Capítulo 36: Alma Pura, Sofrimento Eterno
A escuridão não estava presente apenas no exterior. O interior conseguia ser ainda mais insuportável, mais do que reviver seus piores pesadelos todos os dias.
O que foi tudo aquilo que acabara de ver? As criaturas que matou, seres de uma missão que não deveriam ter propósito algum, tinham uma vida tão humana quanto a sua?
O universo em seus olhos estagnava-se na dúvida existencial. Encontrar aqueles seres com história foi puramente obra do acaso, ou todos os NPCs têm isso em comum?
Se for parar para pensar, tanto Carol quanto Robson também são criações desse mundo. Isso torna Ônix um assassino digno de julgamentos e pena de morte?
S4 — Essa é a missão que você vai ter que enfrentar, Ônix.
Como a luz no fim do túnel, a voz daquele sistema ecoava como a ondulação da água. Seus olhos observavam o garoto em um tom desanimado e piedoso.
S4 — Encontrar a resposta não vai ser nem um pouco fácil. Você pode pensar que está sozinho, e, pensando assim, só entrega que você já esqueceu, né?
O calor que o beijo de Celeste causou parecia ter retornado para seus lábios. As lágrimas de Saito ainda doíam em seu peito, e a confusão que Waraioni demonstrava parecia arder demais.
No fim das contas, mesmo que se sentisse como a última fagulha de luz num mar de petróleo, ainda havia pessoas que o amavam e que o esperavam pacientemente.
S4 — Se não consegue achar um motivo pra viver por si, mesmo que não veja sentido, viva pelos outros. O tempo é senhor de tudo, e o seu motivo logo chegará. Nada é como o dia de amanhã.
Em meio às suas palavras acolhedoras, ele, de pouco a pouco, começou a desaparecer. Desejando se despedir desse pequeno encontro, disse suas últimas palavras:
S4 — Já é hora de acordar, Ônix.
Os olhos pesavam de pouco a pouco, fechando-se até encontrarem o absoluto nada, entregando-se ao abismo que existia dentro de si há muito tempo.
Como o sopro do vento, o cantar dos pássaros parecia vir de um lugar distante. Um calor incômodo apertava suas pálpebras, como se desejasse o despertar.
Seu corpo parecia estar envolto em algo macio, mas quente o suficiente para o refugiar de qualquer inverno que um dia poderia surgir para lhe tirar da paz.
As costas encontravam apoio em algo confortável, como se o fizesse flutuar em nuvens, um conforto que todos deveriam experimentar pelo menos uma vez em vida.
As sensações voltavam gradativamente. A barriga levantando-se com a respiração, os dedos tremendo ao tentar se mexer, arrepios vindo dos pés e alcançando o pescoço…
Tudo isso contribuiu para que ele abrisse os olhos. Não houve bocejos, observação, nem mesmo indagações sobre onde estava, apenas o mais profundo silêncio.
Ao inclinar um pouco o pescoço para a esquerda, pôde observar a janela de vidro. No lado de fora, existiam gramas, árvores, asfaltos… Dava para observar até os pássaros nos postes.
Sua mente ainda divagava sobre o que tinha acontecido. A maldade do primeiro sistema, a piedade do quarto, histórias que não deveriam existir, lágrimas que não queria ouvir, maldições que nunca desejou ter…
Por mais que perguntasse a si incontáveis vezes, nenhuma resposta poderia encontrar. Como bem dito, nada é como o dia de amanhã, e, agora, é hora de começar o hoje.
Levantou-se, sem dizer uma palavra. Dobrou o lençol como se fosse seu, também arrumando com cuidado a cama que lhe deu refúgio enquanto dormia.
De quem era aquela casa, aonde ele estava, se era seguro ou não, nada disso importava. No fim das contas, o que realmente importa agora é dar sequência no seu dia.
Com os mesmos passos lentos de sempre, caminhou até a porta fechada, abrindo-a com cuidado, retirando-se do quarto sem causar confusão alguma.
A luz era muito mais presente agora. O solo era gélido, mas confortável. O aroma era aconchegante, e o ambiente cheirava a paz, como se os problemas não existissem ali.
Uma mesa encontrava-se à sua frente, com as cadeiras organizadas e sem um prato para lavar. Todos limpos, incluindo os talheres, indicando que o almoço já havia sido realizado.
Uma voz, baixa e abafada, parecia vir da esquerda. Não tinha uma qualidade muito boa, deixando óbvio que se tratava de um som que vinha da televisão.
Em um caminhar cuidadoso e baixo, direcionou-se até onde o barulho vinha. Uma moça assistia atentamente ao conteúdo que passava, sentada em um confortável sofá.
Seu filho dormia em seu colo, babando na calça da mãe como uma criança, por mais que tivesse idade o suficiente para ser considerado um adolescente.
Seu coração apertou, não por inveja, mas por lembranças. Bons tempos aqueles em que podia conversar com sua mãe quando chegava da escola, sem imaginar do seu futuro trágico.
Seu olhar não estava marejado, tampouco chorava, não porque não queria, mas sim por não poder. Com uma voz cansada e o olhar entristecido, dirigiu-se à mulher:
— Ei… Moça…
Ela olhou gentilmente para o lado, notando aqueles olhos tão belos quanto a noite a observando. Seu silêncio não foi por confusão, e sim, respeito em esperar que ele terminasse de falar.
— Eu dormi na sua cama e ocupei sua moradia… Dobrei a coberta com cuidado e cuidei da cama, mas, não cobre sua gentileza. Por favor, como eu posso retribuir a sua boa ação?
Seus olhos arregalaram-se sutilmente em surpresa. Tão jovem, com tantos pensamentos incômodos, mas priorizando mesmo que inconscientemente em ajudar o próximo…
Os pensamentos de Luna vagavam-se nesse sentido. Como a mãe protetora que é, não pôde deixar de notar as olheiras que existiam abaixo dos olhos daquele inocente garoto.
— Você parece cansado…
Com um sorriso caloroso, disse que não precisaria ajudá-la em nada, porque já tinha ajudado demais. As palavras seguintes não poderiam ser outras:
— Tira o dia pra descansar, bobo. Por que não vai respirar um pouco lá fora? Tem flores muito lindas e elas cheiram muito bem, com certeza vai te ajudar.
Ele sentiu isso. Não foi uma expulsão disfarçada de convite, tampouco intenções rudes no que falava. Tinha algo mágico lá fora que estava o aguardando pacientemente.
Agradeceu como o bom homem que é. Em seguida, caminhou até a porta, dirigindo-se para o quintal da casa, desejando ter só um dia para repousar no vento.
Era gentil e aconchegante. A grama parecia macia demais pra ser real; o sol não oferecia energia, mas refúgio, como se sussurrasse em sua alma que estava tudo bem.
Incontáveis flores rodeavam a casa, tão lindas quanto as estrelas no universo, mas, o que mais lhe surpreendeu foi um sistema verde que regava pacientemente alguns girassóis.
Próximos capítulos: Histórias não são dores.
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