Capítulo 12: Folhas do Aprendizado
Lá estava ela: uma criança tão pequena quanto um macio algodão, mas a presença tão leve quanto uma gentil folha que flutua, deixando-se levar pela brisa do ar.
Seus olhos, grandes como bolinhas de gude e tão brilhantes quanto luminares, fitavam o olhar estrelado de Ônix com uma curiosidade palpável.
“Que olhinhos lindos… E tão estranhos também…!”
Aproximou-se ainda mais em passos lentos. Suas narinas cheiravam o ar discretamente, como se desejasse farejar a resposta que não se encontrava visível.
Saito deu uma leve olhada para o lado, observando a criança focando sua atenção no seu irmão, com a cabeça inclinada como um cão, tentando entender algo.
Deu leves toques em Ônix, apontando para a criança com o rosto enquanto perguntava: “Conhece aquela pequena ali? Tá te vendo há um tempão.”.
Ônix a olhou de volta, observando um enorme sorriso surgir em seu rosto ao perceber que foi notada. Respondeu brevemente que não a conhecia, aproximando-se dela.
A criança fez questão de correr até ele ao perceber que estava se aproximando. Ônix agachou, esperando a pequena chegar perto de si por conta própria.
Ao chegar, deu leves pulos, como se o chão fosse de elástico. O enorme sorriso cobrindo seus lábios mostrava que alguns dentes ainda não haviam se formado.
— Ei, tio, tio!
Moveu seus pequenos dedos para a região abaixo dos olhos de Ônix, circulando-a com carinho como se fosse um conhecido próximo massageando o rosto.
— Seus olhos! Como são tão estranhos?!
Ônix ficou confuso por um momento, a transição foi brusca demais. Até pouco tempo atrás, estava ocupado demais pensando em suas dores internas…
De um momento para o outro, uma criança inocente saltitava perto de si, questionando uma característica marcante em si, mas não por mal.
— Ah, meus olhos…?
A resposta foi vaga, mas o motivo para isso é muito simples: sua inocência banhada em luz, por um momento, o retirou da maldade moldada pelo abismo em seu coração.
— Sim! Eles são escuros, mas também têm uns pontinhos brancos… Como você fez isso, tio? Eu quero também!
Ônix ainda não se acostumou com essa mudança abrupta, tornando sua mente um breve caos que constantemente se perde em seus próprios desvaneios.
Algumas vezes, perdia-se na inocência da criança, outras com indagações, como: como é possível alguém tão humano não possuir uma alma?
— Não sei te dizer, pequena, nasci assim…
Nascimento, o princípio de uma vida… Ônix refletiu brevemente nisso, movendo seus olhos para o chão enquanto indagava a si mesmo em como sua vida começou.
Inspirou discretamente pelo nariz, como se puxasse suas dores de volta para o peito, guardando-as lá em um pote ainda mais fechado do que os de azeitona.
Juntando forças de onde não tinha, forjou um sorriso, fechando os olhos gentilmente para que parecesse genuíno, forçando uma falsa alegria nos lábios e no olhar.
— Mas, e você, pequena? Está perdida?
A criança balançou o rosto incontáveis vezes, como se expulsasse formigas da bochecha, apenas para sinalizar que a suposição de seu mais novo amigo estava errada.
— Eu estava muito entediada em casa, mas daí eu saí um pouco e achei você!
O mundo realmente apresenta personagens de uma forma inusitada na vida de todos. Ônix forçou leves risos enquanto fazia carinho no cabelo da pequena, dizendo que havia entendido.
Pouco depois, sugeriu apresentações, dizendo o nome dele para a pequena. Ela, por sua vez, disse que seu nome era Carol, complementando que “Ônix” era um nome estranho, mas um estranho legal.
Só foi depois de todos esses eventos que Carol olhou um pouco atrás de Ônix, percebendo seus companheiros observando-a com olhos fixos em sua fofura.
Esticou seu braço para eles, apontando para os mesmos como se fossem seres estranhos. Disse: “Tio, olha! Quem são eles?” enquanto uma leve curiosidade pousou em seu olhar.
Ônix disse que cada um deles era seus amigos, citando suas principais características de uma forma bem simplificada para que Carol entendesse.
Olhos escarlates como o fogo, um cabelo ainda mais azul que o céu, um corpo tão resistente que parecia ser revestido com diamante bruto: Saito.
Olhos cianos como o mar, cabelo escuro e curto, mas liso e bem penteado. Uma enorme cicatriz em ambas as bochechas e uma cara de psicopata malvadão: Waraioni.
Por fim, um rosto bobo e neutro, pele lisa e morena, revestindo seu corpo treinado, desde os pés à cabeça, tendo pouca presença no cenário: Morfius.
Carol aproximou-se de Saito lentamente, impressionada com a altura do mesmo, parecendo-se com uma montanha que o próprio sol se oferece para iluminar.
“Que alto!”
Animada como sempre, perguntou: “Tio, tio! Como faz para ser alta e maromba assim?”. Uma pergunta boba, mas que fez Waraioni rir brevemente devido à forma de falar.
— Tem que comer bastante, garota! Principalmente frutas e proteínas!
A resposta acompanhou o sorriso que nasceu nos lábios, servindo de grande incentivo para que ela tivesse uma alimentação saudável futuramente.
Ao olhar para o lado, lá estava Waraioni, rindo inocentemente; no entanto, na visão da garota, alguém tão imponente quanto um pálido castelo escondia suas maldades no sorriso.
“Que medo…”
Um pouco acanhada, perguntou: “Tio… Por que você parece um sociopata malvadão?”. Que pena… Mais um dia triste para um homem “comum” que possui uma enorme cicatriz.
Saito gargalhou, apontando para Waraioni, que estava com uma cara de bunda, sem conseguir encontrar alguma resposta que não fosse ofensiva.
Carol, ao ver que nenhuma resposta surgiu, resolveu interagir com o último integrante à vista, que manteve-se com o rosto neutro o tempo todo: Morfius.
Na imaginação da garota, por algum motivo, seu rosto moreno parecia ter longas bochechas, dando-lhe a impressão de que o mesmo era alguém bobo e fofo.
“Que bochechão…!”
Apontou o dedo para ele, sorrindo radiantemente, dizendo que achou ele tão fofo quanto um ursinho de pelúcia ou um macio travesseiro.
Morfius, por sua vez, não disse nada, apenas sorriu gentilmente, pensando internamente no quão fofa aquela pequena era, desejando que assim fosse para sempre.
Durante todo esse tempo, Ônix estava parado, reflexivo, olhando para o solo sem pausa enquanto sua mente se perdia cada vez mais em desvaneios.
“Carol… Criação desse mundo…”
Sim, Ônix, não é a primeira vez. Recordou-se do Dummy, também uma criação deste mundo, mas, ao contrário de Carol, sua vida era tão vazia quanto o nada.
“Qual a diferença entre eles…?”
Enquanto Carol é uma criança inocente que não sabe os males da vida, Dummy, desde seu início ao fim, não conseguiu experimentar dez minutos de felicidade.
“… Nenhuma.”
Sua visão começou a escurecer. O chão não parecia mais ser asfaltado, e sim um petróleo que o sugava como uma areia movediça impiedosa.
“E eu o matei…”
A escuridão tornou-se vermelha, simbolizando o sangue que o guerreiro cinza havia perdido quando foi morto pelas mãos do dono das sombras.
O ar cheirava a um ferro desconhecido, grudando nas narinas como se fossem névoas pensantes, insistindo em fazê-lo lembrar do evento que aconteceu há pouco tempo.
“Matei alguém tão inocente quanto Carol…”
Isso é verdade. Querendo ou não, uma vida foi tirada, mesmo que contra a vontade de todos que participaram, mas o que mais poderia ter sido feito, Ônix?
Um zumbido começou a ecoar pelos seus tímpanos, cortando aquele mundo cheio de sangue em que Ônix estava, levando-o para uma sala totalmente escura.
— Não pense assim…
A voz ecoou como um trovão cortante, mas era suave, como um sussurro e familiar até demais, ressoando no coração do guerreiro amaldiçoado, como se a própria voz morasse nele.
Olhou do lado esquerdo ao direito, mas nada encontrou. Por um momento, pensou que estava ouvindo coisas, mas seus instintos sussurravam em seus ouvidos para que olhasse para trás.
Lá estava ele, o Dummy que havia matado, observando-o com olhos tão compassivos que poderiam ser confundidos com algum anjo bem conhecido.
— Você me carrega em seu interior sem cobrar nada, lavando minhas dores, transformando-as em suas. Você me salvou, me presenteando com a morte.
Ônix paralisou-se por um momento. Desde quando a morte é um presente? Para ele, foi o fim de tudo, mas para o guerreiro cinza à sua frente, foi uma bênção?
A semente da dúvida foi plantada em seu coração. Em algumas ocasiões, não haverá problemas em matar? Ou, em todas as ocasiões, é errado?
No fim das contas, a resposta que ele encontrou no futuro veio junto do quebrar de seu coração ao matar uma parte de sua alma, tornando-se a própria morte.
O chão começou a se asfaltar de pouco a pouco, trazendo-lhe de volta para a realidade enquanto a luz do sol expurgava o rancor da escuridão.
— Vá. Siga a garota, ela lhe trará uma das infinitas respostas que você pode encontrar.
Sem que percebesse, Carol já estava em suas costas, abraçando seu pescoço enquanto mordia sua orelha, repetindo seu nome incontáveis vezes.
Assim que voltou a si, acariciou o cabelo da garota, repetindo algumas vezes que estava ouvindo claramente sua voz tão aguda quanto um apito.
— Tios, vamos para a minha casa! Mamãe e papai saíram para viajar… Meu vovôzinho ficou tão sozinho desde então…
Um tanto quanto inesperado para eles, mas tinha como negar o pedido de uma anjinha tão fofa quanto Carol? Exatamente, leitor, impossível dizer não.
Para uma surpresa de zero pessoas, eles aceitaram o convite da criança. Um enorme sorriso substituiu sua face; os olhos brilharam como um farol.
Pulou animadamente das costas de Ônix, saltitando em sua caminhada enquanto dizia que iria guiá-los para sua casa, rumo ao encontro com seu avô.
Nessa breve caminhada, tudo já se mostrou diferente. Antes, tinha apenas as canções dos pássaros, os latidos dos cachorros e os miados dos felinos.
Agora, carros passavam em abundância e pedestres tinham aos montes, entretanto, todos eles eram NPCs vivendo como humanos comuns em um universo incomum.
As canções foram substituídas pelos sussurros das fofocas, as buzinas eram ainda mais predominantes que a brisa do ar, e o silêncio deixou apenas saudades.
Sem que percebessem, já estavam em frente ao portão da moradia de Carol, uma casa simples, mas com características marcantes em si.
As gramas dançavam no quintal, ainda mais verdes que um limão maduro. As árvores se remexiam com o vento, e as folhas sorriam com a agradável brisa que as circulava.
— Vamos! O vovô tá logo depois daqui!
O abrir do portão ecoou tão agradavelmente quanto os risos da criança, mostrando-lhes o caminho que deveriam seguir rumo a um novo personagem.
Carol aproximou-se em um ritmo animado, saltitando até a porta de sua casa, ainda mantendo o ritmo, mesmo que já havia chegado à porta.
Seu avô abriu um longo e inocente sorriso assim que notou a presença calorosa de sua neta, acariciando seus macios cabelos com um enorme agrado.
Ao olhar um pouco para trás, notou os quatro jovens que seguiram a garota. Um “Ora…” nasceu em sua mente e morreu nos lábios, expressando sua sutil surpresa.
Carol saltitou, dizendo: “Vovô, olha! São meus amigos!”, apontando para o grupo com um olhar mais radiante do que qualquer estrela que possa existir.
Seu vô acenou para eles, dizendo gentilmente que podiam entrar, acrescentando que poderiam ficar à vontade, como se a casa fossem deles, apresentando seu nome: Robson.
O corpo era curvado; olhos escuros como a noite, cabelos mais prateados que o ferro. Havia rugas em seu velho rosto, mas a idade não escondia sua sabedoria.
Mal deu tempo dos garotos agradecerem a gentileza, e Carol retomou sua fala cheia de energia, os convidando para o quintal para que pudessem jogar futebol.
Eles se interessaram, principalmente Waraioni, dizendo que foi ele quem treinou Ronaldinho Gaúcho, ensinando todas as técnicas que o mesmo sabia.
E lá se foram eles: seguiram a garota no mesmo ritmo acelerado, menos Ônix que, por ser acostumado a andar em passos lentos, ficou para trás.
Robson fitou seu olhar estrelado que, ao perceber que seus irmãos finalmente não estavam o monitorando, murcharam como uma flor, ainda mais tristes do que uma estrela morta.
Como podia disfarçar tamanha dor? Uma existência tão miserável tinha diversas dúvidas, mas a sua principal indagação veio de seus valores quebrados: morte.
Desde o princípio, sempre acreditou que uma vida sempre tem valor, pois o sacrifício que o Messias fez também valia para os que nasceriam, tornando todos tão pecadores quanto.
Sim, está correto ao pensar que essa filosofia é extrema demais para os humanos, leitor. Infelizmente, uma hora ou outra, uma pessoa terá que ser forçada a matar se quiser proteger quem ama.
Ônix acabou de passar por esse evento, e isso estava tornando seu motivo de vida uma incógnita enquanto cada segundo destruía seu coração como se o esmagasse.
Robson suspirou, compreendendo a dor daquele jovem em poucos segundos. Sua voz, calma como o oceano e tão velha quanto sua idade, ecoou para Ônix:
— Tenho a resposta para sua dúvida, garoto.
Isso foi tão repentino para o rapaz amaldiçoado… Enquanto perdia-se em seus conflitos internos, a voz daquele inocente idoso parecia tentar iluminar sua escuridão.
Olhou para trás, notando os tristes olhares que Robson direcionava para ele, deixando o silêncio tomar conta do ambiente, como uma mãe protetora.
Ônix quebrou o silêncio, dizendo: “Perdão…?”, enquanto diversas confusões pousavam em seus olhos, ansiosos pela resposta que Robson daria.
— “Eu matei alguém. Sou um assassino. A morte me persegue. Meus pais se ausentaram. Meus irmãos podem morrer a qualquer momento…”. Acertei?
Impressionante. Robson acertou com precisão todas as afirmações que percorriam a mente do garoto, como se lesse sua mente, mesmo não sendo capaz disso.
Ônix não se conteve a perguntar como que ele sabia disso, o que fez o senhor rir, dizendo que seus olhos únicos e estrelados haviam lhe entregado a resposta, acrescentando que esse era um dos poderes da idade. Continuou:
— Garoto, Deus sabe o que seu coração sente antes mesmo de seus bisavós serem concebidos. O que você faz ou deixa de saber, Ele já sabe suas motivações, antes mesmo Dele dizer “Que haja luz”.
A verdade abraçou cada palavra que saiu da boca de Robson, trazendo um pouco de esclarecimento para Ônix, por mais que ainda estivesse confuso.
No entanto, sua mensagem realmente tocou seu coração, matando algumas das dúvidas que lá permeavam. Uma de suas dúvidas floresceu nos lábios:
— Não consigo entender… Por que você está falando sobre Deus para mim quando você foi uma criação desse mundo?
Ótima indagação, mas também há uma contradição: não existe somente um Deus, sendo ele Yahuah Tzevaot, e o restante são somente falsos deuses e irreais?
Robson sabe muito bem disso, alegando o mesmo: há somente um Deus, e esse mundo não é exceção. Eles sabem a verdadeira essência de CMV.
Ônix indagou: “Verdadeira essência…?”, mas Robson alegou que esse não era um assunto que deveria ser tratado agora, pois ainda não era a hora certa.
— Garoto, você sabe que todas as vidas têm um propósito dado pelo Criador, e quem seguir o caminho estreito o cumprirá, certo?
Ônix sabia muito bem disso, de cabo a rabo, mas esqueceu de aplicar isso à própria vida, como se fosse o escolhido para não ter propósito algum.
— Não precisa responder, sei que sabe disso, mas não aplica em si mesmo. Você tem a maior das provações a cumprir, e sua história com certeza seria grande o bastante para escrever um livro.
Mais uma vez você se encontra certo, Robson. Ônix continuava a absorver as informações, ficando cada vez mais tocado com as palavras que estavam mais confortantes e reais do que abraços.
— Um livro que precisa existir, mesmo que não tenha leitores. Sua vida pode servir de lição a muitos que enfrentam dores grandes, mesmo que não sejam piores que as suas. Seu nome é…
Ônix moveu o antebraço para os olhos, mas as lágrimas não ligavam para essa barreira, caindo de lá como uma tempestade que encharca os céus.
— … Folhas do Aprendizado.
Ainda era confuso. Tamanha dor direcionada a um homem para uma provação? Por mais que não entendesse por completo, agora sabia que sua vida era uma missão.
Enxugou as lágrimas que moravam em seu rosto e, com um sorriso, dessa vez genuíno, agradeceu por cada palavra que aquele senhor direcionou a ele.
Ainda que as dores machucassem seu coração, agora Ônix as via com outros olhos. No fundo de seu coração, pela primeira vez, agradeceu ao Altíssimo pela cruz que ele tinha que carregar.
Pouco depois, passos distantes se aproximavam. Ao olharem para a direção em que vinham, notaram Carol junto do restante do grupo indo em direção a Ônix e Robson.
Carol convidou Ônix a jogar bola com eles, com ânimo tanto em sua voz quanto no olhar, mas seu vô acariciou seu cabelo, alegando que havia algo mais importante a ser cumprido.
O ícone que morava acima da cabeça de sua neta transferiu-se para a palma de sua mão. Ele o apontou para o grupo, perguntando se eles aceitariam a missão.
Ônix olhou para seus amigos, como se perguntasse se eles poderiam embarcar nessa aventura após esse pequeno momento que tiveram para descansar.
Eles acenaram com o rosto, apoiando a decisão de seu companheiro. Ônix, dizendo por ele e por todos, aceitou a missão que lhe foi oferecida.
Um portal, em tom vermelho, surgiu. Era mais tranquilo, trazendo consigo brisas suaves que dançavam no corpo dos presentes. Ao seu redor, surgiam pequenos raios que desapareciam rapidamente.
Robson desejou-lhes boa sorte, observando os jovens adentrando aquele portal com confiança em seus olhares, prontos para terminarem o mais rápido e preciso possível.
Próximo capítulo: O mais fraco.
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