Capítulo 28: Paz revogada
Ônix encarou aquela janela do sistema. Uma aura escura abraçava sua presença. Gemidos roucos vazavam de lá, como se chamassem seu nome.
Os gemidos cessaram. Uma boca com dentes afiados começou a surgir pouco a pouco no centro da interface. Olhos começaram a ser formados de lá, ainda mais escuros que o próprio abismo.
Aquela coisa encarou Ônix sem pausa, olhando-o de cima para baixo. Um ar sombrio escapou de sua boca, parecendo um suspiro. Não demorou muito para essa coisa falar:
S10 — Alguns mortos gritam em sua alma, implorando por maldições.
Sua voz, grave como o trovão, ecoou por todo o ambiente. Saito, observando de longe, sentiu seu corpo pesar enquanto o coração pulsou em ansiedade. Aquilo não parecia um sistema.
“O que é isso…?”
Por instinto, moveu sua mão à katana, mas uma dor insuportável surgiu em seu braço. Sua pele queimava ligeiramente enquanto os ossos estalavam.
Sangue vazou de sua boca, e ele ajoelhou-se em seguida. Sua visão encontrou-se turva; um zumbido ecoou violentamente em seus ouvidos, como se o mordesse.
Não conseguia mais pensar, apenas arfar sem controle enquanto gotas de sangue caíam de seus ouvidos e narinas. O sistema de jogo surgiu diante dele, com uma mensagem que apenas ele podia ver:
Sistema de Jogo
Cuidado! Seu corpo atingiu a exaustão. Continuar se esforçando pode te levar à morte.
Desapareceu logo depois, misturando-se com o vento. Saito soltou um Tsk! involuntário em reprovação, tentando levantar-se em seguida, mas seu corpo não o respondeu.
O garoto ajoelhou-se ao seu lado, tocando suas costas e olhando-o com olhares preocupados. Saito sentiu suas costas serem tocadas e olhou para o lado, mas não conseguia enxergar com eficiência. O garoto perguntou:
— Tá tudo bem?
E isso foi o suficiente. Essa simples pergunta ecoou na mente de Saito, martelando em sua cabeça como uma criança impaciente e teimosa.
A dor começou a lhe causar alucinações. Ao olhar para o garoto, por um momento, viu em seus olhos o universo que habitava nos de Ônix.
Olhou para frente. Os olhos arregalados ainda o enganavam, iludindo-o com uma imagem de Ônix sendo enforcado pelo sistema que havia surgido.
Ba-dump… Esse foi o estalo necessário. Sua garganta, trêmula e seca, impediam-no de falar qualquer coisa; porém, seu desespero foi maior do que quaisquer amarras.
Ele levantou-se, ignorando todas as dores que tinha. Suas pernas tremiam, teimando em obedecê-lo, mas sua determinação não era algo que podia ser parado apenas por isso.
Sua garganta amarrava suas falas como o nó de uma corda, mas seu berro foi superior a essa barreira. Ele correu, segurando sua arma com tudo o que podia enquanto o elemento “fogo” vazava de seu corpo.
Esse berro ecoou, como se fosse um grito de guerra. Estranhamente, Ônix foi o que mais “sentiu” esse grito, como se ele apertasse suas orelhas.
Quando olhou para o lado, Saito já estava ao seu lado, fitando o sistema. Seus olhos eram cortantes, semiabertos; chamas vazavam de lá como o farol de um carro.
Sua arma tremulava enquanto raios a cobriam. O sistema moveu seus olhos para o lado com indiferença. A katana estava prestes a acertá-lo, mas, para ele, isso era apenas fútil.
O mundo perdeu a cor tão de repente quanto um corte. O ar ficou escasso e difícil de respirar. Saito estava paralisado no ar enquanto tudo ao seu redor encontrava-se estático. Isso significava apenas uma coisa: o tempo parou.
Ônix ainda podia se mover livremente, mas, com um incômodo em seu peito. Seu irmão estava à sua frente, parado, desesperado para ajudá-lo, e isso lhe cortou o coração.
Moveu sua mão em direção a ele, mas nada tocou. Estava tão perto, mas, ainda assim, parecia inalcançável, distante como o chão do céu.
O abismo envolveu completamente aquele lugar. Ônix estava sozinho, apenas ele e a escuridão. Olhou para um lado e para o outro, mas nada encontrou.
Duas orbes prateadas encaravam-no. Dentes afiados encontravam-se nas sombras, em uma tentativa falha de ocultar suas maldades. Não demorou muito para aquela coisa falar:
S10 — Você será amaldiçoado.
Todo aquele abismo começou a invadir o corpo de Ônix, adentrando-o pouco a pouco. Seu coração, que já se encontrava destroçado, começou a se destruir ainda mais.
S10 — Quando a noite chegar, os mortos gritarão as dores que possuem em sua mente. Quando estiver inconsciente, sonhará com a vida das pessoas que absorveu, uma por noite. Por fim, seu corpo será incapaz de produzir lágrimas.
O corpo de Ônix começou a vibrar. Líquidos escuros flutuavam dos olhos, evaporando em seguida. Sua visão ficou turva, escurecendo pouco a pouco. Seu equilíbrio se perdeu, traindo-o, jogando-o no chão sem que nada pudesse ser feito.
Os olhos começaram a fechar pouco a pouco. As últimas palavras daquele maldito sistema ecoaram em seus ouvidos e invadiram sua mente antes que Ônix desmaiasse:
S10 — Tenha bons “sonhos”, escolhido pela dor.
O tempo voltou a andar, e o mundo recuperou sua cor. O golpe flamejante de Saito cortou o vento, ecoando em um tchin agudo, mas nada acertou.
Seu êxtase se foi, substituindo-se por um extremo cansaço. Suas mãos não tinham mais força para segurar sua arma, que caiu desajeitadamente para o chão.
Sua boca estava semiaberta e os olhos mortiços. Os olhos moveram-se para baixo em um ritmo lento, buscando seu irmão. O encontrou, mas ele estava caído. Isso o assustou por um momento, fazendo-o mover seu braço para lá; no entanto, sons de passos ecoaram, forçando-o a levantar sua atenção.
Conseguiu levantar os olhos com esforço. Estava turvo, mas conseguia ver uma figura distorcida carregando algo em suas costas enquanto se aproximava deles.
Saito sentiu seu coração disparar, saltando involuntariamente para a frente de Ônix. Quando pousou, suas pernas fraquejaram, deixando-o ajoelhado.
Moveu os braços ao horizonte. Sua visão estava tão embaçada que parecia estar enxergando apenas névoa, mas, ainda assim, ele encarou o que se aproximava.
Saindo da perspectiva de Saito, próximo dele e de seu irmão, aquela moça se aproximava deles, carregando seu marido desacordado em suas costas.
Ainda estava um pouco distante, mas cessou seus passos e agachou. Em seguida, retirou gentilmente seu esposo das costas, deitando-o no chão.
Logo após, ela abriu seu menu e pegou três algodões pequenos em cor verde. Pensou: “São os últimos que tenho… Mas tenho que retribuir.”, fechando seu menu em seguida.
Posicionou o primeiro algodão nos lábios de seu marido. Ao entrar em contato, o algodão começou a se desfazer, mas o corpo de seu marido começou a brilhar enquanto partículas prateadas vazavam do corpo.
Voltou a andar em direção a Saito e Ônix. Saito rangia os dentes, observando-a como uma fera encurralada, mas isso não fez a moça recuar.
Quando chegou perto, agachou, oferecendo os algodões para Saito. Um singelo sorriso surgiu em seu rosto. Sua voz, calma, ecoou para Saito:
— Pode pegar. Seu amigo salvou meu filho, vou ajudar vocês.
A cautela de Saito desapareceu, substituindo-se por surpresa e confusão. Devido ao ato bondoso da moça, sua figura, para ele, transformou-se em Ônix sorrindo gentilmente.
Saito abriu sua boca ligeiramente. Seus lábios tremiam, falar estava quase difícil, mas sua voz, ainda rouca, lhe permitiu murmurar com esforço:
— Ah… É você, Ônix?
Moveu as mãos para o algodão, mas seu corpo desabou em seguida. Esse pequeno momento de “relaxo” foi o suficiente para fazê-lo desligar.
Próximo capítulo: Sonhador.
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