Brisas ausentes, tornando o frio ou calor indetectáveis. Um chão tão escuro que parecia que ali nada existia, além do próprio abismo que sorria para o céu, que também se fez ausente.

    Não havia cheiro algum, como se não houvesse oxigênio para respirar. Igualmente para os barulhos: eram tão presentes quanto as sombras que ali moravam.

    Mesmo nesse cenário confuso, Waraioni podia andar como se ali existisse asfalto; e inspirar, enchendo seus pulmões de ar, ainda que eles parecessem não existir.

    “Que lugar estranho é esse…?”

    Mesmo que caminhasse, forçando pesados passos contra o abismo, nenhum som ecoou, fazendo-o pensar que nada estava ali, incluindo ele mesmo.

    Até que, de repente, sons de leves passos começaram a ecoar, sendo esse o primeiro barulho que aquele local permitiu que existisse, quebrando o silêncio.

    Uma respiração, tão pesada quanto montanhas, podia ser ouvida com perfeição, junto a uma densa névoa que surgia da escuridão cada vez que ela fosse executada.

    Por fim, duas órbitas em um tom roxo nasceram das sombras, como se fossem olhares de um caçador que busca sua presa, algo que não deveria existir nesse mundo.

    Diante do desconhecido, um suor floresceu na testa de Waraioni. Um breve suspiro nasceu em seus lábios entreabertos, trazendo em seu colo o arregalar dos olhos.

    Sua espinha congelou, e o bater acelerado do coração tornou-se seu único aliado. Os pés encontravam-se trêmulos, mas forçaram-se para recuarem.

    Algo gélido abraçou suas costas, impedindo-o de continuar recuando, indicando para ele que ali era o fim do abismo que ali morava, deixando-o apenas ele e a besta que se aproximava.

    Waraioni estava no fim da linha. Sem ter para onde correr, ergueu sua guarda, ainda que todos os seus instintos gritassem consigo para que ele recuasse de alguma forma.

    As pupilas dilataram; a respiração encontrou refúgio no silêncio; os ouvidos voluntariamente se estenderam para que pudessem captar qualquer coisa.

    Sem que percebesse, a gota de seu suor murchou no queixo, caindo lentamente para a escuridão do solo, de pouco a pouco indo de encontro ao abismo.

    Como resultado, ela explodiu no chão. Uma repentina ondulação surgiu, tornando o solo, outrora firme, agora instável, como se tentasse derrubar quem estava acima.

    Waraioni lutou com suas próprias pernas para tentar se manter de pé, mas de nada adiantou. O desequilíbrio o consumiu, direcionando-o para o chão.

    “Merda…!”

    O corpo caía violentamente, como se algo externo o jogasse contra o solo. De pouco a pouco, sua cabeça estava cada vez mais próxima de um acidente inevitável.

    Até que ela aconteceu. Uma queda, que aparentava ser violenta, na verdade, o abraçou, trazendo-o para dentro de si como se ele tivesse caído num profundo oceano.

    A escuridão dominou seus olhos, mas não parou por aí. Fez questão de manter presença em suas narinas e ouvidos, deixando-o no colo do profundo nada.

    Waraioni podia apenas pensar consigo. Estava morto? Sua jornada acabou ali? Felizmente, para ele, uma confortável brisa do vento negou todas as suas dúvidas.

    Uma luz começou a penetrar seus olhos. O frio rodeou seu corpo, junto das costas sentirem um confortável solo, mesmo que estivesse gélido.

    Ao abrir os olhos, o agradável brilho da lâmpada parecia cumprimentá-lo. Do teto, às paredes até o chão, tudo era confortavelmente prateado, como um lugar sagrado.

    — Nossa…

    Essa palavra entregou sua surpresa e admiração, nascendo junto do brilhar dos olhos e o abrir dos lábios, observando cada canto daquele desconhecido lugar.

    Depois de tanto olhar, finalmente notou um macio sofá da cor cinza, tão limpo que parecia que nunca tivesse sido tocado ou usado durante toda sua existência.

    Nele, havia um senhor sentado, com uma xícara de café transbordando o vapor do líquido que ali existia, trazendo consigo o agradável aroma da cafeína.

    Rugas existiam abaixo dos olhos, mas a pele era lisa e preservada. Um cabelo curto, mas ainda mais prateado do que o teto do lugar que ali se fazia presente.

    Olhos em tom lilás, mas calmos e serenos como o mar. Fitou o garoto, observando por um momento até que sua atenção repousasse sobre sua xícara.

    Bebeu brevemente seu café, suspirando em agrado, fechando os olhos em satisfação. Sua voz era tão fluída e serena que aparentava vir de todas as direções, como algo Celestial:

    — Bem-vindo.

    Aconteceram coisas demais, deixando-o em silêncio por um momento. A dúvida, que deu-se vida em sua mente, teve seu fim nos lábios, apresentando-se:

    — O que foi isso?

    Por um momento, nada saiu da boca daquele senhor. Tantas respostas poderiam ser concebidas, mas o que ele disse foi: “Apenas um teste, garoto.”

    Teste do que? Coragem para enfrentar o medo ou a bravura para confrontar a besta que se fez presente naquela escuridão? No fim, não era nem uma dessas alternativas.

    — Legionis me disse que você era medroso, mesmo com uma história tão profunda, então quis verificar.

    Estranho, mas com isso sabemos que divindades podem interagir entre si. Essa afirmação golpeou o ego de Waraioni, o que o fez indagar com uma aparente confiança:

    — Acha que passei?

    O velho riu, como se tivesse ouvido uma piada digna de um stand up. Levantou-se, jogando sua xícara para o ar, deixando-a evaporar enquanto caminhava para o garoto.

    — Claro que não. Enfim, observei um pouco de sua história; força é o que você busca desde que nasceu? Ou esse é o pensamento que os cientistas queriam que você adotasse?

    Essa pergunta o incomodou mais do que quaisquer ofensas, escavando sua mente até que chegasse em sua memória mais odiada, recordando-se do ambiente do qual um dia ele esteve.

    Um chão prateado e gélido como a Antártica. Luzes cianas abençoando o ambiente com seu brilho e, por fim, diversas cápsulas posicionadas, tendo humanos consigo.

    Lá estava um homem, com anotações desgastadas em suas mãos. Um ótimo paletó, ainda mais prateado que o solo, abraçava seu corpo.

    Um óculos em formato de círculo tentava ocultar as olheiras que ali existiam. Os cabelos voavam com o vento, mas o apertar dos lábios gritava desgosto.

    Sua atenção estava fixa em um inocente garoto com os olhos tristes. O rosto limpo, e as pupilas cianas como o mar, possuindo apenas pureza e inocência: Waraioni.

    A voz daquele homem, fria e cortante, abraçou o garoto com seu desdém, dizendo: “Falha… Mais uma falha”, enquanto aparentava apunhalar o garoto com os olhos.

    Waraioni voltou a si em um suspiro abrupto, devolvendo para seus pulmões alguém que algum dia ele já foi: uma vítima vulnerável, alvo de testes.

    — Como você sabe disso?

    Uma pergunta, infinitas emoções, tantas que não sabia qual deveria dar importância. Medo do desconhecido ou raiva de seu sofrimento injusto?

    O senhor passou por Waraioni como se ele nem existisse, encontrando uma parede e estagnando-se lá, observando-a sem pausa, como se lá existisse algo que ele deveria ver.

    — Observei sua história. Quer mais um teste? Haverá recompensas dessa vez.

    “Teste”, uma palavra que pode resumir a vida de nosso guerreiro, incluindo o seu nascimento, mas não significa que é algo que ele goste, muito pelo contrário.

    Um longo suspiro fugiu dos lábios, carregando no berço todo o ódio que alguém poderia guardar dentro de si, mastigando-as em palavras menores do que gostaria de expressar:

    — Vai tomar no cu, velho imundo do caralho. Porra de teste o que, irmão? Quem é forte de verdade nunca precisou de nenhuma dessas merdas.

    Torceu os lábios, tentando cessar mais do que gostaria de dizer, mas seu coração enfurecido rugiu contra si, exigindo que expelisse mais de sua frustração.

    — E me dá logo essa porra de missão porque eu vim aqui por ela, tá ligado? E eu vou matar tudo, bolado, e foda-se também.

    O senhor não reagiu da mesma forma, pelo contrário, agiu como se já soubesse que a reação do rapaz seria essa, apenas suspirando em paciência.

    — Boa sorte, jovem.

    O levantar de seu braço trouxe consigo o estalar dos dedos, ecoando como uma trombeta celestial, indicando que o começo de sua “provação” se iniciaria.

    Waraioni começou a afundar como se estivesse em uma areia movediça, mas não se importou com isso, apenas aguardou pacientemente a chegada de sua missão.

    A brisa do ar sacodindo seus ossos violentamente e explodindo seu som nos tímpanos, como se estivesse contra um inimigo odiado pela natureza.

    Todas as fibras de seu corpo sentiam a angústia da queda sem fim, como se fosse puxado para baixo com uma força gradativa e invisível.

    Era nesse lugar que Waraioni se encontra: o céu, caindo das nuvens, aproximando-se cada vez mais do solo em uma queda que jamais seria impedida.

    “Se meu teste for só isso, estou decepcionado, velho.”

    Colidiu contra o solo como uma estrela errante. Um enorme estrondo se criou, erguendo-se ainda mais veloz do que a poeira que nasceu da colisão.

    Uma cratera, que mais se parecia com um abismo do fim, sorriu para o céu, exalando sua imponência, mas nada disso parecia importar para o garoto.

    Seus passos leves o guiavam para o topo, enquanto as mãos acariciavam suas roupas, expulsando a poeira que desejava morar nos trajes.

    A poeira, de pouco a pouco, era levada pelo vento, mas um estranho cheiro nascia em seu lugar, alertando para todos os presentes que ali não era um lugar normal.

    Assim que a névoa se foi, entregou seu espaço para uma enorme cidade, com incontáveis prédios luxuosos em todo possível lugar que lhe era permitido.

    Infelizmente, esse era o menor dos detalhes. Essas mesmas moradias estavam destruídas, exalando o medo que o fogo encharcava em suas janelas.

    A fumaça voou para o céu, transformando o dia em noite, impedindo que qualquer luz de esperança a ultrapassasse, desejando que o desespero nascesse.

    Como esperado, ele veio. Incontáveis gritos nasceram do nada, preenchendo seus pulmões com sofrimento e angústia, expelindo o medo interno.

    Várias vidas tornavam-se almas naquele lugar, e o pouco que sobrou da fé foi transformado em nada, e apenas uma pessoa foi encarregada de resolver essa situação: Waraioni.

    Diante de toda essa situação, ele suspirou, coçando sua orelha como se o barulho fosse um incômodo, murmurando seu pequeno desabafo:

    — Quanta gritaria.

    Um pequeno brilho azulado surgiu diante dele no formato de uma estrela, alternando sua aparência para uma janela de sistema não muito depois.

    Sistema de Jogo – Missão

    Derrote o demônio que causou essa destruição e salve todas as pessoas presentes!

    Quantidade de NPCs vivos: 100/100

    Inimigos: 1

    Tempo limite: 5 Minutos.

    Observação:

    • A cada minuto, vinte morrem devido ao dano causado.
    • O inimigo é fraco, sendo somente nível um.
    • Foque em salvar as vítimas!
    • Boa sorte.

    Desapareceu da mesma forma que veio, ainda permitindo com que os gritos de dor encharcassem o oxigênio, reproduzindo-se como um peixe-lua.

    “Salve todas as pessoas… Meus ovos.”

    De repente, a atmosfera pesou, como se um caminhão de estrelas pousasse sobre o ar, levando em seu colo o arrepio de Waraioni, forçando-o a olhar para trás.

    Dentes afiados como uma faca Tramontina; um olhar tão vazio quanto a inexistência. Pele da cor vermelha, tal como o sangue é em seu fervor.

    Alto como o Monte Everest e forte como um mister Mr. Olympia, isso foi um bingo completo para todas as características que aquele demônio tinha.

    “Então eu só tenho que regaçar o pau nesse tinhoso, hã?”

    A criatura observou fixamente os olhos cianos de seu adversário, deixando seu suspiro transformar-se em névoa em uma tentativa de intimidá-lo.

    Waraioni manteve seus olhos cortantes no abismo que encontrava-se no olhar do monstro diante dele, não sentindo nem o mínimo do que o demônio desejava: medo.

    De repente, um soco inesperado atingiu o rosto do garoto, inclinando seu pescoço para trás, mas nenhum sangue escorreu dos lábios.

    Mesmo com o punho tentando arrancar seu pescoço, ele ainda assim o virou com facilidade, como se nem tivesse sentido dor, sorrindo para o monstro em sua frente.

    Infelizmente, para a criatura, seu ataque resultou no início do que poderíamos chamar de “duelo”, se isso não fosse tão humilhante para ele.

    Revidar não dava certo, sempre recebia contra-ataques. Correr? Impossível, era lento demais e todos os seus passos estavam dois segundos previstos.

    Esse massacre durou cinco minutos inteiros, com Waraioni ignorando todos os berros tanto da criatura quanto das vítimas que desejavam viver.

    O monstro foi derrotado, mas, como consequência, nem um único NPC sobreviveu, fazendo com que a missão fosse completada apenas pela metade.

    Waraioni foi levado de volta para o lugar cúbico e prateado de antes, encarando o senhor com olhares afiados, dizendo em voz alta: “Eu venci.”

    O senhor olhou para ele com olhares caídos, sem um pingo de raiva do tolo jovem à sua frente, apenas uma profunda tristeza de suas ações.

    — A que preço, garoto? A que preço…

    Os berros de desespero ecoavam na mente de Waraioni, recordando-o de cada um que morreu pela sua escolha voluntária de não salvá-los, mas nenhuma resposta foi dita.

    Sua missão teve apenas uma recompensa: um título, dado por Yashashi, intitulando-o de “O mais fraco”, mais uma punição do que um benefício.

    Waraioni não reagiu, apenas fechou os olhos, aguardando o teleporte chegar, aceitando esse “presente” como um cálice de todas as suas ações presentes e futuras.

    Próximo capítulo: Chegou, tua luz.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (3 votos)

    Nota