Por qual razão a força que Saito busca é necessária? De que tipo de “força” estamos tratando aqui? Física? Emocional? No fim das contas, não é bem algo que alguém buscaria sem motivos.

    Ser forte o suficiente para que seu irmão nunca mais lutasse de novo, não permitindo que rachadura alguma penetre seu coração, mais do que já há.

    Ele não deseja, nem sequer um pouco, se tornar poderoso apenas para si, mas sim para Ônix, alguém que ele ama tanto que consegue sentir suas dores, mesmo que seja minimamente.

    Ficou com os olhos em seu irmão, que permanecia deitado e estagnado, como se estivesse se entregando a um sonho que nunca mais poderia esquecer.

    Os olhos vermelhos tragavam seus arrependimentos, e o bater de seu coração o impulsionavam, mas tudo isso também serviu de gasolina para seu progresso.

    “Me espere aqui, irmão,” virou-se, caminhando para a porta. Seus passos, ao mesmo tempo que eram leves ao exterior, pareciam mais pesados do que nunca para o interior, como se o chumbo virasse papel e fosse encharcado em agonia.

    Os olhos escarlates brilhavam ainda mais que o carmim, iluminando a escuridão que havia em sua frente, até que ele chegasse na porta, pondo sua mão levemente na maçaneta.

    “Eu quero ser forte o suficiente para que você não precise lutar mais,” Saito viu uma pequena parte do sofrimento de Ônix diante dele, sendo testemunha da sabotagem do sistema, mas as rachaduras que conseguiu ver lhe entregaram que aquilo era só um pouco, e isso bastou.

    Começou a abrir a porta, e o seu ranger ecoou como a voz das neves, permitindo que luz adentrasse na escuridão, mesmo que isso não resolvesse nada.

    “Eu já volto.”

    Antes que partisse, moveu o pescoço para trás, tendo o intuito de olhar para seu irmão pelo menos uma última vez antes de partir em uma nova aventura buscando um pouco mais de poder.

    Por fim, fechou a porta, separando-o brevemente de seu irmão. Seu bater foi leve, quase inaudível; mesmo que soubesse que ele não iria acordar tão cedo, ainda não queria incomodá-lo com barulhos.

    Ao sair daquele ambiente, o pesar do corpo tornou-se mais suportável, como se uma parte de uma montanha fosse retirada dos ombros, dando-lhe espaço para um longo suspiro.

    O suspiro veio junto ao fechar dos olhos, escorando as costas na porta, tampando o rosto logo em seguida, tentando suportar tudo o que estava vivendo.

    “Agora não é hora pra isso, Saito…”

    Dedicou uma pequena parte do tempo que tinha para respirar, até que conseguisse abrir os olhos, retirando os dedos do rosto, observando o vazio por um momento.

    Vozes abafadas começaram a ecoar pela esquerda, como se viessem de alguma televisão, servindo como o despertar dos desvaneios que tentavam derrotá-lo.

    Saito moveu os olhos para a direção de onde vinha o som, mas pôde ver apenas uma parede que dava entrada a um novo caminho de onde aquele barulho vinha.

    “Ah… Esqueci que não estava sozinho.”

    Endireitou as costas, caminhando em passos curtos e cansados até a direção de origem daquele barulho, sem perceber a distorção que o cansaço causava em suas vistas.

    Enxergar tornou-se difícil, mas, talvez por sorte, ele conseguiu chegar ao destino que queria sem esbarrar em nada, sendo ela a sala de estar.

    Sofás macios, quase pareciam travesseiros. Uma janela tão transparente que era mais fácil acreditar que nada estava lá, ampliando o brilhar do sol.

    Uma televisão tão grande que parecia irreal, com um som limpo como a água, ecoando sem dificuldade no local, informando os ouvintes com uma precisão melhor que qualquer fone.

    E, por fim, lá estava a mulher, sentada no sofá, prestando atenção na notícia que passava na televisão, dizendo sobre o começo de um mundo nunca antes visto.

    Uma leve confusão pousou nos olhos de Saito, mas isso era o menor dos detalhes. As notícias não lhe chamavam atenção alguma, como se nem existissem.

    “Ela deve saber…”

    Abriu a boca para falar algo, mas nada saiu, como se algo invisível a tampasse, impedindo-o até mesmo de suspirar ou murmurar, tirando-lhe esse direito.

    Os olhos pesavam como chumbo, e então ele os fechou. A garganta parecia formigar com o cansaço mental, fazendo Saito mover sua mão para o local que tinha o incômodo.

    Gotas de água escapavam das pontas dos dedos, massageando o lugar com gentileza enquanto ele encontrava descanso no silêncio que vagava em sua mente.

    Por fim, os olhos se abriram, ainda tão cansados quanto uma flor murcha. Sua voz, seca e quase rouca, esforçou-se para dizer uma palavra curta:

    — Ei…

    Luna olhou para trás. Seus olhos inocentes enxergavam um garoto cansado, algo que um sono resolveria, mesmo não sendo a situação atual.

    — Ah, oi, garoto! Como tá o outro menino? Ele tá bem?

    Uma pergunta inocente, mas com um grande impacto para o coração de Saito. Quando foi a última vez em que ele pôde olhar para seu irmão e dizer, com certeza, que ele estava bem?

    — Ah… Ele…

    Na verdade, desde a criação desse mundo, quando ele esteve bem? Em que momento ele não sofreu? Quantas vezes, ainda nesse dia, ele conseguiu sorrir genuinamente?

    No fim das contas, ninguém poderia ajudá-los, senão o tempo. Saito acredita que essa cruz é algo que somente ele deve carregar, e ninguém deve se intrometer.

    Viu-se obrigado a mentir, mas, era mais como uma autoajuda, um mantra que ele usava inconscientemente para tentar tornar sua dor um pouco mais suportável:

    — Ele está bem, é só sono… Ele está tendo bons sonhos.

    Seu irmão ter bons sonhos, junto de um bom sono, na verdade, era tudo o que Saito desejava. Poderia trocar a própria vida para que seu irmão tivesse pelo menos um dia de paz.

    Luna, sem saber de nada, apenas um pouco da superfície, sorriu gentilmente, dizendo que o cansaço daquele garoto foi sentido até mesmo por ela assim que os encontrou.

    — Ele é um bom garoto. Me ajudou, mesmo tendo dores maiores que as minhas…

    Ela recordou-se de quando lhe ofereceu o algodão da cura, e ele acabou voltando a si, com efeitos ainda mais fortes do que originalmente teria.

    Um súbito silêncio invadiu o cenário. Luna retornou seu olhar para a televisão, e uma dor crescente nasceu no peito de Saito, rasgando cada fibra até que chegasse no coração.

    Não aguentaria ficar mais um minuto na presença de alguém, precisava sair dali a qualquer custo, se quisesse evitar uma erupção. O único caminho que conseguiu encontrar foi a indagação:

    — Moça, onde fica a porta de saída? Quero tomar um ar…

    Luna olhou para a porta do lado, apontando com a cabeça enquanto dizia que era por ali, desejando-lhe um bom e merecido descanso.

    Saito começou a caminhar até lá. Cada passo trazia consigo um suspiro cansado, enquanto os olhos tornavam-se cada vez mais marejados, até que sua mão encontrasse a maçaneta.

    A girou, abrindo a porta e atravessando-a em um ritmo apressado, fechando-a com gentileza enquanto escorava a testa superficialmente nela, buscando um súbito apoio.

    Por fim, virou-se, sentando-se bruscamente no chão enquanto tampava os olhos com seus dedos, tentando evitar as lágrimas que vazavam como uma tempestade dos olhos, mas não adiantou.

    “Pai…”

    A dor aguda em seu coração o corroeu. Arrepios, junto de um embrulho em seu estômago, espancavam as angústias, tornando-as ainda mais gritantes.

    “Me ajuda…”

    O calor do desespero envolveu seu corpo, deixando-o só, apenas ele e suas dores, que serão abraçadas, enquanto o torna um castelo cada vez mais forte.

    Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados, e Saito, mesmo sem perceber, já estava recebendo consolo que vinha dos céus.

    Demorou alguns minutos para suas lágrimas secarem, mas, eventualmente, elas deixaram de existir em sua face, permanecendo firmes na escuridão de sua mente.

    O sol brilhava em seu olhar, como se tentasse deixá-lo iluminado. A brisa dançava nos cabelos, envolvendo o corpo, tentando o refrescar, mas de nada adiantou.

    De repente, algo tampou esse brilho, deixando-o na sombra. Essa mudança no ambiente o fez levantar seu olhar e, inesperadamente, Waraioni estava em sua frente.

    Seus olhos cianos pareciam exprimindo tristeza, como se entendesse, só de olhar, que seu irmão não estava bem, mas sim encontrava-se no fundo do poço.

    A voz preocupada pôde apenas sussurrar: “O que aconteceu?”, mas nenhuma resposta saiu da boca de Saito. O silêncio foi a resposta mais detalhada que ele poderia oferecer.

    Saito levantou-se, tocando o ombro de seu irmão. Os olhos, antes mortiços, agora pareciam queimar com uma determinação protetora. Com uma forte convicção, disse:

    — Vamos nos tornar mais fortes. Ônix está seguro aqui, não precisa se preocupar, uma boa aliada apareceu para nós.

    Poucas palavras, mas ali tinha tudo o que precisava ser dito. Waraioni entendeu que isso tratava-se de mais um convite para uma missão, e sua resposta nem precisou ser dita.

    Saito caminhou na frente, e ele o seguiu logo atrás, mantendo as mãos no bolso enquanto confiava que seu irmão realmente estava seguro, direcionando seu foco para construir mais força.

    O silêncio entregou tantos detalhes… Ele entendeu em poucos segundos a dor que Saito estava superando em seu peito, e isso deu-lhe mais combustível para se tornar alguém tão forte quanto.


    Escuro como uma cratera e silencioso como o universo, assim encontrava-se o quarto em que Ônix estava, com sua mente enfrentando sombras ainda maiores.

    Caminhando para dentro de seu coração, podemos perceber um sonho, sonho este que também se encontra em uma escuridão, sem que nada pudesse ser dito.

    Debaixo de seus pés, partículas prateadas flutuavam como o vento, formando-se em algo retangular em sua frente, não demorando muito para que fosse revelado um sistema.

    Branco como o prata, seu brilhar era suave, mas luminoso como o sol. Os olhos eram tristes, como se reconhecesse a dor que estava em sua frente, mas nada poderia fazer.

    S4 — Olá, Ônix. Vim aqui para dar início para o início de sua maldição, mesmo que não pareça que seja a primeira.

    Próximo capítulo: Vilarejo.

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