Celeste, junto a S2, desapareceu. O cheiro de sangue ainda pairava no ar em harmonia com o silêncio que havia se instaurado. Ônix ainda sentia seu coração em pedaços; a morte já habitava em seu corpo, mas, agora, seu “porquê” foi fortalecido exponencialmente.

    Saito enxugava as lágrimas que havia em seu rosto. Os olhos ficaram secos, um pouco murchos, entregando o rastro de tristeza que havia caído. Respirou profundamente em seguida.

    — Consegue… Você… O que aconte… Está tudo bem?

    Sua voz saía rouca e as palavras não acompanhavam o turbilhão em sua mente. O que perguntar? Como ajudar? É possível realmente ajudá-lo? Indagações ainda mais profundas e infinitas voavam em sua mente.

    Ônix fitou os olhos de seu irmão como se observasse sua alma. Seus olhos mortiços cobriam qualquer sinal de felicidade, mas as estrelas que habitavam lá tentavam disfarçar suas dores.

    Olhou para baixo em seguida e suspirou. Foi estranho, como se soltasse algo que o matava por dentro, mas ainda não era o suficiente para o restaurar mesmo que um pouco.

    — Você quer que eu seja sincero? Temos que manter isso em segredo do Waraioni também.

    Sua voz… O que foi isso? Não parecia Ônix. Era desanimada, morta, como se estivesse forçando sua garganta a pronunciar qualquer palavra. Ecoava por todas as direções, com uma brisa suave, mas gélida e arrepiante.

    Houve um arregalar nos olhos de Saito e seu coração falhou uma batida logo após. A dor estava transformando seu irmão? No fim das contas, esse colapso era óbvio.

    — … Pode.

    Um breve silêncio inquietante dominou o ambiente. Ônix olhou para suas mãos, pondo-as no peito em seguida, mas não sentia o bater de seu próprio coração.

    — Estou amaldiçoado desde que revivi. Minhas dores nunca saem de mim, nem por um segundo. São poucos os momentos em que eu esqueço da dor que há em meu peito quando algo bom acontece, mas dura só um momento.

    Olhou em volta, fitando o sangue que decorava aquele inferno em que ele estava. Inesperadamente, ele riu. Foi um riso breve e baixo, com os olhos torcendo-se em dor, mas, ainda assim, foram pequenos risos.

    — Me pergunto o que eu fiz pra merecer isso. Minha mãe… Eu só queria tê-la de volta comigo. Queria que, pelo menos, Celeste me acompanhasse, mas esse mundo não permite. O que eu fiz de tão errado?

    Saito sentiu seu coração cortar. No fundo da alma, desejava que tudo fosse apenas um sonho ruim, mas a realidade era mais cruel que quaisquer pesadelos. Seu irmão, nesse mundo, estava fadado à dor.

    Ônix começou a levantar-se e, junto a isso, o sangue alterou a cor para a mais completa escuridão. Olhou para o teto com dúvida e cansaço em seus olhos, mas ainda tinha que seguir em frente.

    — Eu não tenho mais nada, mas o mundo ainda exige me prometer tudo. Estranho, né? Parece que fui escolhido a dedo para viver nesse inferno e eu só queria saber o porquê.

    Partículas em tom vermelho escuro aglomeraram-se no ar, formando uma porta banhada em sangue em seguida. Ela desceu até o chão em um ritmo lento, abrindo-se logo após.

    — Saito… Eu mesmo não sei como eu vou agir daqui para frente. Peço desculpas se alguma hora eu agir fora do controle. Vou tentar disfarçar o máximo que eu posso. Não se sinta culpado, tá? Você e Waraioni são os presentes que esse mundo me permitiu ter. Não vou perdê-los.

    Saito não sabia o que dizer. Ajudar era impossível, tudo já estava quase perdido. Sentia-se um inútil, desprezando a si mesmo por não conseguir fazer nada a respeito.

    Sobretudo, sentia um dever queimar em seu coração: apoio. Mesmo que não conseguisse ajudar agora, sabia que conseguiria em outro momento. Até lá, engoliria sua autodepreciação e o apoiaria, estando sempre presente. Com uma voz pesada, disse:

    — Eu vou te apoiar, Ônix. Nunca vou questionar nada do que você fizer, sempre vou estar ao seu lado. Me sinto inútil, mas, ainda assim, nunca vou te abandonar.

    Ônix, ainda que seu peito ardesse em dor, que seu corpo colapsasse ou que sua mente não aguentasse mais um segundo, olhou para seu irmão e sorriu, sem dizer mais nada.

    Ônix começou a caminhar para a porta. O som de seus passos era inaudível, como se ele não estivesse lá. O chão escurecia conforme cada passo; a escuridão sempre o acompanhará.

    Saito o seguiu. Seu peito encontrava-se no caos da dor, mas seus olhos marejados estavam diferentes: ardendo em chamas. Uma estranha determinação nasceu dentro de si, com o único propósito de proteção. A luz que protege as sombras estava nascendo.

    Assim que atravessaram a porta, ela fechou-se sozinha. Seu rangido era suave, mas ameaçador, como um sussurro que os alertava do que estava por vir.

    Escuridão. Apenas isso existia. O chão parecia invisível, mas era firme. As paredes assemelhavam-se com o nada, mas ainda estavam presentes. O abismo os consumia, impedindo-os de ver, ouvir e sentir qualquer coisa.

    Ônix notou o vazio consumir o lugar. Pequenas lágrimas caíam de seus olhos ao lembrar-se do abraço de Celeste. O maior tesouro lhe foi dado somente por um momento, mas, pelo menos, conseguia sentir que ela o observava.

    “Não importa os meios… Vou fazer de tudo para ver minha família de volta. Eu quero ver todos que eu amo.”

    Esse desejo queimava em seu coração. Ele vai superar todas as provações até que sua alma se quebre e, mesmo assim, vai levantar. No final de tudo, seu desejo se tornará realidade, mas o custo será a mais profunda solidão.

    Uma luz começou a surgir bem distante, mas se fortificava a cada passo dado. A luz revelou-se uma porta prateada, tão brilhante quanto o sol, iluminando o abismo que havia ao redor.

    Saito respirou fundo, pressentindo que a missão estava próxima do fim. Ônix observava a porta com uma leve indiferença, movendo sua mão para a maçaneta em seguida.

    Ele abriu-a. Seu rangido ecoou como um coral celestial. Todo o ambiente foi consumido por uma luz cegante, forçando-os a fechar os olhos. Felizmente, ela desapareceu de pouco a pouco.

    Ônix, agora, sentia o chão quente e grudento. O cheiro de sangue impregnava suas narinas como o cheiro de um banquete infernal. Uma brisa gélida abraçava seu corpo.

    Ao abrir os olhos, observou um enorme globin banhado em sangue. Seu corpo estava marcado por inúmeros cortes enquanto ele bufava sem controle.

    Um pouco distante, um garoto tremia, com um arco e uma flecha na mão. Tentava atirar, mas o medo abraçava seu corpo, impedindo-o de fazer algo.

    Um homem robusto encontrava-se ao lado do globin, segurando um escudo do tamanho de seu corpo. Suor escorria de seu rosto enquanto ele arfava, mas estava intacto.

    Por fim, uma mulher estava ao seu lado. Seu longo cabelo era ondulado e castanho. Seu corpo, à primeira vista, parecia magro, mas era dedicadamente treinado. Havia sangue em seu rosto, mas não era dela.

    Saito retirou sua katana da bainha gentilmente, observando com cuidado todos os presentes. Ônix soltou um leve suspiro desanimado, mas estava pronto para o que estava por vir.

    O ar pesou no ombro de todos os presentes com a presença desses dois. Olhar para Saito era como observar uma leve luz, mas olhar para Ônix era ver o abismo. A morte rodeava seu corpo.

    Próximo capítulo: As maldições serão entregues.

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