Capítulo 3: Passado (Final)
O chuvisco caía do céu como neve, abraçando a cidade gentilmente. Carlos estava com os olhos mortiços, focados no vidro do carro, pensando em nada.
Não demorou muito para que chegasse em casa; estacionou o automóvel em frente à moradia e permaneceu parado, sentindo o incômodo no peito.
Suspirou e piscou lentamente os olhos. Pegou a pistola com as mãos trêmulas, manuseando-a com cuidado enquanto sentia sua temperatura gélida envolver os dedos.
“Que frio…”
Guardou-a em seu bolso, depois, olhando para as mãos: a mão esquerda, que não havia tocado na arma, estava tranquila e aconchegante; a mão direita encontrava-se em estado oposto.
Um trovão caiu do céu repentinamente; em seguida, despencou uma tempestade. Os barulhos da colisão entre a água e o metal deixaram-no ainda mais apreensivo.
Seu carro começou a encharcar de sangue, agarrando seus pés e, logo depois, sem que ele percebesse, envolvendo seu peito e um pouco do pescoço.
Quando notou, soltou um baixo grito assustado, batendo as mãos no ar enquanto fechava os olhos para voltar à realidade. O corpo tremia; um suor frio escorria de seu rosto.
“Acho que eu ainda preciso pensar mais…”
Sua reflexão misturou-se com seus ofegos1. A ilusão de sangue desapareceu e, agora, restava somente ele e a chuva. Suspirou profundamente e abriu a porta do carro. Um frio envolveu seu corpo enquanto a água abraçava gentilmente tudo o que tocava.
Carlos saiu de lá, fechando a porta e trancando o carro, caminhando até o portão da moradia sem se importar com a chuva, fingindo que ela nem existia.
Ao entrar, retirou os sapatos e caminhou até seu quarto. Lá, retirou a arma do compartimento em que a guardara, movendo-a cuidadosamente para o chão.
“Você vai ficar aí até eu me decidir.”
Logo depois, moveu-se até a cama e deitou-se, ouvindo atentamente a chuva colidir com o telhado enquanto um aconchegante calor o abraçava.
Seus olhos já estavam se fechando sem que ele percebesse e, sem ao menos notar, adormeceu. A própria natureza, em conjunto com sua mente, tentou alertá-lo sobre as consequências, mas tudo foi em vão.
A noite chegou, tão impiedosa como sempre, trazendo consigo a escuridão, que sussurrava ventos gélidos, grudando em tudo à sua frente.
Carlos começou a despertar, abrindo os olhos lentamente enquanto lembrava-se das “humilhações” que havia sofrido; para ele, ainda sem sentido.
Sentou-se na beira da cama e observou aquela pistola, que parecia encará-lo com frieza, como se dissesse: “Independentemente do que fizer comigo, não haverá mais volta.”
Recordou-se dos bandidos que o intimidaram assim que o viram, apontando a pistola como se fosse um brinquedo. Brincar com a vida humana era realmente divertido?
Engoliu seco, sentindo a raiva se instaurar em seu corpo, acompanhada pelo torcer dos lábios. Suspirou com desgosto, levantando-se rapidamente e agarrando a arma.
“Fui longe demais pra desistir agora. Pelo que me devem e, pior, pela humilhação que me causaram, vão pagar.”
Cego; seu coração, sua alma e a própria natureza o alertaram, mas ele mesmo fingiu não ver nada. Isso o levou à ruína não só uma, mas duas vezes; e a próxima não será nesta vida.
Caminhou às pressas para o carro. Seus passos pesados deixavam nítida sua ansiedade, enquanto ele ignorava o suor que escorria do rosto.
Uma coruja, pousada em um galho de uma árvore formosa, observava aquele tolo entrar no carro, fechar a porta com pressa e ligá-lo da mesma forma.
Cinco folhas, cheias de vida, desgrudaram abruptamente da árvore. Lentamente, começaram a perder seu vigor e, ao tocarem a grama, já estavam secas e mortas.
A coruja voou, gritando ao vento e anunciando que, naquela noite, quatro pessoas morreriam. Como se não bastasse, mais uma pessoa morreria no dia seguinte.
Carlos parou o carro próximo à moradia de Isabella, mas cessou o avanço a alguns metros de lá para não alertar os moradores de sua chegada.
Saiu do automóvel, carregando consigo dois galões de gasolina. Um isqueiro e cinco fósforos estavam guardados em seu bolso enquanto caminhava.
Ficou em frente à casa, encarando-a fixamente antes de pensar na invasão. Pela primeira vez em muito tempo, ao notar sua própria aparência, percebeu os detalhes.
A moradia fora esculpida cuidadosamente em madeira. As janelas eram finas, quase transparentes, difíceis de perceber; o telhado e os móveis também não eram de madeira.
As janelas pareciam encará-lo, como se tivessem olhos curvados, julgando sua decisão. A lua, logo acima, sussurrava maldições enquanto ele caminhava rumo ao muro.
O muro era pequeno o bastante para que ele conseguisse saltar sem problemas e sem fazer barulho. Que injusto: a sorte geralmente sorri apenas para os maus.
Seus pés tocavam suavemente as gramas, que, ao roçá-los, pareciam repreendê-lo. Respirava pela boca lentamente, tentando ocultar sua presença ao máximo.
Enquanto caminhava, espalhou gasolina discretamente ao redor da casa, parando somente quando os galões encontraram-se vazios.
“Agora não tem mais volta.”
Um sorriso nervoso surgiu em seu rosto, quase fazendo-o rir, mas tampou a boca logo em seguida e caminhou até a porta da moradia, encarando a maçaneta.
Pegou um fósforo com a mão esquerda e um isqueiro com a direita. Logo depois, acendeu o fósforo como se estivesse acendendo uma tocha, jogando-o contra a grama e caminhando sem pressa até a porta.
O fogo começou a se espalhar aos poucos; fraco no começo, mas fortalecendo-se rapidamente. Antes de continuarmos nessa cena, devemos voltar um dia no tempo.
O silêncio da noite abraçava o céu. As estrelas não estavam tão presentes como sempre, como se se ausentassem pouco a pouco, lamentando algo.
Isabella estava sentada no sofá, assistindo à novela que passava na televisão com atenção. Todas as luzes, exceto a da sala, estavam apagadas, tornando o ambiente agradável.
Nathan já estava deitado na cama, dormindo profundamente, largado como uma rocha perdida na floresta. Um descanso merecido para alguém que trabalha tanto.
O baixo som da televisão sussurrava para Isabella, deixando-a imersa na cena. Um rangido ecoou, roubando sua atenção e levando seus olhos até a porta.
Pouco depois, o causador desse som revelou-se: Ônix, que acabara de abrir a porta. Seu rosto estava um pouco desanimado, preocupado com o que dizer.
Um sorriso espontâneo surgiu no rosto de Isabella. Ela acenou para seu filho, como se tentasse tocá-lo, mesmo estando tão distante.
— Oi, filho!
Seu sorriso murchou aos poucos, assim como o brilho de seus olhos. O que causou essa mudança abrupta foi o olhar para a mão esquerda de Ônix, onde havia um pouco de sangue.
— O que aconteceu…?
Ônix fechou a porta discretamente, caminhou até o sofá e sentou-se. Suspirou profundamente, juntando as mãos e tentando conter sua apreensão.
— Promete me ouvir até eu contar tudo?
Ela cruzou as pernas, abraçando-as enquanto olhava atentamente para seu filho. Seu queixo tocava os joelhos, funcionando como apoio.
— Prometo.
Ônix suspirou, olhando para o chão com tensão nos ombros, e contou, detalhe por detalhe, o que aconteceu após se retirar da escola.
Sua mãe ouviu tudo, sem dizer uma única palavra, desde o encontro com o palhaço, a revelação de que ele era Carlos, até a legítima defesa. Tudo.
Seu rosto estava neutro, mas ela fervia por dentro, pensando: “Ele fez isso mesmo…?”, enquanto ouvia cada detalhe do evento com atenção.
— Isso foi tudo o que aconteceu, mãe…
Ela tocou os pés no chão, apoiou os antebraços nos joelhos enquanto curvava os ombros, fixando o olhar no chão. Com uma voz um tanto seca, disse:
— Entendi…
O rosto neutro, a respiração estável e as mãos, que flutuavam no ar, tentavam disfarçar o tornado de raiva que se instaurava em seu coração.
“Preciso parecer calma; não vou ensiná-lo nada mostrando minha raiva…”
Ela suspirou profundamente e voltou os olhos para o filho. Ele ainda fixava o chão; os olhos reflexivos brilhavam enquanto as estrelas se moviam lentamente.
— Filho…
Ônix levantou a cabeça. Seus olhos agora fitavam sua mãe, que o olhava com uma expressão preocupada, mas firme, determinada a ensiná-lo algo de bom.
— O que você fez não foi nem um pouco errado. Foram momentos como esse que me levaram a colocá-lo naquela escola de luta, para que você se familiarizasse com esse tipo de situação.
Ônix surpreendeu-se por um momento. Foram poucas as vezes em que sua mãe, tão pacífica quanto o mar, o ensinou que, às vezes, a violência é o caminho menos doloroso para resolver certas situações.
— Filho, até a água pode machucar, dependendo do contexto. Ele tentou te machucar, não foi? Você tentou de tudo, mas não deu. Nesses momentos, uma meia-lua bem aplicada no meio do dente resolve rapidinho!
Ela levantou a manga do braço direito, exibindo seu bíceps enrijecido enquanto o tocava com a mão esquerda, torcendo os lábios em raiva.
Logo depois, cerrou os dois punhos, acumulando ar nas bochechas enquanto tentava conter o que desejava dizer. Fumaça saía de seus ouvidos, enaltecendo sua fofa raiva.
— Nossa, se esse Carlos aparecer na minha frente agora, eu dou-lhe uma porrada tão forte que ele vai perder até o rumo de casa!
Ônix absorveu aquela cena com os olhos arregalados; risos escaparam de seus lábios enquanto tentava contê-los. Isabella não entendeu de imediato, mas sorriu logo depois ao ver que seu filho estava bem.
— Tudo bem, mãe. Obrigado, tá? Vou ir pro quarto estudar pras provas.
Sua mãe sorriu, respondendo: “Tá bom!”, e voltou o olhar para a novela que ainda sussurrava, tentando capturar sua atenção à cena.
Ônix caminhou para o quarto, abriu a porta e entrou em seguida. A ausência de luz naquele lugar o levou a pressionar o interruptor, acendendo a luz.
Tap. Ecoou o som do interruptor. Um brilho cegante envolveu seus olhos, forçando-o a tampá-los enquanto caminhava para sua mesa de estudos.
Zmmb… Zmmb… Vibrava o celular que estava sob a mesa, arrastando-se até Ônix, que o pegou gentilmente. Ao ligá-lo, notou notificações recentes de sua amada.
—『 Celeste 』: Já chegou, bebê?
Um singelo sorriso nasceu em seus lábios e seu coração se aconchegou com a mensagem. Como ela pôde sentir que Ônix acabara de chegar? Os instintos femininos são realmente impressionantes.
—『 Ônix 』: Oi, meu bem! Já cheguei, sim :] 💓
—『 Celeste 』: Vamo estudar junto, amor? Eu aproveitei pra aprender sobre o triângulo retângulo enquanto você tava na aula. Vamo ligação? Vô te ensinar o que eu aprendi.
—『 Ônix 』: Vamos! Vou só escovar os dentes, amor. Um momentinho!
—『 Celeste 』: Tá bom.
Me deixa feliz ver esse jovem casal crescendo juntos. É difícil encontrar um casal tão fofo e recíproco quanto esse… Pena que isso pode acabar abruptamente devido a influências externas, como a morte que levou Ônix. Vamos avançar de pouco a pouco para o momento presente.
Ônix estudou com sua amada até que ambos se cansaram e foram dormir logo após. Ao acordar, tudo acontecia normalmente, como se nada estivesse errado.
Ao despertar, foi o mesmo de sempre: conversou com sua amada, amigos, família, jogou um pouco com Celeste, foi à escola, retornou e entrou em ligação com ela novamente.
Que maravilha: dias felizes com amigos, família e uma futura esposa ao seu lado, pronta para o que der e vier… Pena que tudo se encerra agora.
Ônix conversava com Celeste, trocando sorrisos enquanto aprendiam sobre uma matéria nada complicada. De repente, o coração de Ônix disparou com um alerta agudo.
Ele olhou abruptamente para trás, examinando de um lado para o outro, enquanto o cheiro de gasolina impregnava suas narinas. Celeste assustou-se com a ação repentina dele e perguntou:
— O que foi? Aconteceu alguma coisa?
Ônix voltou o olhar para a tela do celular, com os olhos arregalados, sentindo um estranho calor envolver a moradia aos poucos. Sua voz, trêmula, disse:
— Amor, eu volto logo, tá? Tem alguma coisa acontecendo.
Celeste se assustou por um momento. Pensou: “Os olhos dele… Por que estão assim?”, enquanto Ônix moveu a mão em direção ao botão “Desligar ligação”, interrompendo sua amada:
— Mas, o que tá acontecendo…
Ele desligou a ligação e correu para a porta, fechando-a com força. Na pressa, o telefone caiu ao chão, batendo na parte de trás e ficando protegido abaixo da mesa.
Chegou à sala ofegante, mas sua mãe já não estava lá. Gritou: “Mãe!” enquanto corria para a cozinha, tentando encontrá-la de qualquer jeito.
Ao chegar, notou sua mãe correndo, segurando dois baldes cheios de água. Ela cessou os passos e entregou um dos baldes a Ônix, dizendo, apressadamente:
— Corre pro quarto do seu pai e acorda ele pra vir ajudar! Tá acontecendo um incêndio!
Ônix não absorveu bem a situação. O que estava acontecendo? Tudo começou a ficar mais quente de repente, sem explicação alguma; mas não havia mais tempo para pensar.
Ele agarrou o balde e deixou seus instintos guiá-lo. Correu para a porta do quarto do pai; a porta estava fechada, aparentemente trancada, mas isso não impediu seu avanço.
Ônix preparou o pé direito e chutou a maçaneta com toda força, arrombando a porta e entrando rapidamente, sem conseguir pensar em nada.
Seu pai já estava de pé, sem camisa, batendo-a contra a madeira em chamas, mas nenhuma de suas ações surtia efeito, como se o fogo fosse feito para não apagar.
— PAI!
O pai arregalou os olhos ao ouvir seu filho gritar, e imediatamente olhou para trás, notando que Ônix segurava um balde cheio de água enquanto ofegava.
Ele saiu da frente do fogo assim que compreendeu a situação, permitindo que Ônix lançasse a água do balde contra as chamas, apagando-as logo em seguida.
Um vapor desconfortável consumiu o local, tão denso que se assemelhava a fumaça. Nathan começou a tossir, mas conseguiu encontrar equilíbrio para perguntar:
— Onde está sua mãe?
Ônix também tossia, tentando afastar o incômodo com as mãos, mas de nada adiantava. Ele virou-se, andando lentamente até a porta aberta, e respondeu:
— Tá lá fora apagando o fogo!
Assim que recebeu a informação, seu pai avançou correndo o mais rápido possível. Ônix, ainda tossindo, decidiu cerrar os dentes e correr, ignorando o obstáculo.
Retornando alguns segundos no tempo, Isabella, ao ver seu filho correr para a porta do quarto de seu marido, avançou para a entrada, ofegante.
“Quem fez isso? Um incêndio não começa do nada… Vou ter que pensar nisso depois. Espero que as câmeras dos postes entreguem quem fez isso.”
Quando ela estava prestes a alcançar a porta, esta começou a ranger e se abrir sozinha em um ritmo lento, fazendo-a parar e derrapar um pouco.
“Ele tá aqui?!”
Uma dor aguda surgiu em suas coxas; o pouco esforço empregado na corrida perturbou suas cicatrizes, fazendo-a, por um momento, fechar os olhos com o impacto.
Ao abri-los, um chute frontal preciso atingiu sua barriga, fazendo-a cair junto a um balde de água que havia sido arremessado um pouco longe.
A dor espalhou-se por seu abdômen, fazendo-a chacoalhar enquanto cerrou os dentes e moveu a mão até o local atingido, voltando o olhar para a porta.
Lá estava ele: Carlos, andando lentamente, com uma expressão tensa cobrindo seu rosto. Isabella espantou-se por um instante ao vê-lo.
— Carlos…?
Ele forçou risadas por um momento, recuou o rosto e logo demonstrou tensão. Seus lábios torceram, como se tentasse convencê-lo de que aquilo estava certo, enquanto apontava uma arma para ela.
— É por isso que não se deve mexer comigo. Adeus.
Um grito masculino ecoou quando ele estava prestes a apertar o gatilho, assustando-o e deixando-o paralisado enquanto desviava o olhar.
Quando ele voltou a olhar, já era tarde demais. Um soco preciso de Nathan acertou em cheio sua bochecha, lançando-o para longe enquanto um dente voava junto ao sangue.
Ônix correu para sua mãe, segurando seus ombros e agachando-se, enquanto verificava seu bem-estar. Ele estava ofegante, mas encontrou forças para dizer:
— Mãe, tá tudo bem? Fica tranquila, tá? Eu e o pai vamos resolver isso…
Sua visão estava turva, e ela olhava para o filho em meio à confusão, enquanto sua imagem se misturava com o fogo. Com dificuldade para falar, um turbilhão tomou sua mente:
“O que aconteceu? Fui atingida? Por que tá tudo ficando quente…?”
De repente, roubando a atenção de todos, um disparo ecoou pela cidade. Carlos havia se levantado, mirando desajeitadamente para Nathan, que, por sorte, acertou.
O tiro quase atingiu o coração de Nathan. Sangue começou a vazar de sua boca, encharcando-o como água na camisa. O corpo dele paralisou por um instante, mas ele manteve-se em pé.
“O que foi isso…? Fui atingido por um tiro…?”
Carlos levantou-se rapidamente, e o medo invadiu seu rosto enquanto ele apontava a arma novamente. Gritou, tentando parecer imponente:
— SE… SE VOCÊ SE MEXER DE NOVO, EU VOU ATIRAR! EU VOU ATIRAR DE NOVO!
Nathan andava com passos pesados em direção a Carlos. Sua mente estava em branco; os olhos turvos mal permitiam ver qualquer coisa, mas uma coisa o despertou: memórias.
O sorriso de Ônix quando bebê preencheu sua mente. O beijo de sua esposa também trouxe lembranças, que se tornaram combustíveis com cargas infinitas.
Nathan berrou, cerrando o punho enquanto gritava, tentando preparar seu último soco, mas o mundo não foi tão gentil com ele dessa vez.
Carlos fechou os olhos e atirou, na esperança de acertar. Quando os abriu, o tiro havia atingido em cheio o coração de seu adversário, matando-o no mesmo instante.
Mesmo morto, Nathan permanecia de pé, com os olhos abertos enquanto “olhava” para o teto. Ônix e sua mãe observavam a cena com os corações despedaçados.
— Pai…?
Ônix levantou-se, os olhos lacrimejavam e a garganta ardia. Seus passos eram lentos enquanto ele movia os braços na tentativa de alcançá-lo, mas ele estava longe demais.
Sua mente ficou em branco. Seu coração ardia de dor, fazendo-o ajoelhar enquanto lágrimas caíam como chuva, batendo no chão como brasas.
Ele ergueu os olhos ao céu, questionando: “Por… Que?”, enquanto seus olhos se tornavam turvos. Ao voltar a atenção para o pai, a última coisa que viu foi Carlos se aproximando.
Pouco antes, Isabella sentia sua cabeça arder enquanto lágrimas cobriam seus olhos. Seu marido estava morto diante dela, em pé, olhando para o céu.
Seu filho levantou-se, mas logo ajoelhou-se em seguida, sem forças para se erguer. O mundo de Isabella começou a escurecer enquanto questionamentos invadiam sua mente:
“Amor…? Morreu? Filho? Casa? Estou perdendo tudo? Estou perdendo tudo de novo?”
De repente, quatro disparos ecoaram pela casa. Sangue jorrou no rosto de Isabella, encharcando tanto seu rosto quanto sua camisa.
Seu coração começou a diminuir as batidas. O sangue caía de seu rosto como gotas de chuva, batendo no chão, enquanto os olhos arregalados se recusavam a acreditar no que presenciava.
Seu filho jazia no chão, com feridas nos braços e no peito, ainda respirando com extrema dificuldade, mas sem impedir que a morte se aproximasse.
A respiração de Isabella cessou, como se o ar tivesse sido roubado de seus pulmões. O mundo ficou parado e cinza; tudo havia perdido seu significado.
Em meio àquela poça de sangue, Carlos caminhava lentamente, pisando sobre o corpo de Ônix, enquanto seu rosto amedrontado encarava a mulher à sua frente.
— Eu… Te avisei que eu era perigoso.
Essa frase ecoava na mente de Isabella inúmeras vezes, alimentando seu ódio interno. Todas as cicatrizes gritavam, trazendo de volta seu antigo eu aos poucos.
Carlos apontou sua arma e disse: “Adeus.” Assim que apertou o gatilho, nada disparou; a arma não tinha mais bala alguma. Sua sorte acabou.
Seu corpo começou a tremer, tentando disparar com teimosia, mas nada acontecia. Pensou: “Por que não tá indo?!” enquanto seu tremor aumentava.
Isabella levantou a mão lentamente, agarrando a arma, e começou a apertá-la. Estalos de seus ossos e de sua mão ecoaram. Pouco depois, a arma foi destruída apenas com sua força de aperto. Seus olhos, arregalados, brilhavam em ciano, enquanto sangue escorria.
Todos os seus instintos se reativaram. Seu coração não era mais o mesmo; sua presença, antes calma e adorável, transbordava guerra e sede de sangue.
『 Soberana do Sangue Ciano: Isabella 』
Ela agarrou o pescoço de Carlos, segurando-o com força suficiente para causar estalos em sua garganta, como estouros de infinitas pipocas.
Jogou-o contra o chão, batendo seu rosto inúmeras vezes. Independentemente de seu estado, ela não parava; gritar, gemer, implorar por piedade; nada a faria interromper sua vingança.
Ela só parou após muito tempo, quando o rosto do adversário não podia mais ser distinguido da poça de sangue. Os olhos dele transformaram-se no vazio.
O telhado começou a desabar em chamas. Isabella arrastou-se até seu filho, apoiando-o em suas coxas enquanto acariciava seu cabelo ensanguentado, tentando proteger a última coisa que lhe restava.
Ela lembrou-se de seu passado, quando era criança, lendo atentamente uma passagem bíblica enquanto seus olhos inocentes brilhavam, e repetiu o que leu na época:
— Em Romanos, capítulo doze, versículo dezessete até o dezoito, é dito: “Não retribuas a nenhum homem mal por mal; procurai as coisas honestas à vista de todos os homens. Se for possível, no que depender de vós, vivei em paz com todos os homens.”
Foram sussurros, mas ecoaram na mente de Ônix como um coral em bom tom. Lágrimas caíram em seu rosto e, antes que tudo desabasse, sua mãe continuou:
— No Evangelho segundo Mateus, capítulo seis, versículo quatorze até o quinze, é dito: “Porque, se perdoardes aos homens as suas transgressões, também vosso Pai celeste vos perdoará. Mas, se não perdoardes aos homens as suas transgressões, também vosso Pai não perdoará as vossas transgressões.”
Essa foi a última coisa que ela disse para seu filho, acariciando-o enquanto olhava para o céu, esperando que a morte inevitável chegasse enquanto os escombros caíam.
Algo vibrava do quarto de Ônix, arrastando-se como uma cobra sob sua mesa: era seu celular, vibrando com as mensagens de sua amada, que havia perdido seu bem mais precioso da noite para o dia.
— 『 Celeste 』: Amor?
— 『 Celeste 』: Tá tudo bem?
Próximo capítulo: Conhecendo o Novo Mundo.
- @Maik: Suspiro ofegante[↩]
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