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    Aqueles olhos conseguiam ser mais verdes do que a própria cor podia proporcionar. Era intenso, mas, também, tão sereno quanto um mar que nunca conheceu a ondulação.

    Regava o girassol sem desviar a atenção nem sequer por um momento. A energia que a circulava era de completa paz. Nem a pior das tempestades a incomodaria.

    Poucos segundos depois, a água que caía do regador cessou sua presença, indicando que o seu trabalho havia sido concluído sem um rastro de falhas.

    Aquela flor estava mais linda do que nunca. Sua cor conseguia ser tão vívida quanto o sol que abraçava os céus, como se ela fosse um luminar tal como as estrelas são.

    Um suspiro escapou dos lábios daquela sistema. Naturalmente, um singelo sorriso surgiu em sequência. Ela sabia, melhor do que qualquer um, que as chuvas não têm a capacidade de apenas destruir algo.

    Ônix observou tudo com cuidado. Uma paz momentânea abraçou seu corpo, e sua noção de tempo foi distorcida. Para ele, os minutos que se manteve parado transformaram-se em instantes.

    Aquela sistema inclinou sua interface com calma para a esquerda, como se já soubesse que alguém estava lá, observando-a se refugiar na paz que a natureza trazia.

    O que os outros poderiam ver era um garoto com olhos peculiares. Não muito alto, olheiras destacadas e um cansaço incômodo o suficiente para ser palpável.

    No entanto, o que ela via era alguém que sofreu demais. Seus olhos enxergavam dor, angústia, arrependimentos, lembranças que facilmente tornaram-se alfinetes.

    As histórias que perseguiam aquele rapaz, mesmo que tentassem ser acolhedoras, sempre iriam lhe tirar a paz. O que recordava era algo que desejava apagar da memória.

    Ela fitou seus olhos universais com um carinho ainda maior do que ofereceu às flores. Flutuou lentamente em sua direção, o suficiente para o ver de perto.

    Não disse nada, nem sequer suspirou, mas, ainda assim, sem um aviso prévio, deu-lhe o abraço mais confortável que ele poderia receber nesse novo mundo.

    Lágrimas escorriam de seus lindos olhos verdes, não de tristeza, tampouco incômodo, mas compreensão. Tudo o que ele passou, ela sentia como se fosse experiência própria.

    S6
    Nem sempre a chuva destrói. Se você aguentar, vai ser revigorado com a beleza da vida.

    Ônix não entendia o que estava acontecendo, mas essa não era uma ocasião onde a compreensão se fazia necessária. O que ele não podia chorar, S6 fazia isso por ele.

    Ainda que seu passado o matasse, que suas dores nunca cessassem, que as maldições lhe contassem eventos que suas ações destruíram, mesmo que tudo se perdesse e sobrasse apenas as recordações…

    S6
    Histórias não são dores.

    Paz, amor, sobretudo, entendimento e compreensão. Ônix a abraçou de volta, apoiando sua testa na interface acolhedora daquele anjo que o mundo dizia ser um sistema.

    Tudo o que podia responder transformou-se em sussurros. Agora, o que falava por si não era a consciência, mas sim a agonia que o inconsciente guardou consigo.

    — Como não são…? Tudo o que eu guardo são memórias do que um dia eu tive. Os mortos me perseguem, as dores não descansam nem quando eu durmo e, quando eu acordo, tenho que enfrentar mais maldições…

    Compreensão de uma mãe, sabedoria de um bom pai, amor de uma esposa e companhia de um fiel companheiro, a resposta que lhe foi dada envolveu tudo isso e mais um pouco.

    S6
    Você tá pensando errado. Tudo o que lhe foi dado foi um presente, e o que foi-lhe tirado voltou ao anfitrião que os criou. O que você teve um dia, terá em dobro quando o amanhecer chegar. Você não está sozinho, tampouco perdeu tudo, estou errada?

    Ônix sofria demais para entender que o que perdeu já estava sendo recuperado. Mesmo que tivesse acontecido há poucos minutos, quase esqueceu da gentileza que Luna demonstrou a um desconhecido como ele.

    A companhia que desejava ter lhe era dada de pouco a pouco, seja pelo sistema ou pelos bons momentos que pode ter com seus irmãos que ainda estão ao seu lado.

    A ficha caía de pouco a pouco. Nada como um dia após o outro, onde as nuvens estão em lugares diferentes e o sol brilha de um jeito ainda mais único do que o ontem.

    Algo gélido, mas macio, foi posto em seus dedos. Um desgastado regador, que parecia ter vivenciado milhares de anos, ainda estava em um estado usável e, agora, era sua vez de usar.

    S6
    Se você tentar, vai entender tudo.

    Ao seu lado, havia uma flor Hortênsia em tom ciano. Era como se incontáveis borboletas repousassem em si, a maior representação de amor que a natureza podia oferecer aos humanos.

    Porém, estava murcha. Sua vida se esvaía a cada segundo que se passava, não por maus-tratos, mas sim porque chuva alguma veio para refugia-la da solidão.

    As “borboletas” murchas lamentavam as asas que nunca voaram, mas aguardavam pacientemente um novo amanhã, sem o verde de esperança, tampouco o azul intenso.

    Ônix sentou-se na grama, respirando fundo, concentrando-se nas sensações que vinham do ambiente. O sopro do ar, abraço das gramas, frio agradável em um misto aconchegante de calor…

    Começou a regar. O som da água rebatendo-se na flor era mais limpo do que qualquer fone poderia oferecer. A recuperação era lenta e gradativa, mas tão visível quanto as estrelas na noite.

    Esse evento parecia inútil à primeira vista. Nada acontecia, nenhum milagre, ninguém o chamando, tampouco a solução para seus problemas, mas a magia estava presente.

    Sua mãe biológica, adotiva, seu pai, seus irmãos, namorada, amigos, professores, escola, todas as lembranças vinham retornavam como o decorrer de um filme.

    Tudo isso se perdeu, mas, agora, não existia dor. Relembrando esses momentos, sentiu-se feliz com as situações agradáveis, riu com eventos engraçados, e, também, abraçou a angústia em momentos tristes.

    Não havia julgamento, apenas aceitação. Sem que percebesse, estava começando a ficar grato por esses dias terem existido, entendendo que eles não eram falsos.

    Foi então que Ônix finalmente entendeu. Às vezes, um ato de amor do mundo é fazer algo não existir mais. Essa mensagem é para todos: mesmo que os pássaros percam as asas, o céu ainda é alcançável.

    Quando Ônix notou sua respiração, horas já haviam se passado. Não existia mais água no regador, e a flor que pediu ajuda esbanjava ao mundo sua felicidade com a chuva.

    Ao olhar para trás, S6 ainda estava o observando com um caloroso sorriso no rosto. Não houve palavras trocadas entre os dois nesse momento, apenas compreensão e gratidão de ambas as partes.

    Naturalmente, ao concluir sua parte, aquela sistema começou a desaparecer de pouco a pouco, despedindo-se de seu novo amigo com um olhar carinhoso.

    Um abraço foi involuntário, tanto dela quanto de Ônix. Mesmo que soubessem que era involuntário e não tinha como parar aquela ação, nenhum dos dois desejou a ida um do outro.

    Nada dura para sempre e infelizmente S6 retornou para um lugar distante. Ônix estava sozinho agora, somente ele e vento, mas, depois de muito tempo, um sorriso genuíno abraçou seus lábios.

    Alguns passos se aproximavam dele vindo pela direita. Ao olhar, lá estava o filho de Luna, observando-o com curiosidade enquanto segurava uma pequena caixa de bombom.

    Ônix ainda não tinha percebido, mas uma nova família estava se formando para ele e seus irmãos. Nada como o dia de manhã, o ontem se fez antigo e o hoje tornou-se novo.

    Próximo capítulo: A Melhor Forma de se Reencontrar.

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