Índice de Capítulo

    O vento tocava gentilmente em seus ouvidos, como se desejasse sussurrar sua presença, enquanto envolvia o corpo de Ônix como um gentil e sutil tornado.

    A escuridão cobriu o céu como um véu, sem permitir que até mesmo as nuvens esboçassem seus sorrisos, apagando o sol como se suspendesse o brilhar de uma vela.

    A ausência dos luminares forçou as sombras a serem suas próprias luzes, iluminando o céu como se fossem uma estrela, permitindo que enxergar não fosse difícil.

    Caminhar era um incômodo. O asfalto tentava grudar seus pés no chão, tornando os passos pesados e audíveis, expondo seu rastro para quem quer que estivesse próximo.

    Ônix caminhou nessas condições, olhando da esquerda à direita, de cima a baixo, mas nada pôde encontrar. Sua procura por algo estranho estava sendo em vão.

    “É um alívio que nada ainda tenha acontecido… Por mais que eu ache que a missão já começou.”

    Ele fechou os olhos, tocou seu peito suavemente e baixou o rosto, entregando-se a um longo suspiro que vazou de seus lábios, murchando suas preocupações.

    “Espero que nada de ruim aconteça….”

    Levantou o pescoço e puxou o ar de volta, tentando diluir o incômodo que crescia em seu coração, como se todos os seus instintos tentassem alertá-lo que algo estava fora dos eixos.

    De repente, o coração explodiu dentro de si, como se um tambor estourasse. Arrepios abraçaram sua espinha junto a um frio que floresceu na barriga.

    Os olhos arregalaram no mesmo instante, olhando para todos os lados que havia à sua frente, buscando desesperadamente qualquer sinal, mas nada encontrou.

    “O que foi isso…?”

    Um frio inquietante suspirou em sua nuca, imerso em um estranho calor, como se tentasse chamar sua atenção para o que estava em suas costas.

    A angústia da insegurança afogou seu coração. O medo alfinetou sua garganta, mas, de um jeito ou de outro, ele viu-se obrigado a virar o pescoço, buscando enxergar o que estava atrás de si.

    Pupilas vermelhas como o sangue, esclera escura como o abismo que envolvia seu corpo. Passos leves, como se sua presença nem existisse onde estava…

    Um sorriso sutil, mas que entregava a satisfação que lhe envolvia. Um cabelo tão escuro que mal podia ser visto à noite, mas que tocava o chão, exigindo reverência.

    Sua voz era um misto. Ecoava como a gentileza dos pássaros, mas possuía o mesmo vazio que centenas de homens mortos, pesando o local como uma montanha no mar:

    — Boa noite!

    O universo que habitava nos olhos de Ônix parecia dilatar enquanto um suor frio escorria pelo seu rosto, caindo no solo tal como a esperança na paz que ele tinha.

    “Me diz que é mentira…”

    O silêncio veio no berço dos lábios entreabertos, permitindo que um baixo suspiro imerso em frustração ecoasse como a ondulação no mar pelo ambiente.

    Um ligeiro arrepio percorreu a espinha daquela sombra, fazendo-a erguer o pescoço enquanto um sorriso abraçado em malícia escalava suas bochechas.

    ”Medo… Tenho certeza que ele sentiu medo!”

    Seu raciocínio era bem simples: para alguém como ele sentir insegurança em relação a algo, não significava que não saberia ganhar uma luta, mas sim que tinha algo a proteger.

    Desde que a maior parte do sofrimento de Ônix viesse dela, estava perfeito. Só precisaria de uma chance para fazer seu frágil coração colapsar tanto a ponto de ela ser sempre lembrada… E aconteceu.

    Suas narinas começaram a farejar, levando seu rosto lentamente para a esquerda, até que seus olhos encontraram algo que não deveria estar lá em momento algum:

    A criança daquele casal. Lá estava ela, tremendo dos dedos dos pés até os cabelos, os olhos tão marejados que pareciam explodir em lágrimas a qualquer momento.

    A agonia alfinetava seu corpo incontáveis vezes enquanto todas as suas fibras imploravam para que corresse o máximo que podia dali, mas seus joelhos trêmulos não obedeciam.

    Os olhos da sombra fixavam-se na garota enquanto suas pupilas dilatadas tentavam entender o que estava logo ali na sua frente, mas esse momento não durou muito.

    Suas gargalhadas ecoaram como uma tempestade de trovão, espalhando-se como pétalas que nasceram da maldade do inferno e morreram de onde vieram.

    Ônix sentiu uma chuva de desespero recair sobre seu corpo. A angústia envolveu-o com alfinetes, perfurando-o como se desejasse retirar sua pele.

    “Do que… Ela tá rindo…?”

    As galáxias em seus olhos pulsavam em perigo, arregalando em atenção. Seu pulmão buscou total refúgio no ar, inspirando lentamente pelo abdômen para tentar mantê-lo são.

    A sombra baixou o rosto, enxugando as lágrimas de risos que escorriam pelos olhos enquanto suas risadas cessavam em um ritmo lento, até que finalmente parassem.

    — Eu não esperava que o universo fosse tão bom comigo!

    Direcionou sua atenção para Ônix, observando seu olhar arregalado junto dos lábios entreabertos, respirando em um ritmo estranhamente padronizado.

    — Deixa eu adivinhar… Está se perguntando por que eu estava rindo?

    Nenhuma resposta surgiu de Ônix, como se o seu silêncio fosse o advogado da dúvida. Como resultado, um duradouro suspiro escapou daquela sombra.

    — Que bobinho…

    Um longo sorriso surgiu no rosto daquela criatura, junto ao apontar do dedo para algo que poderia estar atrás dele, enquanto sua voz se continha para não soltar mais risadas:

    — Por que não dá uma olhada ali?~

    Uma tempestade de dúvida abraçou Ônix. Essa sombra estava querendo enganá-lo? Fazendo-o virar-se para atacá-lo pelas costas em uma tentativa de vencê-lo?

    Não… Sabemos que a criança estava logo ali, com tanto medo que a voz nem ousava sair. Até o barulho do respirar lhe era motivo de medo, sem querer chamar atenção alguma.

    Ele observou por um tempo curto e concluiu: “Essas risadas genuínas querem que eu veja algo.” Ainda que a ansiedade batesse na porta de seu coração, ele não se viu tendo outra escolha.

    Respirou fundo, o máximo que pôde, e suspirou seus medos para fora, como alguém que cospe as angústias para o asfalto; e, assim, virou seu pescoço para o que estava atrás de si.

    O coração acelerou, como se tivesse acionado o nitro, junto ao forte bater de um tambor que parecia querer fugir de seu peito a qualquer custo.

    O desespero abraçou o universo que estava nos olhos, arregalando-os no mesmo momento em que puderam ver a criança. O medo era tão palpável que tornou seus olhos marejados.

    As unhas, pele, pontas dos dedos, mão, pés, pernas, tudo estava tremendo em negação ao que via, desejando que, por favor, só dessa vez, fosse só um sonho ruim.

    Seus joelhos, abruptamente, encontraram o chão. As mãos buscaram apoio no chão enquanto os olhos custavam a acreditar que a criança, chorando em medo à sua frente, era real.

    O desespero que encobertou Ônix tirou-lhe o dom do raciocínio, tornando sua mente um branco infinito, onde nenhuma pergunta era feita, tampouco respondida.

    Seu pescoço tremia enquanto enrijecia, negando-se a se mover para qualquer um dos lados, mas não havia outra escolha. Em um ritmo lento e esforçado, ele olhou para trás novamente.

    O sorriso da sombra estava maior do que nunca estivera. Seus olhos espremiam em grande alegria enquanto sua voz, aparentemente doce e inocente, dizia impiedosamente:

    — Você já sabe, não sabe?

    Mesmo que ainda não pudesse pensar, seus instintos já gritavam consigo: uma luta era impossível. Não pela derrota, mas sim pela perda que ele teria como resultado.

    Vencer seria só um detalhe. A criança, com toda certeza, morreria. Mesmo que Ônix desviasse todos os ataques direcionados para ela, bastaria só um para sua vida terminar.

    Ele já estava machucado demais. A morte de qualquer um, principalmente de uma criança inocente que estava separada de seu avô e irmã, uma criança que nem sequer viveu o bastante… Seria demais para aguentar.

    Ainda que todos achassem sua ação humilhante, alguém submisso, incapaz de proteger, fraco… Ainda assim, ele virou-se e observou a criatura enquanto lágrimas caíam de seus olhos.

    Ele juntou as mãos, levou sua testa no chão e afundou-a lá, enquanto sua voz trêmula juntou todas as forças que tinha para implorar uma coisa para a sombra à sua frente:

    — Por favor… Não faça nada com ela.

    A criatura riu. Seus olhos abriam e fechavam em alegria, enquanto seu rosto balançava de um lado para o outro. Ela achou a oportunidade perfeita para cravar a espada da dor em seu peito.

    ”Sua dor vai ser imensa… E quem vai causá-la será eu.”

    Seus passos eram lentos, porém tão animados que pareciam fazê-la flutuar a qualquer momento. Ônix ouviu cada caminhar com atenção e medo, mas não retirou sua testa do chão.

    A sombra aproximou-se dele e agachou, olhando-o fixamente com um estranho carinho no olhar, por mais que desejasse fazê-lo sofrer o máximo que podia.

    Abriu sua mão e levou-a para as bochechas de Ônix, como uma mãe que tenta chamar a atenção de seu filho. Com cuidado e atenção, ela lentamente levantou o olhar dele para cima.

    Seus olhos vermelhos observavam o universo que existia no olhar de Ônix, enquanto os dele também fitavam a maldade que habitava nos da sombra.

    A criatura, com cuidado e carinho, enxugou cada gota de lágrima que existia em seu rosto e, assim que terminou, retirou suas mãos de lá, dizendo calmamente:

    — Tá tudo bem, pode levá-la.

    Realmente seria tão fácil assim? Tudo isso foi apenas um teatro? O desespero de Ônix não o pôde deixar pensar, apenas ouvir atenciosamente cada palavra dita.

    Ele virou-se no mesmo instante, observando a garota em lágrimas. Agora, felizmente, ela podia ser alcançada. Bastava apenas alguns passos e tudo estaria bem.

    Levantou-se abruptamente, mas seus joelhos o levaram ao chão. Tentou erguer-se para correr, mas a cada poucos passos ele novamente caía, como se estivesse sem forças.

    “Calma… Tá tudo bem agora, né?”

    Dessa forma desesperada e desajeitada, ele chegou até a criança, ajoelhando-se em sua frente enquanto a abraçou com força, tentando acalmá-la:

    — Tudo bem… Agora tá tudo bem, tá? Tá tudo bem…!

    A criança o abraçou de volta, berrando lágrimas em seu peito, expulsando todo o medo que existia no seu pequeno coração, enquanto sua voz tentava dizer em meio aos soluços:

    — Me tira daqui… É tão assustador… Eu quero a minha mãe…

    Os olhos de Ônix não aguentaram o tamanho desespero da pequena à sua frente, e, inevitavelmente, uma cachoeira de lágrimas também saiu de seus olhos.

    Apoiou sua testa na da criança, olhando-a nos olhos enquanto sua voz dizia em um tom firme e cheio de certeza, por mais que a insegurança ainda o abraçasse:

    — Não se preocupa, tá? Eu vou te levar até sua mãe.

    As lágrimas da criança ainda caíam como a chuva, mas ela depositou toda a confiança que tinha em Ônix, observando-o como o salvador de todo o seu desespero.

    Ele levantou-se, segurando a mão da criança com gentileza, mas com uma enorme força protetiva, desejando que, mesmo que custasse sua vida, a levasse para Dalila.

    A sombra, distante, observava cada ação com uma enorme satisfação em sua face. Seu plano foi mais do que concluído. Ele foi simplesmente perfeito.

    ”Ótimo.”

    Ela abriu sua palma e focou grande parte de seu poder em uma esfera que ali se formava. Seu objetivo era torná-la indetectável para os sentidos, menos para os olhos.

    Isso lhe custou muito de seu poder, mas estava pronto: uma esfera que não podia ser ouvida, que não tinha cheiro e muito menos presença, mas que podia ser vista como uma sombra escura e esférica.

    ”Chegou a hora.”

    Ela levantou sua mão, preparando-se para arremessá-la e, então, sua ação foi concluída logo em seguida, lançando seu poder em direção à inocente criança.

    Aquela esfera colidiu com as costas da garota, mas não a feriu. Do contrário, grudou como cola no papel e, de pouco a pouco, cobria seu corpo como um cobertor, até que estivesse a envolvendo por completo.

    Ônix caminhava em passos lentos para que a garota ao seu lado pudesse acompanhá-lo, enquanto ele mal sabia o que estava prestes a acontecer.

    O barulho de ossos sendo triturados ecoou. Sua mão foi encharcada em sangue. Suas pernas sentiam um estranho líquido de repente escorrer sobre ele.

    Sua blusa foi encharcada por algo e, de repente, o calor da pequena mão daquela criança desapareceu de si. Na verdade, não dava nem para sentir seu toque.

    Seu mundo parou junto aos batimentos de seu coração. O corpo tornou-se frio, como se Ônix tivesse acabado de morrer, junto à pouca esperança que existia em si.

    A tremedeira consumiu seus olhos, pernas, mãos, tudo. Seu pescoço implorava para não ter que virar, mas não havia nenhuma outra escolha melhor.

    Ele virou-se, mas nada encontrou. A garota não estava mais lá. Por um momento, o choque consumiu sua alma, mas o que veio em seguida foi o golpe final.

    Um estranho barulho vinha de baixo e, quando ele percebeu, uma sombra se erguia de um poço de sangue que banhava o chão, emergindo de pouco a pouco.

    Os joelhos de Ônix colidiram contra o chão. Seus olhos turvaram-se devido às lágrimas que começaram a surgir, mas o que estava diante de si era claro como a água.

    A criança, em formato de sombra, chorava diante dele, observando-o com olhos vazios como o abismo, sem mais nada que pudesse fazer. A morte havia a levado, e seu nome estava escrito acima de si: Ephemera.

    O coração de Ônix foi quebrado. Ele olhou para o céu, mas com uma tempestade de lágrimas escorrendo sob sua face, sem mais forças para continuar.

    Tudo de ruim estava acontecendo com ele em apenas um único dia. A separação de seus pais, de sua amada, a morte sendo-lhe apresentada incontáveis vezes e, agora, a morte da criança.

    Ephemera ainda não entendia o que acontecia. De repente, seu corpo havia se tornado escuro e, agora, seu gentil amigo, que ela poderia chamar de tio, colapsava em lágrimas à sua frente.

    Mesmo sem compreender nem um pouco, ela o abraçou e fechou os olhos, sentindo uma estranha leveza consumir seu coração, como se seu corpo estivesse desaparecendo pouco a pouco.

    Os papéis foram invertidos. Dessa vez, Ônix foi abraçado enquanto quebrava em lágrimas, até que a criança fosse completamente absorvida por seu corpo, desaparecendo do exterior para todo o sempre.

    O universo nos olhos de Ônix tornou-se vazio, como se toda a vida tivesse sido extinta, junto ao brilhar que o mundo tinha. Tudo tornou-se cinza.

    A sombra corria em sua direção com um enorme sorriso em seu rosto, mas isso não lhe importava mais, seu coração alcançou o limite da dor.

    Um chute alcançou sua barriga, mas a dor nem pôde ser sentida, era fraca demais em relação ao que o seu interior estava sofrendo, como uma formiga perto do sol.

    Ônix voou até colidir com um prédio, destruindo-o enquanto caía no chão, sem ligar mais para nada. As lágrimas escorrendo dos olhos o impediam de enxergar.

    A criatura saltitava em alegria enquanto se aproximava de Ônix, satisfeita com a dor que causou, mas ela ainda queria fazê-lo sentir uma dor ainda maior.

    Agachou-se próximo a ele, observando seu corpo jazendo no chão, sem mais um pingo de esperança ou vontade para viver. Seu coração já estava morto.

    — Você acha que perdeu tudo, não é?

    Sua voz ecoava em sua mente com clareza, mas causava um profundo incômodo em seu peito. Sua alma a reconhecia como a dona de todas as suas dores, e um abrupto ódio começou a crescer.

    — Mas ainda é cedo demais para acreditar nisso.

    Ela abriu sua palma, apontando dois dedos para Ônix, moldando sua aparência em um ritmo lento, até que eles se formassem no rosto de Saito e Waraioni.

    — Seus irmãos vão ser os próximos assim que eu os encontrar.

    Isso foi além dos limites. Não bastava tirar-lhe tudo, ainda queria os seus irmãos? Não, isso foi inaceitável demais para o garoto que nunca fez nada além de sofrer.

    Um vulcão nasceu em seu peito, trazendo consigo o calor da injustiça. Não demorou muito para entrar em erupção, carregando as fumaças escuras do mais profundo ódio.

    Apoiou seu antebraço direito no chão, enquanto tentava levantar o resto do corpo, mas a dor aguda não queria que ele levantasse, mas sim que permanecesse no chão.

    A criatura riu, dizendo que seus esforços eram inúteis, e que tudo o que lhe pertencia seria tirado, não pelo mundo, não pelo universo, mas sim por ela.

    Ônix fechou seu punho. O calor da lava envolveu seu corpo. Suas cordas vocais tremiam e, como um trovão caindo do céu, seu grito saiu do fundo de sua alma, junto a um soco que rasgou o ar, voando como um foguete em direção ao abdômen da sombra.

    Acertou com violência, como um meteoro colidindo com a terra. Seus ossos foram quebrados, como se um triturador esmagasse o interior de seu corpo.

    Sangue explodiu em seus lábios quando ela voava rapidamente para cima, com os olhos arregalados e brancos em dor, mas sua punição ainda não havia chegado ao fim.

    Ônix teleportou-se para cima dela, juntando as mãos e fechando-as com força, movendo-a como um raio nas costas daquela sombra, enquanto seu grito ecoava pelo ar, rasgando os céus.

    O impacto desse golpe quebrou todos os ossos das costas da criatura, lançando-a para o chão como um meteorito, estando em um estado de quase morte.

    Seu corpo jazia no chão, enquanto sangue vazava da boca como água de torneira. Ônix a observava no chão com olhares vazios, sabendo que, no final de tudo… Sua morte não resolveria nada.

    A sombra começou a se desfazer pouco a pouco, sendo absorvida por Ônix, e ela sabia que não demoraria muito para que desaparecesse de vez, mas a sorte estava ao seu lado.

    Passos pesados ecoavam em um ritmo rápido, como se estivessem desesperados. Ônix olhou para trás, buscando encontrar os donos desse barulho, e infelizmente encontrou.

    Dalila o observava com olhos encharcados de lágrimas, junto a um suor escorrendo de seu rosto. Sua voz, trêmula e preocupada, perguntou:

    — Garoto… Onde está minha filha?

    Os olhos vazios de Ônix entregavam-lhe a resposta que ela sabia qual era, mas não queria ver, nem mesmo ouvir. A dor atravessou seu coração de mãe.

    Ela baixou a cabeça, tampando o rosto com as mãos, mas as lágrimas atravessavam aquela barreira como se ela nem sequer estivesse existindo ali.

    Seu marido a abraçou, também com olhos marejados, tentando acalmar sua esposa, mas ele também não conseguia esconder a dor que estava sentindo.

    Ônix os observou, sentindo sua alma tremer com a dor que o envolvia, sem prestar atenção em suas costas, na sombra que se levantava com dificuldade.

    Em sua última ação, antes de desaparecer completamente, usou seus últimos resquícios de força para criar uma única lança em sua mão direita.

    Lançou-a com toda a força que tinha, desaparecendo por completo logo em seguida, enquanto seu sorriso satisfeito entregava seus pensamentos de alegria:

    ”Eu consegui…”

    Ônix, desatento pela dor, pôde apenas sentir a lança rasgando o ar, passando ao seu lado como um raio, indo em direção àquele casal com máxima precisão.

    Salvatore, por puro instinto, olhou para trás pouco antes de a arma ser lançada, entendendo em poucos segundos o que estava prestes a acontecer.

    Ele olhou para sua esposa e beijou sua testa, acariciando seu cabelo uma última vez enquanto forçava um sorriso, dizendo suas últimas palavras:

    — Amor, eu te amo.

    Ele, gentilmente e com cuidado, a empurrou para o lado, afastando-a do projétil que poderia acertá-la de tabela, virando-se logo em seguida, encarando a lança que já estava rente ao seu peito.

    Seu coração foi atravessado, sem chance alguma de sobrevivência. Seu corpo pendeu para trás por um momento, mas o vento levou-o a cair para a frente, de peito para o chão.

    Dalila abriu os olhos, ainda turvos com as lágrimas. Ao enxugá-los, não pôde acreditar no que estava à sua frente: seu marido morto, com uma lança próximo a ele, encharcada de sangue.

    Esse foi o estopim, seu mundo acabou. Sua garganta rasgou-se em berros, e os olhos explodiram em lágrimas, como se perguntasse para o céu do porquê o mundo ser tão injusto.

    Ônix, distante, observou tudo. Mais uma morte aconteceu em sua frente, e ele não pôde fazer nada. A espada da dor cravou-se ainda mais em seu peito.

    Ele correu em direção a eles, mesmo sem saber do porquê, mas ele já estava no limite, aconteceram coisas demais para um humano normal suportar.

    Suas pernas falharam em meio à sua corrida, e ele caiu desajeitadamente no chão enquanto seus olhos eram cobertos pelas lágrimas, sem ter forças para se levantar.

    Acabou, não há mais motivo para continuar lutando. A angústia devorou seu coração num ponto de ele quase parar de bater, sem propósito para continuar.

    Seu poder era mais uma maldição do que aliado. Salvatore já estava transformando-se em uma sombra, sendo absorvido rapidamente enquanto olhava fixamente, com olhos vazios como o abismo, para sua esposa.

    Infelizmente, tudo o que está péssimo ainda pode piorar. Passaram-se alguns minutos para Dalila cessar suas lágrimas, restando apenas o silêncio no ar.

    Ela arrastou sua mão e pegou a lança, esticando seu braço com ela, apontando-a para seu coração enquanto fechava os olhos, sem mais ver um motivo para viver.

    Ônix, ainda no chão, ao notar o estranho silêncio, tentou levantar seu rosto para conversar com a mulher, compadecendo-se com sua dor, pois entendia na pele o sofrimento da perda.

    Sua voz, trêmula e rouca, disse: ”Dalila…” enquanto se levantava, mas, ao olhar para cima, seus olhos deram de frente com a dor que ele nunca quis absorver e nem mesmo ver.

    A lança estava cravada em seu coração, enquanto o sangue escorria pela sua ponta, sem mais vida nos olhos, enquanto os lábios estavam secos e entreabertos.

    Essa foi a última gota para Ônix e, agora, a espada da dor atravessou seu peito por completo. As lágrimas e seus berros ao céu não mostravam nem um pouco de suas dores.

    Uma tempestade de perguntas invadiu sua mente, mas nenhuma pôde ser respondida. Seu corpo caiu no chão, absorvendo a sombra de Dalila enquanto os olhos vazios fitavam o céu.

    O sistema apareceu, mas isso não lhe era nem um pouco importante. Ele foi parabenizado por concluir a missão, mas de que isso importa agora?

    O sistema continuou a lhe informar, dizendo que seu poder cresceu de dois por cento para nove, mas todo o sofrimento de Ônix só lhe permitia pensar:

    “Não me importo mais…”

    O sistema continuou, dizendo que um portal de teletransporte chegaria em breve, mas Ônix parou de dar atenção a qualquer palavra que ouvia do sistema, até que apenas uma o fez levantar o olhar:

    Sistema de Jogo — Anúncio Global

    Parabéns! Devido à performance do jogador “Waraioni”, a divindade “Yasashi” o concedeu o título de “O mais fraco”! Este ficará destacado acima de sua cabeça.

    Por um momento, sua dor o fez esquecer de tudo. De seus irmãos que o esperavam e de Celeste, que estava à sua espera em algum lugar distante.

    Um fio de esperança cresceu em seu coração ao ver o nome “Yasashi”, que, por surpresa, o fez murmurar: ”Sogro…?” enquanto lia a mensagem do anúncio.

    O portal surgiu ao seu lado, pronto para levá-lo, mas Ônix ainda tinha algo para fazer naquele lugar que só lhe trouxe dor, sofrimento e angústia.

    Por mais que não quisesse, levantou-se, sem saber muito do porquê ainda estava vivendo. Com suas mãos nuas, ele cavou três buracos no chão, grandes o suficiente para caberem uma pessoa.

    Ele posicionou o corpo do casal nos túmulos que fez à mão e, no buraco vazio, escreveu o nome da criança e os enterrou com a areia e pedra que tinha retirado.

    Por fim, juntou as mãos em oração, sem dizer uma palavra, apenas fechando os olhos e rezando para que, de alguma forma, tudo fizesse sentido alguma hora.

    Por que viver? Não lhe resta muita coisa. Seu nascimento veio da dor, sua morte veio do sofrimento, sua ressurreição veio da angústia, e sua vida atual é banhada em morte.

    Nem mesmo Ônix sabia do motivo, mas aquele momento em que algo o protegeu da faca que ele lançou contra seu peito ainda martelava em sua mente, como se fosse o motivo.

    Tudo nele encontrava-se vazio, dos olhos, ao coração e à alma, mas ele ainda estava vivo, e isso não era por acaso. Como uma missão de vida, ele enxugou as lágrimas e prometeu:

    — Prometo a vocês… Vou descobrir um motivo para viver quando não resta mais nada.

    Próximo capítulo: Conhecendo o Sistema.

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