A criança ficou próxima deles, em silêncio, fitando os olhos estrelados de Ônix com uma curiosidade intensa. Ele, por sua vez, a notou observando-o com a cabeça inclinada, como se fosse um cão tentando entender algo que nunca viu.

    Saito cruzou os braços, observando-a com um olhar que misturava cautela e uma ponta de curiosidade.

    — Conhece ela, Ônix? — perguntou, inclinando a cabeça na direção da criança.

    — Não, nunca vi… — respondeu, caminhando até ela. A criança sorriu, seus olhos brilhando com uma animação contida, e deu um passo à frente, aproximando-se dele.

    Ele agachou, fitando seus olhos brilhantes com um singelo sorriso.

    — Tá tudo bem com você, pequena?

    — Tô bem sim, tio! Eu só tava vendo seus olhos… Por que eles são tão estranhos?

    — Ah… Meus olhos?

    — Sim! Eles são escuros, mas também têm uns pontinhos brancos… Como você fez isso, tio? Eu quero também! — disse, tocando abaixo de seus olhos.

    Ele riu ligeiramente.

    — Não sei te dizer, pequena, nasci assim. Mas, e você? Tá perdida?

    Ela negou com a cabeça.

    — Eu tava muito entediada em casa, não tinha nada para fazer além de ver televisão, então saí para passear e vi você.

    — Entendi… Bem, vamos nos apresentar! Meu nome é Ônix! Qual o seu?

    — Meu nome é Carol! Seu nome também é estranho, tio! Mas é um estranho legal! — respondeu, sorrindo.

    — Obrigado! — Devolveu o sorriso.

    Ao olhar com mais atenção para frente, notou seus três companheiros observando-a. Ela os encarou de volta, ainda com curiosidade em seu olhar.

    — Quem são esses, tio? — perguntou, com o dedo apontado para Saito.

    — São meus amigos. O de cabelo azul se chama Saito, o da bochecha rasgada se chama Waraioni e o moreno se chama Morfius.

    Carol caminhou até Saito, fitando seus olhos próximos a ele. Ela inclinou a cabeça para cima, ficando nas pontas dos pés, como se tentasse enxergar o topo de uma montanha.

    — Você é muito alto, tio! Como faço para ficar assim?

    — Tem que comer bastante — ele respondeu, agachando.

    — Nossa, sério? Vou comer bastante, quero ficar alta também!

    Waraioni aproximou-se dela e agachou.

    — Mas e você, garota? Comeu bastante hoje?

    — Não, ainda não. Tio, como você rasgou a bochecha?

    — Ah, longa história da minha infância1…. Longa história.

    — Deixa pra lá então, não gosto de histórias longas.

    Por fim, ela aproximou-se de Morfius.

    — Ei, tio, como foi seu dia hoje?

    — Foi legal, aconteceram muitas coisas. E o seu?

    — Foi legal também!

    Ônix a observava conversar com cada um deles, olhando principalmente para o sorriso inocente em seu rosto.

    “Não consigo acreditar que algo tão inocente assim é uma criação desse mundo e nem que ela não tem uma alma…” pensou, com um leve aperto em seu peito.

    Os olhos cansados do Dummy retornaram para sua mente.

    “Qual é a diferença entre ela e ele? Foi para livrá-lo de seu sofrimento, mas… Matei uma pessoa, não matei?”

    Seu mundo começou a escurecer, restando somente ele e o abismo. Suas mãos estavam trêmulas, e sangue começou a vazar de lá, caindo gota por gota, enchendo aquele lugar como água em uma piscina.

    “Entre essa criança e ele… Não há nenhuma diferença.”

    Um zumbido ecoou, trazendo consigo a iluminação daquele ambiente, levando embora todo o sangue. O Dummy, em forma de sombra, surgiu em sua frente, com um sorriso em seu rosto.

    — Não fique assim, guerreiro. Você me salvou e absorveu todas as minhas dores. Agora moro em seu conforto enquanto você me carrega sem me cobrar nada.

    Ele apontou o dedo para Carol, que estava paralisada, com o mundo sem cor, como se o tempo estivesse parado.

    — Siga a criança e encontrará a resposta que precisa.

    Lentamente, aquele mundo transformou-se em partículas, levando-o de volta para a realidade.

    — Tio? Ei, tio!

    O som fino e inocente daquela criança foi o último gatilho necessário para fazê-lo voltar a si.

    — Hã? Oi, pode falar.

    — Nossa, fiquei um tempão falando aqui! Por que não me respondeu?

    — Desculpe, acabei ficando perdido enquanto pensava.

    — Hum… — disse, enchendo a boca com ar.

    Saito riu levemente, acariciando o cabelo de Carol.

    — Relaxa, é normal ele ficar perdido assim. Não foi por mal.

    — Ah, então tá bom! — respondeu, voltando a sorrir. — Vamos para minha casa? Papai e mamãe foram viajar, e agora meu vovô está sozinho… Ele não tem ninguém para conversar… — Seus olhos se apertaram, e ela inclinou-se levemente para baixo.

    Ônix sorriu ligeiramente, deixando seus problemas e preocupações serem levados pelo vento.

    — Claro, não tem nenhum problema para gente.

    — Sério?! — perguntou, com um grande sorriso no rosto.

    — Uhum.

    — Yupiiii!

    Ela começou a caminhar pela cidade, chamando-os com as mãos.

    — Vamo! Eu guio vocês!

    Todos começaram a segui-la enquanto observavam a cidade. As casas eram estranhamente normais, como se realmente estivessem na Terra. Era muito movimentada, com carros, motos, bicicletas e pedestres, mas todos eram NPCs.

    Carol fazia questão de perguntar qualquer coisa que despertasse o mínimo de sua curiosidade, questionando até a origem dos postes. Waraioni deu um pequeno toque no ombro de Saito.

    — Sendo sincero… É muito bom ver a inocência de uma criança, né? Gosto muito dessa pureza.

    — Pois é… Gosto ainda mais quando sei que não sou eu quem paga a pensão.

    — Ah, cala a boca — respondeu, rindo.

    Sem que percebessem, já estavam na frente da moradia. O portão de correr era branco, refletindo a luz do sol. A casa era simples, mas misturava-se com a beleza da natureza, com algumas árvores cheias de vida encantando o quintal. O canto dos pássaros apenas complementava a boa energia que aquela casa tinha consigo.

    — Vamos! Depois daqui tem a casa do vovô! — disse, abrindo o portão.

    Ela começou a correr animadamente para a porta, com seus risos ecoando pelo lugar.

    — Vovô, cheguei! Eu trouxe amigos!

    Seu avô estava sentado no sofá enquanto assistia à televisão. Seu corpo era curvado, e seu cabelo prateado glorificava a sabedoria que veio com sua idade. Ele olhou para seus visitantes com curiosidade, mas também com uma ponta de carinho.

    — Ora, que surpresa! Sejam bem-vindos, garotos! Meu nome é Robson, muito prazer.

    — Obrigado — respondeu Ônix.

    Carol começou a pular animada enquanto apontava para o outro quintal atrás da casa.

    — Ei, tios, vamos para o quintal! Tem uma bola de futebol lá, vamos jogar!

    — Opa! No futebol eu arraso, hein! — respondeu Waraioni, caminhando enquanto a criança o seguia.

    Todos o seguiram em ritmo acelerado. Ônix, acostumado a andar em passos lentos, acabou ficando a sós com o idoso, que olhava fixamente para seus olhos.

    — Tenho a resposta para sua dúvida, garoto.

    — Perdão? — perguntou, olhando-o com confusão.

    — E se algum dia eu tiver que matar alguém que não quer ser morto para minha sobrevivência… Era isso o que você estava pensando antes, não era?

    — Como você sabe…?

    O velho riu brevemente.

    — Seus olhos únicos me entregaram essa sua preocupação; esse é um dos poderes da idade. Garoto, Deus sabe o que seu coração sente antes mesmo de você fazer quaisquer ações.

    Ônix manteve-se em breve silêncio.

    — Não consigo entender… Por que você está falando sobre Deus para mim quando você foi uma criação desse mundo?

    — Mesmo nós sendo somente criações, desde o momento em que fomos criados sabemos a verdadeira essência de CMV.

    — Verdadeira essência…?

    — Todos nós fomos criados sabendo quem ele realmente é, mas esse não é o assunto agora. Antes mesmo de você nascer, Deus já sabe todas as suas ações e suas motivações para isso. Se você, garoto, matar alguém, Ele saberá o motivo e as razões.

    — Mas…

    — Sem mais nem menos, tudo isso é somente seu subconsciente tentando te iludir. Seja sincero consigo mesmo. Se suas motivações são bondosas, mas seu caminho é espinhoso, sempre haverá escolhas dolorosas que você terá que fazer.

    Ônix ficou em silêncio, com seus olhos levemente apertados fixos no chão.

    — Sempre que seu subconsciente tentar te iludir, olhe para seu interior e observe seu coração, observe suas emoções e suas causas. A resposta sempre esteve e sempre estará dentro de você.

    Após a resposta do velho, ele novamente se recordou do Dummy agradecendo por sua ação.

    — Obrigado… Nem sei o que dizer.

    O velho sorriu.

    — Não precisa me agradecer.

    Nesse momento, Carol retornou com Waraioni, Saito e Morfius.

    — Tio! Venha jogar bola com a gente também, tio!

    O idoso levantou-se do sofá e acariciou a cabeça de sua neta.

    — Eles têm uma coisa mais importante a se fazer agora.

    O ícone que estava acima da garota moveu-se para a palma da mão do senhor de idade.

    — Vocês gostariam de aceitar essa missão?

    Ônix olhou para seus amigos, que acenaram com a cabeça. Após isso, fez contato visual com Robson.

    — Sim, queremos.

    — Certo.

    Um portal, em tom vermelho, surgiu. Era mais tranquilo, trazendo consigo brisas suaves que dançavam no corpo dos presentes. Ao seu redor, surgiam pequenos raios que desapareciam rapidamente.

    — Desejo a vocês boa sorte.

    Exceto ele e sua neta, todos começaram a ser puxados por aquele portal lentamente, fazendo-os flutuar. A sensação era de conforto e alívio, como uma mãe que carrega seu filho nos braços.

    Próximo capítulo: O mais fraco.

    1. @Maik: Sim! Eu vou mostrar a infância dele muito mais para frente, junto com Saito e Ônix. Vai demorar? Muito, mas relaxa! Garanto que não vou deixar nada passar em branco. Todos os mistérios vão ser explicados, sem pontas soltas ;] []

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