Capítulo 4: Conhecendo o Novo Mundo
Enfim, tudo acabou. Seus sonhos, família, desejos… Conforme os escombros abraçados em chamas desabavam, tudo o que lhe restava voou como as brasas ao vento.
As consequências desse evento desencadearam uma trágica história para Celeste e um enredo único para Saito e Waraioni; mas isso é uma história para contar outro dia.
Os olhos secos de Ônix levantavam-se pouco a pouco, trazendo consigo sua consciência perdida. O silêncio ainda sussurrava suas dores enquanto ele se erguia.
Estava sentado, pensando em nada, olhando para o chão enquanto sentia sua textura. Estava gélido, parecia espinhoso, como uma casa abandonada reconstruída às pressas.
Algo ainda mais frio do que o silêncio incomodava seu peito. Essa sensação também se encontrava ligeiramente presente ao redor do seu pescoço.
Assim que o tocou, seus dedos entraram em contato com seu colar relicário, que reagia à sua presença. Um calor, em um misto de sentimentos, envolveu seu corpo.
Retirou o colar, fitando-o com olhos caídos, recordando-se do que perdeu. Assim que apertou o pequeno botão que lá se encontrava, as mesmas fotos com as mesmas mensagens ainda residiam lá.
Lágrimas caíam nas fotos conforme elas eram reveladas. Apoiou-as gentilmente em seu peito, enquanto fechava os olhos esperando sua tristeza cessar.
Suas lágrimas cessaram, mas a dor em seu peito não diminuiu nem sequer um pouco. Pobre garoto; essa maldição de nunca sentir paz vai persegui-lo até o final da jornada, mas vai valer a pena.
O colar fechou, mostrando apenas os três corações dourados que lá estavam presentes. Ônix o pôs de volta, questionando se o que aquele sistema lhe dissera era verdade.
Aceitou reviver porque havia perdido tudo, mas retornou com ainda menos. Sua tão amada família não reviveu e, agora, ele estava completamente sozinho.
“O que eu estou fazendo aqui…?”
Questionamentos sobre sua vaga presença alcançavam os céus, mas nem mesmo um único pássaro respondeu suas indagações. Até mesmo a natureza o abandonara.
Partículas cianas surgiram pouco a pouco, iluminando aquele monótono lugar com sua suave cor. Pouco depois, revelou-se outro sistema, porém menor que o anterior.
S1 Minimizado
Olá, jogador. Vim lhe informar detalhadamente sobre seus poderes. Posso dar continuidade?
(Sim) (Não)
Tempo: 5… 4… 3…
Ônix levantou lentamente a cabeça, fitando aquela mensagem com um vazio em seu olhar, enquanto seus olhos pareciam entreabertos, não vendo significado em nada.
S1 Minimizado
O tempo excedeu o limite. A escolha será automaticamente selecionada para “Sim”. Leia as informações abaixo:
Nome: Dono das Sombras.
Quantidade de poder atualmente disponível: 1%
Habilidades disponíveis: Sombras em Todo o Lugar.
Informações: Quando alguma parte do seu corpo tiver contato com algo, este ficará marcado pelas sombras e, com este algo marcado, você poderá se teleportar até ele. A quantidade de sombras marcadas sobre algo depende de quantas vezes ele tiver contato com qualquer parte do seu corpo.
Primeira passiva: Corpo Aperfeiçoado.
Informações: Você teve um aumento exponencial em todos os seus atributos físicos e nos seus sentidos.
Segunda passiva: Princípio Amaldiçoado.
Informações: Todas as dores que você acumulou durante a sua vida não cessarão até que uma paz eterna preencha todo o seu amargo coração.
Terceira passiva: Sobrecarga.
Informações: Se a quantidade de sombras for demais para sua porcentagem atual, todo o seu corpo sentirá uma dor além dos limites.
Isso é tudo, jogador.
Maldições presentes até em sua ressurreição… O mundo realmente o odeia. Seus olhos tornaram-se ainda mais mortiços após ler o que o sistema lhe oferecera.
“Todas as dores não cessarão… Entendi. Do início ao fim, eu fui escolhido para sofrer aqui.”
Seu coração mais parecia-se com um tambor. A dor aguda e arrepiante sussurrava todos os seus arrependimentos sem pausa. Seu inferno particular já havia começado.
De repente, as partículas começaram a colapsar, alternando entre todas as cores. Aquela tela ciana distorceu, como se lutasse para evitar a autodestruição.
Uma fenda horizontal rasgou-a, formando uma boca abissal que ainda construía sua aparência. O nome também corrompeu, abandonando sua antiga forma.
A boca formou-se, junto aos dentes afiados que a preenchiam. Uma brisa desconfortável vazava de lá, trazendo um frio que assemelhava-se a um inverno cheio de neve. Sua voz ecoou em um coral cósmico:
S̸̡̅ͨ̌ͥ͐͒ͪ͂͟͡͠͏̲̯̪̦̩̺͉̳͜͞1̡̡̨̛͚̜̪̩̲̜͚̭̆͐͗ͫ̇̉̅ͯ̀͟͞͡ ̍̌̉ͪͧͧ̆͗͘͞҉̨̛̣̯͉͕͔͚͉̤́͟͝M̸̡̡̡̡͛ͥ̋͑̈́ͨ̈̅͢͟҉̭͉̜͇͕̜̲̳i̡ͨͭ͋ͩ̈́̊̓͑͏̴̸̨͡҉̵̭̭̻̮̟͇̮̟n̷̢̧͌̆̃̿ͮ̑ͩͭ̕͜҉̧̝̥͎͉͇̥̤̰͞įͯ̈́̓̿̓ͣ͐̚̕͠͡͏̠̯̜͍̥̯̟͜͞͡ͅm̧ͧ̑̌͆ͥͨ͛͛̕͝͞͏̵̡͈̝̥͉̻̫͎̠͜i̡̧͆͛̀̍͑̍͋̉̕͜͜͞͞҉͙̗͉̺̹̖͙̘z̶̸̶̴̛͓̰̤̪̥͔̻ͪͦ̃͐͊͒͛̏́́͡ͅą̴̆͋̀ͪ̍̍̆̌͜͟҉̶̡̯̘̞̖͙͙͚̙͝d̨̐͆̓̓ͧͩ͆́̚̕͝͏̶̛̺͔̪͓̥̹̪̖̕o̡̧̗̞̮͔̖̻̘̞̎ͮͮ̓ͦ̐ͧͦ́́͜͢͝͞?̡̧̨͛̉ͤͯ͛̆̂ͬ̕͞͏̭͈͔͇̝̬͖̙̕͟
Boa sorte.
Desapareceu logo após, deixando-o abandonado, abraçado pela dor e pela escuridão que lhe foram dadas. Que irônico; tiraram tudo o que lhe era direito, e ainda assim apareceram apenas para desejar boa sorte.
Ônix olhou para o teto, ouvindo atentamente o silêncio que o abraçava. Dos braços às pernas, não via sentido em se movimentar, desejando desaparecer ali mesmo.
Desaparecer… Essa palavra martelou em sua mente, desejando que tudo sumisse. Suas dores, a escuridão, o silêncio, tudo. No fim das contas, apenas uma coisa atendia seus desejos.
Nada existe com a morte, inclusive as dores. Não há felicidade, muito menos tristeza; apenas o limbo sorria, aguardando a luz. Essa foi a resposta que ele encontrou.
As pernas levantaram-se, movimentando-se para a cozinha com o único desejo de encontrar uma fuga, algo que fizesse tudo parar de doer: a morte.
Os passos ecoavam lentamente pela madeira, arrastando-se pela casa. Quando chegou à cozinha, nada encontrou, exceto uma lâmina prateada, afiada como uma espada, brilhando como ouro.
Moveu os olhos para ela, sussurrando suas frustrações enquanto suspirava. Caminhou até a mesa, fitando aquela faca que o convidava para usá-la.
Ele pegou seu cabo. Lá estava a oportunidade que ele queria para escapar de tudo. Era confortável, como se segurasse um diamante; seus olhos fecharam-se enquanto um gentil sorriso escapava de seus lábios.
Dopamina. Aparentemente, Ônix havia encontrado a solução para seu problema, e isso, por um momento, o fez sentir uma falsa sensação de felicidade.
“Eu espero que tudo acabe agora.”
Movimentou-a para seu peito, apontando em direção ao coração. A gélida ponta afiada abraçava a pele, preparando-se para penetrar o que estava ao seu caminho.
Ba-dump.
Afundou a lâmina em seu coração, sentindo um alívio cobrir seu peito, o silêncio sussurrar seus traumas, como se tudo tivesse acabado ali.
O barulho do metal colidindo contra o chão o fez abrir os olhos. Seu conforto sumiu, substituindo-se pela maior confusão que o mundo podia oferecer.
Tocou seu peito, mas nenhum ferimento residia lá. Quando percebeu, a faca já não estava mais em suas mãos, encontrando-se pousada no chão, ainda o convidando.
“Por que eu ainda não estou morto?”
Que estranho. Até um momento atrás, ele podia jurar que estava morto, mas a faca havia abandonado seu peito, permitindo-lhe viver, traindo seus desejos.
Sua confusão virou raiva, que logo após transformou-se em ódio. Cerrou os dentes, torcendo os lábios em desgosto e reprovação enquanto movia a mão bruscamente para a faca.
— NÃO TEM POR QUE VIVER SE EU NÃO TENHO MAIS NADA!
Segurou o cabo da faca sem controle de sua força, amassando-a, quase a transformando em pó. Ainda a segurando, jogou-a para o horizonte, mirando em seu peito com uma precisão maior do que antes.
Jogou-a contra seu coração. A lâmina estava prestes a rasgar seu peito, com o propósito de retirar sua vida, mas o sobrenatural impediu que ela o tocasse.
Quando a faca estava prestes a acertá-lo, seu estado físico tornou-se intangível, escapando de sua mão como água nos dedos, traindo-o pela segunda vez.
Os olhos arregalaram. “Por que a faca atravessou? Por que eu ainda não estou morto?” Essas indagações o atormentavam com ainda mais força do que suas dores.
As pernas perderam a força, abandonando-o no chão. Ódio, tristeza, perguntas, tudo o abraçou, fazendo-o berrar contra o solo enquanto lágrimas caíam como tempestade.
Fechou os olhos. O corpo curvou-se com a dor que se abrigou em seu peito. Nem mesmo o vento se importava com sua presença, mas algo invisível o abraçou.
Alguma coisa estava lá, apoiando seus olhos em algo vazio, cobrindo-o com paixão, como uma mãe que consola seu filho perdido nas sombras.
Isso foi tudo o que ele precisava: um abraço. Ele abraçou o invisível que o confortava, ainda com os olhos fechados, absorvendo o carinho que sorria para ele.
Era real demais para ser mentira. O aroma se assemelhava a flores, seu toque macio parecia algodão, o aconchego se parecia com o gentil abraço de uma esposa após um longo dia cansativo de trabalho.
Paz. Uma breve paz abraçou seu coração, fazendo-o esquecer que a dor existe, mas não era o suficiente para fazer sua maldição desaparecer.
Levantou a cabeça. Um suspiro trêmulo escapou das narinas enquanto as lágrimas cessavam, ainda mantendo seus olhos trancados contra o mar que lá habitava.
Algo gentil tocou sua testa, deixando ali pequenas gotas de água, marcando-o com gentileza. Quando abriu os olhos, nada estava lá com ele.
Foi por um tempo curto, mas isso o acalmou. Imagens de sua mãe Isabella percorreram sua mente. Seu pai, irmãos, namorada e, por fim, uma moça que ele não reconhecia pela aparência.
Um cabelo tão longo quanto seu corpo, ruivo como uma rosa gentil que ilumina a grama. Os olhos escuros eram tão brilhantes quanto o sol e, por fim, seu gentil sorriso levantava os lábios.
Essa mulher, ou melhor, sua mãe biológica apareceu em sua mente, mesmo que ele não a conhecesse. Isso só significava uma coisa: ele não estava sozinho.
Suspirou profundamente, enxugando as lágrimas que estavam presentes, olhando para o céu enquanto tentava sorrir, grato pelo conforto que algo lhe deu.
“Obrigado…”
Tocou o solo, sentindo-o mais confortável e aquecido agora, erguendo-se lentamente. Ao levantar-se, tocou seu colar relicário, prometendo a si mesmo que tudo daria certo.
“Me desculpem pela minha desistência. Eu não sei por que devo viver… Mas vou continuar vivo para descobrir a resposta.”
Fechou os olhos, respirando o silêncio que pairava como um véu e absorvendo os resquícios do calor que o abraçara. Seus passos leves começaram a ecoar em direção à porta.
Sua jornada em busca da resposta estava a apenas um passo de distância. Um garoto, que jamais passou um dia na ausência dos pais, caminhava isolado em uma jornada desconhecida.
Ao abrir a porta com cuidado, o rangido ecoou, trazendo consigo a luz do sol que, aos poucos, fazia daquele lugar seu território sagrado.
A casa, outrora desesperançosa, agora respirava luz e inspirava nostalgia. Ônix, ao olhar para trás uma última vez, fitou a mesa brilhante, recordando seus pais, amigos e sua namorada no aniversário.
Seus olhos marejados se apertaram em saudade; os lábios se curvaram num singelo sorriso enquanto ele pensava: “Me desejem boa sorte.”
Fechou a porta e se retirou de sua amada moradia. O sol sorria para ele; a luz o abraçava, sussurrando boas-vindas, e a brisa era fria, mas agradável, como se o cobrisse com um casaco.
O asfalto estava limpo e firme, como se fosse completamente novo. As casas brilhavam; as gramas eram tão verdes que pareciam irreais; as nuvens decoravam o céu como fogos de artifício.
Quanta beleza. Pássaros empoleirados nos postes, cachorros rolando na grama, gatos sobre as casas e girassóis dançando com o vento, mas nada disso disfarçava o silêncio que ali imperava.
Para ser mais preciso, a ausência de humanos. Os latidos ecoavam com carinho e as canções dos pássaros amaciavam o ar, mas, fora Ônix, nenhum humano estava presente.
Ele começou a caminhar, olhando de um lado para o outro, sentindo a temperatura do asfalto aconchegar seus dedos, enquanto a dúvida ainda permanecia:
“Não tem ninguém aqui?”
Estranho, mas justificável. Provavelmente, isso foi um efeito colateral de menos da metade dos seres terem aceitado a ressurreição. E os animais? São obras deste mundo? A resposta não se fez presente.
No fim, tudo isso parecia insignificante. Ter ou não humanos não mudaria seu destino final. Após caminhar por pouco tempo, ele parou de se preocupar com esse detalhe.
Observou as casas enquanto seguia, distraindo-se com os pios dos pássaros e a companhia dos cachorros e gatos. A presença de Ônix sempre os agradara desde a vida passada.
Ele caminhou bastante, mas isso não o cansou, como se nem tivesse percorrido quilômetros. Seu andar não era sem rumo. Finalmente, chegou ao destino procurado: o cemitério. Sua mãe biológica, que ele visitava quando era mais novo, ainda estaria naquele mundo?
O coração bateu com mais peso em seu peito, preocupado por não tê-la mais lá, mas seus pés continuaram rumo à resposta, adentrando aquele lugar.
Que grande. Desde quando este cemitério se estendia tanto? As gramas massageavam seus dedos; tudo estava bem decorado, mas nenhuma lápide se fazia presente.
Seus lábios começaram a ranger em tristeza. É sério que até isso lhe fora tirado? Uma dúvida dolorosa, mas ainda cedo demais para desistir. Ele continuou caminhando.
Depois de um tempo, a brisa do vento bateu em seu corpo com mais intensidade do lado direito, como se sussurrasse: “Aqui…” aos seus ouvidos, fazendo-o virar.
Lá estava ela: a lápide de sua mãe, sorrindo para ele enquanto o convidava a se aproximar. Seu coração se aliviou, grato por ainda poder encontrar algo familiar.
Um suspiro envolto num sorriso escapou de seus lábios. Ele caminhou até a lápide, sentindo o ar abraçá-lo, cada vez mais forte e carinhoso a cada passo.
Agora, estava diante dela. Um sorriso genuíno surgiu em seu rosto, enquanto ele fitava a lápide; suas pernas, involuntariamente, ajoelharam-se.
As gramas pareciam dançar com o encontro, quase vivas. Acima, o céu estava sem nuvens, permitindo que o sol brilhasse com intensidade.
Ônix abraçou a lápide, apoiando a testa contra ela e fechando os olhos, sentindo um calor gradual que o envolvia e o preenchia de paz e carinho.
Mágico. Só essa palavra resume o evento: sua mãe não estava lá, isso era um fato, mas, ainda assim, Ônix era abraçado pelo amor e pela preocupação que ela representava.
Todas as suas preocupações foram levadas ao vento como brasas, enquanto o amor materno apagava, momentaneamente, suas dores, assim como o fogo se transformava em vapor diante da água.
Passaram-se dezoito minutos sem que ele percebesse. Quando abriu os olhos, a lápide sorria para ele, como se tivesse concluído uma missão que o mundo lhe dera.
— Obrigado, mãe…
As palavras de sua mãe adotiva ecoavam em sua mente como um profundo zumbido: “Ela foi uma pessoa incrível que entregou a própria vida para que você pudesse nascer.”
Até pouco tempo atrás, Ônix estava envolto em escuridão e acreditava ter perdido tudo. Mas, apenas uma pessoa realmente sacrificou tudo para que ele sobrevivesse.
Mesmo amaldiçoado até a última gota, abandonado por um coração que acumulava dores sem cessar até encontrar uma paz santa, mesmo que seu mundo desmoronasse…
Agora, ele enxergava sua mãe biológica como um espelho, uma motivação infinita para não desistir da vida. Sua reflexão deixou os olhos marejados, e, em seguida, lágrimas arrependidas começaram a cair.
— Me desculpa também…
Em meio às dores, algo agudo e com muita presença apertava-o levemente, enquanto seus lábios se retorciam. Sentiu vergonha ao pensar em desistir após se comparar com sua mãe.
Ônix ainda enfrentará muito sofrimento, o suficiente para ser considerado digno da morte. Contudo, essa primeira motivação fará com que ele continue até encontrar um fim satisfatório.
Ele olhou para cima, fixando o olhar no céu, sem nuvens, azul como os olhos de Isabella e gentil como Celeste. Soltou um sorriso de despedida, dizendo logo em seguida:
— Eu vou continuar, tá? Continue me assistindo aí de cima, por favor.
Levantou-se e enxugou as lágrimas que marcavam seu rosto. Acenou para a lápide e, em seguida, virou-se para se despedir de quem o abençoou com a vida.
Seus passos ecoavam pela cidade vazia, enquanto a marca de seus pés decorava o asfalto. Ele olhava para o chão, vagando em desvaneios, enquanto seus olhos pareciam mais escuros do que o normal.
De repente, o chão começou a tremer, deixando-o instável. Uma das casas transbordava uma aura azul, trazendo consigo uma energia desconfortável e indesejada.
A porta daquela moradia explodiu abruptamente, voando para longe como uma bala disparada. Poeira levantou-se e, aos poucos, algo saía dali enquanto ele berrava:
— COMO ASSIM EU SOU UM FRACASSO? EU?!
Aquela aura hostil emanava dele e intensificava-se gradativamente. Suas mãos amassavam o invisível, enquanto seus bufos direcionavam o olhar para o asfalto estremecido.
Ônix observava em silêncio. Os passos ecoavam ao vento como o ondular de um mar. Ele olhava com curiosidade, mas com indiferença, planejando não se envolver em problemas.
“Espero que ele não me perceba…”
Cada passo seu o distanciava de sua mãe, fazendo-o, consequentemente, ficar mais longe da paz. As dores em seu coração retornavam como abelhas ao mel.
Uma estranheza consumiu seu peito quando ele olhou com mais precisão para aquele homem. Depois de observá-lo por alguns instantes, concluiu que jamais o tinha visto antes.
Estranho. Sua cidade era pequena o suficiente para que todos se conhecessem, mas aquela pessoa era totalmente desconhecida para ele. Qual seria a sua origem? Difícil dizer.
Seu cabelo era liso e curto, sua pele morena; os olhos marrons se destacavam. Um corpo robusto, na medida perfeita, o fazia parecer uma fortaleza maciça.
Ele olhou para o lado e notou Ônix caminhando calmamente próximo, observando-o com curiosidade, mas virou o olhar assim que percebeu que foi notado.
Aquela pessoa arregalou os olhos, focando sua atenção apenas nele. Seu coração começou a pulsar intensamente, num misto de agonia e raiva, enquanto ele tentava compreender o que via.
Vapor saia de sua boca enquanto bufava. Com os olhos marejados, num êxtase confuso, concluiu: “Aquele garoto ouviu o que eu falei.”
Seus passos pesados o conduziram até Ônix. As pupilas dilataram em ódio, enquanto seus dentes cerravam, como se prestes a explodir.
— VOCÊ OUVIU TUDO, MOLEQUE?!
Seu berro foi o sinalizador de seu avanço. Para ele, já estava diante de um Ônix paralisado, pronto para afundar seu rosto em um único e preciso golpe.
Para Ônix, o agressor ainda se aproximava, enquanto babas escapavam de seus lábios. Seus olhos desfocados e reflexivos revelavam:
“Ele tá avançando… Será que quer me bater?”
Agora, ele estava um pouco mais próximo; os punhos se preparavam para acertá-lo, mas isso não parecia importar, como se aquela pessoa nem realmente estivesse ali.
Seu foco se voltou para outro tópico: a dor. Quão doloroso seria esse golpe? Seria forte o suficiente para fazê-lo esquecer o coração rachado? Ele desejava que sim.
“Se vai me fazer esquecer… Não tem problema.”
Fechou os olhos, abaixou o pescoço e esperou o golpe colidir contra seu rosto. Vagava em sua escuridão interna, sentindo seu peito pulsar, em sincronia com o bater de seu coração.
Boom.
O som de algo explodindo ecoou, assemelhando-se a uma explosão interna, como o som de um tiro submerso, mas Ônix não sentiu dor alguma.
“Estranho…”
Abriu os olhos e percebeu que, mesmo de pé e ileso, alguém estava à sua frente. O pé esquerdo daquela pessoa parecia golpear o vento, enquanto sangue explodia no ar.
Olhou para o lado esquerdo, observando aquele homem rolando no chão, pulando como uma bola de gude que colide contra o solo.
Ao voltar o olhar para frente, notou seus olhos inconfundíveis: uma tonalidade ciana confortável e, como sempre, um relógio no centro da pupila, indo de um lado para o outro: Waraioni.
— Waraioni…?
Um repentino abraço veio dele enquanto lágrimas caíam dos olhos. Foi a primeira vez que Ônix foi abraçado dessa forma tão abrupta.
— Eu tava te procurando, seu idiota… Tem noção do que aconteceu depois que você morreu?
Essa frase tocou seu coração. Ele não tinha entendimento algum, apenas sabia que reviveu e que, até então, estava sozinho. Waraioni desfez o abraço e enxugou as lágrimas do rosto.
Ônix ficou quieto, sem saber o que responder. E se ele soubesse que, há pouco tempo, sua vida fora ameaçada por uma faca que ele mesmo portava?
Mais passos vinham pela direita, e ali estava seu outro irmão, de cabelos azuis. Seus olhos escarlates fitavam Ônix, marejados, segurando as lágrimas que ali residiam, mas que não caíam.
O irmão o abraçou, gentil como a grama que envolve o girassol, porém, também com um ar de arrependimento, como se se culpasse pela própria morte, como se fosse o responsável por ela acontecer.
— Bom te ver, cara… Bom te ver.
Sua voz era suave, quase rouca, mas audível. Estranho; Ônix nunca fora tão bem tratado por seus irmãos assim. Será que ele realmente era tão importante? Essa resposta era mais palpável do que imaginava.
Saito desfez o abraço, fixando o olhar na pessoa desconhecida deitada no chão. Waraioni suspirou em raiva e reprovação, caminhando até ele enquanto perguntava:
— Quem que é esse otário?
Seus passos hostis revelavam sua insatisfação. Como aquela pessoa sequer ousara cogitar atacar seu precioso irmão? Isso não podia passar despercebido.
Ele estava deitado, com um pouco de sangue vazando das narinas e alguns nos lábios. Seus suspiros eram desregulados, como se fôssem ofegos.
De repente, um chute abrupto atingiu seu rosto, fazendo-o cuspir mais sangue enquanto a língua formigava. Waraioni, com a voz imbuída de reprovação, indagou:
— Qual seu nome, lixo? Nunca te vi por aqui.
O rapaz tossiu, apoiou as mãos no asfalto e massageou a bochecha atingida, mas não respondeu. Isso irritou ainda mais Waraioni, que o chutou de novo.
— Tô falando contigo, vacilão.
O sujeito jazia no chão. Os olhos mortiços impediam-no de dizer qualquer coisa que justificasse suas ações. Ônix sentiu um aperto no peito ao vê-lo prejudicado, mesmo que não o conhecesse.
Seu corpo deitado no asfalto decorado com sangue o lembrou de si mesmo quando estava no fundo do poço de sua casa. Caminhou até Waraioni, dando alguns toques nas costas.
— Ei… Deixa pra lá. Talvez ele possa só… ser uma vítima.
Waraioni virou seu olhar para Ônix, sentindo algo estranho na fala dele, que apertou seu peito. Algo o dizia que aquelas palavras não eram vazias, e sim experiência própria.
— Tá… Tá bom.
Ônix caminhou até ele, agachando-se próximo dele. Observou-o por um breve momento, sem dizer nada, pensando no que falar para ajudar. Em meio ao seu coração quebrado, buscou sinceridade:
— O que aconteceu com você?
Só isso bastou, mas não por serem palavras preocupadas, como uma mãe para um filho, e sim porque quem fez a indagação foi Ônix, alvo de maldições.
O sujeito sentiu um estranho calor envolvê-lo após essas palavras, uma brisa aconchegante, como um abraço que entende e ameniza suas dores, como se alguém o entendesse.
Seus lábios estavam trêmulos. Não demorou muito para suas tristezas se transformarem em lágrimas, aliviando o aperto em seu peito por também ter sido abandonado.
Levantou-se, mas apoiou as mãos nos olhos, tentando cessar as lágrimas que escorriam. Sua voz também era trêmula, mas compreensível, permitindo entendimento:
— Desculpa… Me descontrolei, não consegui segurar minha raiva.
Descontrole. Essa palavra ecoou na mente de Ônix, lembrando-o de como sua mãe vingou-se de Carlos com as próprias mãos, deixando-o estático por um momento até responder:
— Tudo bem…
Partículas em tom rosado começaram a surgir do asfalto, levantando-se como gotículas de água enquanto envolviam todos os jogadores que ali estavam presentes.
Giravam como um redemoinho aos poucos, transformando-se em uma brisa agradável acompanhada de calor aconchegante, que, logo após, moldou-se em algo retangular.
Não havia olhos nele, muito menos uma boca para falar, apenas uma tela rosa e vazia. Letras prateadas começaram a surgir, trazendo consigo uma mensagem:
S5 Minimizado
Um tutorial obrigatório foi requisitado pelo Sistema. Um teleporte será efetuado em nove segundos.
Tempo: 9…8…7…
Ônix olhava fixamente para aquele contador, perdendo-se em breves desvaneios, sentindo o ar sussurrar em seus ouvidos que suas provações chegariam. A voz de seu irmão Saito chamou sua atenção:
— Ônix…
Virou-se para trás, fitando aqueles olhares escarlates aparentemente marejados, mas determinados, com uma fé inabalável que transbordava como uma aura.
— …Não faça nada estúpido.
Não foram palavras vazias, muito menos uma bronca, e sim desespero, como se ele implorasse para que não perdesse seu irmão de novo. Ônix sentiu isso na alma.
Sentiu-se culpado, questionando novamente o que teria acontecido se aquilo invisível não o tivesse salvado do suicídio, finalmente entendendo o peso que uma vida tem.
A morte, algumas vezes, é esperança. Outras, desespero. Constrói histórias e destrói destinos, levando tudo consigo, retirando o bem de alguns como brasas ao vento. Ônix finalmente entendeu isso.
Um aconchego abraçou seu peito, fazendo-o sorrir ao entender que nunca estivera sozinho. Tudo fora apenas um sonho ruim. Acenou para seu irmão, garantindo-lhe:
— Eu, com certeza, vou voltar.
Saito sorriu, abaixando a cabeça e fechando os olhos, rezando para que, por favor, tudo desse certo. O tempo marcado chegou ao fim.
Próximo capítulo: Tutorial (Waraioni)
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.