos Shisai mais temidos.
— Hoje, vocês vão limpar. — disse ele, batendo a vassoura no chão. — Mas lembrem-se: limpar não é só varrer o chão. Limpar significa lidar com a fera dentro de vocês.
Ryo se posicionou, garras prontas, enquanto os outros alunos se preparavam.
— Então… limpamos literalmente? — perguntou Kazuto.
— Literal e espiritualmente. — respondeu Lau, erguendo a vassoura como se fosse uma espada.
O treinamento começou.
Chen Hua usou seu Feralis de flor para manipular pétalas e galhos, transformando-os em chicotes, redes e até pequenas escadas de flores que pegavam a sujeira de lugares impossíveis. Cada vez que um galho girava, espalhava pólim e levantava um aroma delicioso, fazendo com que Nariko tossisse de tanto rir.
— Isso é ridículo — Nariko comentou, desviando de um galho que parecia ter vontade própria.
Nariko, por sua vez, lançou tampas como frisbees em alta velocidade, girando e deslizando pelo chão para empurrar poeira e detritos em montinhos. Cada movimento tinha um estilo absurdo, como uma dança de malabarismo mortal.
Sora, canalizando sua raiva pura, começou a limpar como se estivesse em guerra: cada soco contra o chão ou parede removia sujeira e até lascava pequenas rachaduras no piso. O efeito era impressionante, mas ele ficava cada vez mais irritado quando erguia mais poeira do que removia.
Himari usou eletricidade, espalhando faíscas pelo chão. Cada faísca atraía partículas de sujeira, e uma rede elétrica delicada levava a poeira até um canto específico. Às vezes, a eletricidade fazia com que Nariko e Kazuto pulassem, levando a risadas constrangidas e tropeços exagerados.
Kazuto, por sua vez, apenas varria normalmente, suando e tropeçando enquanto tentava acompanhar o ritmo caótico dos colegas.
— Novato, você vai morrer varrendo assim! — Nariko gritou, rindo enquanto girava no ar para lançar uma tampa.
— Eu… só… tento não me cortar — respondeu Kazuto, caindo de joelhos ao pegar uma tampa que quase acertou seu pé.
Ryo, elegante e silencioso, apenas limpava com suas garras, transformando poeira e detritos em pequenas esculturas temporárias, deixando todos boquiabertos.
Enquanto o caos cômico se desenrolava, o sino do Refúgio soou três vezes de novo, desta vez com urgência.
— Alerta! — gritou um mensageiro, quase sem fôlego. — O Pentágono foi invadido! Cinco membros da Corte Escarlate! Eles entraram facilmente e roubaram um artefato!
Kazuto engoliu seco. — Artefato? Corte Escarlate? O que é isso?
Nariko, rindo nervosamente, respondeu: — Corte Escarlate… se prepare para ouvir gritos de terror e ver poderes que desafiam qualquer lógica.
Chen Hua completou, séria: — Eles não vieram para brincar. Mortes em massa, destruição… e dizem que não erram.
Sora estreitou os olhos. — E eles são… cinco?
Himari fechou o punho. — Sim. E o Pentágono caiu como manteiga na frigideira.
Kazuto respirou fundo. — E a gente? Ainda varre chão e flores…
Lau apenas sorriu, encostando a vassoura.
— Vocês ainda vão aprender a lidar com a fera dentro de si. Quando vierem caçadores como a Corte Escarlate, vocês vão precisar dela. Até lá, continuem… limpando.
Ryo se aproximou de Kazuto, olhando para ele de lado.
— Não se preocupe tanto com eles agora. Concentre-se em não se machucar… de verdade.
Kazuto assentiu, sentindo que a tensão se misturava ao absurdo: enquanto todos tentavam limpar o pátio com poderes bizarros, uma ameaça real já estava em movimento pelo mundo.
O sol já alto, refletindo em garras, eletricidade, flores e tampas voadoras, parecia rir deles. Um dia, aprenderiam que o mundo não era tão engraçado quanto parecia naquele momento. Mas naquele instante, enquanto corriam, tropeçavam e se queimavam levemente, a lição era clara: sobrevivência também pode ser divertida… se você não morrer de rir antes.
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