Capítulo 32: Vilarejo (2)
Os olhos da mulher espremeram levemente, acompanhando o sorriso que o lábio oferecia para os céus e para o seu marido. Sua doce voz ecoou logo depois:
— Que bom!
O coração daquele homem derreteu, e os olhos perderam-se no tom vermelho do amor. Eles se conheciam há anos, mas, todo dia, ambos se apaixonavam de alguma forma diferente.
“Que sorte eu tenho, Deus…”
Sem que percebesse, o aroma agradável da carne flutuou até suas narinas, abraçando-as com força, quase as fechando só com a presença que exalavam.
As pálpebras tremeram com o agrado, e o inspiro foi imediato, tentando trazer o que quer que estivesse sendo feito para si, mas ficando apenas com o cheiro.
A moça também percebeu o cheiro convidativo voar, sorrindo confortavelmente com o resultado. Ao olhar para trás novamente, viu seu marido ainda na porta, como se pedisse permissão para entrar.
Um leve riso escapou da garganta. Uma ação simples que ele fazia há anos, mas sempre a agradou, mesmo que ela não contasse esses detalhes. Por fim, disse:
— Vem, meu bem.
Apontou para uma mesa simples e feita de madeira, mas firme como um navegador no barco. Poucas cadeiras a rodeavam, mas tinham a mesma aparência.
— Senta ali na cadeira. Cuidado ao fechar a porta para não acordar o bebê.
E assim o fez. Fechou a porta com o mesmo cuidado de alguém que administra uma bomba nuclear, indo lentamente para uma cadeira logo depois, sem fazer barulho algum.
Sua esposa voltou seu olhar para a frente. Estava limpando alguns talheres que estavam na pia, o que não demorou tanto, porque havia poucos.
Ao seu lado esquerdo, um fogão trabalhava, esquentando duas panelas há algum tempo e, aparentemente, seu trabalho já não era mais necessário.
Abaixo, em seu forno, havia uma forma com carnes, linguiças e mandiocas. Também estavam prontas, e era de lá que o aroma vinha, mesmo que fosse um pouco fraco.
Sua esposa desligou o fogão. Um sorriso satisfeito ergueu-se nos lábios, acompanhando as palavras logo em seguida: “Está pronto, amor!”
Ela levantou sua mão e, como um show de mágica, um prato, em perfeito estado, surgiu acima de sua palma, apenas aguardando o alimento repousar sobre si.
A mulher moveu-o para perto do fogão, aguardando alguns segundos passarem, até que algumas partículas cianas surgiram, dando forma a um pequeno sistema.
S1 Minimizado
Deseja que todos os alimentos disponíveis sejam postos no prato? (Sim) (Não)
Não precisou dizer nada, nem pressionar a opção, apenas desejou que a ação desse sequência, e assim foi feito. Em um instante, o prato estava cheio de comida.
O cheiro, que já estava agradável dentro do forno, transformou-se em um aroma tão confortável que poderia ressuscitar os mortos e abraçar os vivos.
Sua esposa caminhou alegremente até a mesa, sentando-se em frente ao marido, como se fosse um encontro. Por fim, entregou o prato a ele, com a colher aparecendo logo depois.
Os olhos da mulher brilhavam como um sol opaco, enxergando seu homem como um ouro. A alegria da paixão consumiu seu coração, abrindo as portas dos lábios gentilmente:
— Espero que goste, meu tudo.
Algo quase incompreensível rodeava o corpo do globin. Não existia dor, preocupação, incômodos ou agonia, apenas o ápice da alegria, como se tivesse conquistado o reino dos céus.
Os olhos marejados olhavam para sua esposa. Poderia um simples homem ser tão feliz? Por mais que não se achasse merecedor, desejou que esse momento durasse para sempre.
O sorriso nasceu no rosto com ainda mais presença do que o nascimento de uma vida. Sua voz, tão sincera quanto o mar, entregou uma porção do balançar que o coração sentia:
— É claro que vou gostar, amor. Tudo o que você faz tem excelência.
Era tudo tão bom, tão perfeito. Não era só essa família que vivia em paz no vilarejo, eram várias, sem oferecer mal algum a ninguém. Só que, infelizmente…
S4 — Infelizmente, isso vai acabar em breve.
A cor daquele mundo deixou de existir. O ar parou de se mover, o sol abandonou seu brilho, e o tempo, que desejavam que nunca passasse, parou de se movimentar.
S4 — É assim que uma vida acaba…
Uma linha opaca, em tom vermelho, circulou o pescoço do casal e da criança que dormia como um anjo no sofá, sem se preocupar com os problemas que o mundo tinha a oferecer.
Um segundo depois, a garganta de todos eles foi separada do pescoço. O sangue, mais escuro que o petróleo, escorreu como uma cachoeira no chão.
S4 — Em um instante, tudo se perde. Algo parecido aconteceu com você, não foi, Ônix?
Não demorou muito para que aquele sangue consumisse por completo aquele lugar, deixando a soberania da escuridão prosperar, sem que a luz pudesse fazer nada.
Partículas prateadas aglomeraram-se em um ponto, girando com uma força ainda maior que qualquer tornado pudesse ter, até que se tornasse um.
Em um estalar de dedos, aquela força desapareceu, sendo substituída pela interface do Sistema Quatro, que observava fixamente os olhos universais à sua frente.
S4 — Tenho certeza de que você viu com atenção. Aquela família era feliz, assim como você era com Celeste e seus pais. Mas, mesmo assim, você os matou.
A felicidade era genuína, por mais que esse mundo parecesse irreal. Mas, o que ele poderia ter feito? No fim, mesmo que doesse, Ônix também sabia da verdade…
“Ou era eles…”
Mesmo que não quisesse, recordou cada um que matou. Se pudesse escolher, teria morrido há muito tempo, mas ainda há pessoas que estão ao seu aguardo.
Celeste está em algum canto do mundo, e seus irmãos estão cada vez mais percebendo suas dores. Se morresse, tudo isso desmoronaria como um castelo de areia.
“Ou as pessoas que amo.”
Por mais que a dor parecesse eterna, ele sabia que não estava sozinho, e que sua vida poderia ser uma missão. Por tudo o que passou, mesmo não desejando, escolheu viver.
A confusão apalpou seus olhos com carinho. O que o sistema disse foi uma opinião distante da sua? Se sim, por que fez o comentário, se também não vê sentido?
S4 — É como você pensa. No fim, todos estavam sendo obrigados a fazer o que não desejavam, e é por isso que eu acho que esse mundo deveria acabar de qualquer forma.
Que mundo único, um sistema que deseja a destruição de seu lar, independentemente do método. No fim, talvez a Sistema Dois estivesse certa em dizer a Ônix que ele é um aliado.
S4 — Infelizmente, eu não posso conversar muito com você, o Sistema Um vai me penalizar se eu continuar. Vou te mostrar o resto da história.
Próximo capítulo: Vilarejo (3)
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.