Capítulo 11: Pessoas
A absorção foi concluída. Todas as dores vieram consigo, desde o medo, frustrações, raivas e principalmente o que mais lhe acompanhou: solidão.
Desespero que se multiplicava como cacos de vidro abraçava a ausência de amor que o Dummy recebeu desde que veio ao mundo, quebrando essa maldição em sua morte.
Dos olhos de Ônix, lágrimas caíam como uma tempestade disfarçada de chuvisco. Seu primeiro assassinato veio com um grande sacrifício interno.
Desse momento em diante, carregará a alma de quem matou, mas, para a “vítima”, isso foi uma salvação, sendo livrado de todo sofrimento que vivera.
Curiosamente, seu corpo ainda estava estirado no chão, sendo abraçado pelo sangue, com o buraco no peito sendo tão predominante quanto uma caverna.
Ônix juntou as mãos em oração, fechando os olhos em despedida, desejando que sua mais nova sombra tenha um bom descanso em seu interior.
Mesmo com todos esses eventos traumáticos acontecendo em um único dia, com grandes possibilidades de ainda poder piorar, ele clamou pela ajuda de seu Criador e Salvador:
“Ajuda-me nesta missão, meu Pai Yahuah Tzevot. Torna-me tão forte quanto Yahusha, o Messias, quando foi crucificado…”
Independentemente do que quer que aconteça, sua fé permanecerá inabalável, e a força que clamou certamente lhe será dada em extrema quantidade.
Assim que sua oração deu fim, começou a andar sem rumo, fitando o chão com olhos caídos, sentindo seu peito gritar, como se rachaduras se instaurassem.
Sua voz cansada, quase rouca, ecoou para seus companheiros: ”Bora…”, convidando-os a acompanhá-lo na busca por uma saída daquele lugar.
Ninguém disse uma única palavra, apenas baixaram a cabeça e o acompanharam? Não sabiam o que dizer? Ou simplesmente não se importavam? Não, muito pelo contrário.
Preste atenção, meu querido leitor: às vezes, o silêncio ajuda mais em uma situação trágica do que piadas. Nesse momento, o silêncio se instaurou, mas carregava compreensão…
Não só isso, também trazia o luto. Todos compadeciam com a dor de Ônix, sentindo-a em seus próprios peitos, e o silêncio foi o melhor abraço que encontraram.
Os passos ecoavam suavemente, como gotas d’água caindo no mar, ondulando a injustiça que esse mundo tinha de sobra, buscando a esperança.
De repente, um bum-p atingiu seus peitos. Um peso invisível começou a pressioná-los sem aviso, como se incontáveis montanhas fossem impostas sobre seus ombros.
O chão começou a tremer. O que estava acontecendo? Um terremoto? Um novo inimigo? Não; algo muito pior do que todas essas opções estava chegando.
Uma névoa vermelha, densa como uma nuvem, começou a emergir tanto do solo quanto das paredes, encharcando aquele local cúbico com sua presença.
Uma sirene, tão grave quanto uma explosão solar, explodiu como se gritasse em desespero, sinalizando para todos os presentes e ausentes que uma divindade estava a chegar.
Misturado ao alarme ensurdecedor, uma voz robótica repetia a mesma mensagem sem parar, com um tom tão incômodo quanto o alarme:
— Aviso! Algo inesperado aconteceu. A entidade Dummy001 perdeu sua capacidade de ressurreição! Todos os jogadores serão forçadamente expulsos dos desafios para manutenção do sistema! Aviso…
De repente, tudo desapareceu como um buff, suave como um sussurro, restaurando a antiga paz que aparentava existir, restando apenas o silêncio.
Um arrepio abraçou o corpo de todos os presentes, como uma mãe narcisista que “consola” o filho. Um breve zumbido ecoou pelos ouvidos, junto a um tom ciano diante deles.
Uma pressão esmagadora pousou sobre os corpos presentes. Um enorme sistema ciano estava diante deles, com um semblante de desprezo e olhares reprovadores.
S1
Ora, ora…
Sua voz era doce e gentil como a de uma inocente criança, mas seu tom era de um guerreiro desprezível, tão impiedoso quanto seu olhar e aura.
S1
O que temos aqui?
Transportou-se para o lado do Dummy, com os olhos torcidos em raiva, percebendo que não havia mais vida em sua marionete favorita.
S1
Quem foi o imundo que fez isso?
Saito debatia-se internamente, sentindo como se estivesse preso em uma teia de aranha, não conseguindo nem soltar um único suspiro de esforço.
Waraioni enrijecia cada minúscula parte do corpo, mas nada parecia se mover. Uma força invisível sobrepujava todas as suas vontades como se não fosse nada.
Entretanto, desafiando todas as lógicas, Ônix levantou-se como se não sentisse nada, fitando o fundo dos olhos daquele sistema com seriedade.
— Fui eu.
Como conseguia mexer-se? Seus poderes o tornavam imune? Não. Sua dor interna simplesmente o impedira de sentir o desafio externo, tornando fácil escapar daquela pressão.
O sistema surgiu à sua frente, indagando se agira de propósito, observando-o fixamente com um olhar cortante que parecia querer matá-lo a qualquer momento.
Ônix negou, dizendo que fora apenas um efeito de um poder que esse mundo lhe havia dado: a maldição em tornar as pessoas suas sombras carregadas em dor.
S1 desejou verificar se as informações dadas eram verídicas, começando a observar o interior do jogador à sua frente, buscando por respostas.
O corpo de Ônix flutuou involuntariamente, envolto em uma energia ciana que parecia ser os sussurros da luz de tão opaca que era.
Saito e Waraioni finalmente se soltaram de suas amarras, encarando o Sistema com cautela e determinação, prontos para darem a vida por seu irmão.
Saito moveu os dedos para o cabo da katana, cobrindo-o como um véu, de prontidão para sacá-la quando fosse necessário, com o instinto de cortar no nível mais alto.
Waraioni entrou em guarda. O suor frio descia de seu rosto tão lentamente quanto uma lesma, mas isso não tirou nem um pouco de seu foco, que estava no auge.
O sistema os encarou de volta, com os olhos ainda tão impiedosos quanto nunca. Disse: “Não estou aqui para feri-los”, retornando a atenção para o garoto amaldiçoado.
Mesmo com seu aviso, a dupla de irmãos não abaixou a guarda, mantendo-se atenta a qualquer mínimo sinal que ameaçasse seu pequeno irmão.
Aquela energia se desfez, interrompendo a levitação de Ônix, pousando-o gentilmente no chão como se braços invisíveis o guiassem.
S1
De fato, não tem nada de errado… Fazer o quê.
O sistema desapareceu abruptamente, deixando o silêncio recuperar seu reinado e as leves brisas retornarem de seus pequenos esconderijos.
Saito e Waraioni correram até seu irmão em preocupação, mas relaxaram ao ver que estava tudo bem com ele e, aparentemente, tudo estava normal.
Passos leves começaram a ecoar próximo a eles, caminhando em sua direção como quem segue um mapa com um tesouro escondido.
Ao virarem-se para ver, notaram Morfius, aparecendo só depois de todos esses eventos encerrarem, como se nada de ruim tivesse acontecido há pouco tempo.
— E aí? Deu tudo certo?
Um enorme bocejo dominou seus lábios. Os olhos apertaram enquanto lacrimejos escapavam dali como gotas de chuva, entregando seu sono.
Uma súbita raiva floresceu no peito de Waraioni, fazendo-o indagar o que o sujeito estava fazendo até então. Surpreendentemente, essa foi sua resposta:
— Tava dormindo. Acordei agora há pouco com uma barulheira danada.
Um arregalar incrédulo nasceu nos olhos de Waraioni. Saito suspirou brevemente, aceitando que essa situação não era algo que valia a pena lidar.
De repente, um pequeno sistema em tom ciano surgiu diante de Morfius, pronto para entregar a mensagem de que a missão havia sido um sucesso.
S1 Minimizado
Parabéns! Você concluiu sua missão com êxito. Os poderes prometidos serão dados agora.
S1 Minimizado desapareceu logo após. Um abrupto silêncio nasceu das cinzas, sem alteração no cenário, como se nada estivesse acontecendo.
Não demorou para que o corpo de Morfius começasse a levitar, envolto em uma energia amarela que cobria sua aparência com uma imensa luz.
Pouco depois, essa mesma energia explodiu em partículas pequenas, devolvendo-o ao solo. A aparência permaneceu sem alteração alguma.
— Opa… Acho que funcionou. Sou muito grato pela ajuda de vocês.
Ônix não respondeu, apenas estapeou a camisa algumas vezes para expulsar a poeira que ali morava. Waraioni suspirou profundamente, tentando expulsar sua indignação.
Uma nova mensagem do sistema apareceu diante de todos, notificando que o teletransporte ocorreria em nove segundos. Desde a ressurreição de Ônix, o encontro com Morfius e seus irmãos, a aceitação do desafio de troca de poder e sua conclusão. Tudo isso foi apenas uma tarde.
Ao retornarem, o cenário não estava vazio como antes. Agora havia incontáveis “humanos” andando pela cidade, mas não é bem assim que esse mundo funciona.
O Sistema criou seres quase idênticos aos humanos e os enviou somente aos lugares carentes de população, como a cidade dos três irmãos.
Eles possuem emoções, motivações, racionalidade e tudo mais que a espécie humana normalmente tem. No entanto, mesmo que pareça, eles não têm uma alma, sendo chamados de “NPC”.
Acima de cada um deles, havia algumas bandeiras: ícone de punho e castelo, ambos em vermelho, indicando missões de combate e guilda.
As missões verdes, com ícone de floresta, simbolizam missões pacíficas, com as menores recompensas e menos influência. Por fim, o ícone de bandeira amarela representa missões de exploração, com recompensas variáveis conforme o tamanho do mapa.
Alguns NPCs podem dar missões diferentes, mesmo que sejam oferecidas simultaneamente por grupos de qualquer tamanho. Exemplo: se o grupo de Ônix pegar uma missão, dependendo de qual seja, cada um ou alguns serão enviados para locais individuais com termos diferentes.
Por último, e não menos importante, a idade de cada NPC é determinada pelo tamanho das histórias que tiveram desde sua criação até o momento atual.
Todas essas informações foram lidas em voz alta por Morfius, que abriu o Menu e as encontrou ao explorar a interface do Sistema de Jogo.
Enquanto conversavam, uma criança com roupas infantis os observava. Um ícone de punho vermelho estava sob sua cabeça. Ela começou a caminhar até eles.
Próximo capítulo: Folhas do Aprendizado.
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