Capítulo 1: Um dia Comum
A luz do sol atravessava a cortina fina e puída do quarto de Kazuto Arakawa, iluminando o pequeno espaço desorganizado que ele chamava de lar. O despertador antigo, comprado num mercado de pulgas pelo pai anos atrás, marcava 07:05 da manhã. Um zumbido metálico ecoou, insistente, até que uma mão sonolenta, ossuda e com pequenos arranhões de gato, o silenciou com um tapa.
Kazuto virou-se na cama, os cabelos negros desgrenhados caindo sobre os olhos semicerrados. O teto apresentava uma rachadura em formato de ramificação, e ele passava minutos encarando-a todos os dias antes de realmente se levantar.
— …Mais cinco minutos. — murmurou para si mesmo, a voz arrastada.
Mas cinco minutos nunca eram apenas cinco.
O quarto dele era apertado: uma escrivaninha de madeira lascada, cheia de livros didáticos amontoados e folhas rabiscadas com cálculos e frases incompletas. Na estante, uma fila de mangás usados que ele colecionava com dificuldade, ao lado de uma pilha de roupas mal dobradas. Um ventilador quebrado estava encostado no canto.
Do corredor, a voz da mãe se ergueu:
— Kazuto! Vai se atrasar!
Com um resmungo, ele se forçou a sentar. A rotina começava.
O banheiro era pequeno, com azulejos gastos e o espelho manchado. Ele se olhou: olheiras profundas, olhos castanho-escuros que pareciam sempre carregados de sono e uma expressão que raramente mudava. Enquanto escovava os dentes, pensou na prova de matemática que teria no primeiro horário.
“Hoje eu vou… não, não vou gabaritar. Só preciso não dormir na sala.”
Vestiu o uniforme escolar: camisa branca ligeiramente amarelada de tanto uso, blazer azul-marinho e calça preta. A gravata estava mal feita, mas ele não se importava.
Na cozinha, a mãe já arrumava a mesa. Era uma mulher de traços cansados, mãos ásperas de tanto trabalhar como balconista em uma farmácia. Colocou diante dele uma tigela de arroz e uma sopa leve.
— Come logo. — disse, sem olhá-lo muito nos olhos. — Seu pai já saiu cedo hoje.
Kazuto assentiu. O pai trabalhava como motorista de caminhão, quase nunca estava em casa nos horários de refeição. O silêncio entre mãe e filho era frequente; não havia brigas, apenas cansaço.
Ele comeu devagar, olhando pela janela a rua estreita do bairro: crianças com mochilas, o vizinho abrindo a padaria, um gato preto atravessando preguiçosamente a calçada. Tudo parecia normal, monótono.
— Vou indo. — disse, levantando-se.
A mãe apenas respondeu com um aceno, já voltando para a louça.
Kazuto ajustou a mochila nos ombros e saiu. O ar da manhã estava fresco, carregando o cheiro de pão recém-assado da padaria da esquina. As ruas ainda estavam tranquilas, com estudantes caminhando em grupos e ciclistas apressados.
Ele seguiu sozinho, como sempre. Era um jovem que se mantinha à margem: não era impopular, mas também não buscava atenção. Caminhava com fones de ouvido — um dos lados já não funcionava, mas ainda assim ele usava. Tocava uma música suave, abafando o burburinho da cidade.
No cruzamento, viu Yuta, colega de classe e um dos poucos com quem trocava palavras.
— Ei, Kazuto! — gritou o garoto, acenando. — Vai correr pra não se atrasar ou vai no seu ritmo de zumbi de sempre?
Kazuto deu um meio sorriso preguiçoso.
— Ritmo de zumbi. Sempre funciona.
Yuta riu, se juntando a ele no caminho.
A escola se erguia como um bloco cinza no meio do bairro residencial. Portões altos, guardas na entrada e dezenas de estudantes entrando. Era uma cena rotineira, mas sempre barulhenta.
Kazuto passou pelo portão, entregou o cartão de entrada ao segurança e subiu as escadas para o terceiro andar, onde ficava a Sala 3-B. O corredor cheirava a giz e produtos de limpeza baratos.
Ao entrar, viu seus colegas espalhados em pequenos grupos: alguns conversavam animadamente, outros revisavam anotações, e alguns simplesmente cochilavam sobre as carteiras.
Kazuto sentou-se no fundo, próximo à janela. Colocou a mochila no chão, apoiou o queixo na mão e observou o pátio lá fora. Gostava de ficar ali, onde o sol batia levemente no vidro, aquecendo a pele.
O professor de matemática entrou, óculos escorregando pelo nariz e pilha de folhas de prova na mão.
— Bom dia. Entreguem logo, sem enrolar.
Os estudantes resmungaram. Alguns pareciam confiantes, outros desesperados. Kazuto recebeu a folha, passou os olhos pelas questões. Suspirou.
“Tá, algumas eu sei… outras vou chutar. Normal.”
Enquanto resolvia, olhou de relance para Yuta, que parecia animado demais, escrevendo sem parar.
A manhã avançou entre provas, lições de história e a sempre entediante aula de inglês. Kazuto desenhava distraidamente nas margens do caderno, rabiscos de criaturas que ele nem sabia explicar. Quando a professora chamou seu nome, ele apenas levantou o rosto e respondeu com um “Presente” sonolento.
O sino tocou. O pátio fervilhava de vozes, gargalhadas e passos apressados. Barracas improvisadas vendiam pão recheado, sucos artificiais e onigiris.
Kazuto comprou um pão barato, sentou-se sob uma árvore no canto do pátio e comeu sozinho. Observava os colegas brincando, alguns jogando futebol, outros trocando figurinhas ou apenas conversando.
Yuta apareceu, mastigando algo.
— Sempre no mesmo canto, hein? Você devia socializar mais.
— Tô socializando com você. — respondeu Kazuto, mordendo o pão.
— Isso não conta! — Yuta riu. — Você devia sair com a galera depois da aula.
Kazuto desviou o olhar, vendo um grupo de estudantes rindo alto. Pensou em como não se encaixava nesse tipo de ambiente.
— Talvez um dia.
A tarde se arrastou. Ciências, literatura, e por fim educação física. Kazuto não era atlético, mas se esforçava o suficiente para não chamar atenção. Corridas, exercícios simples. Suava, mas sem reclamar.
Enquanto descansava, observou o céu — nuvens pesadas começavam a se acumular, cobrindo o azul. Sentiu uma estranha melancolia naquele instante, sem motivo claro.
De Volta Para Casa
A escola terminou. Estudantes corriam para clubes, trabalhos de meio período ou simplesmente para casa. Kazuto caminhava no mesmo ritmo de sempre, Yuta se despediu em outra esquina.
Ao chegar em casa, encontrou a mãe cochilando no sofá, ainda de uniforme da farmácia. Cobriu-a com uma manta e foi para o quarto.
Jogou a mochila no chão, ligou o celular e ficou rolando a tela sem propósito. Depois, abriu um dos mangás antigos e leu até o sono pesar novamente.
A noite caiu, e a cidade se iluminou pelas luzes artificiais. Kazuto deitou-se, encarando a mesma rachadura no teto.
“Mais um dia normal.” — pensou, antes de fechar os olhos.
Mal sabia ele que sua vida nunca mais seria comum.
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