Índice de Capítulo

    Aqueles olhos, escuros como a noite, estavam completamente estáticos e fixos no chão. Era como olhar para um céu que não tinha nuvens e tampouco um sol.

    Havia outro destaque quase que impossível de não reparar: abaixo dos olhos, um tom avermelhado era claro como uma água filtrada, entregando suas dores como um troféu.

    O mais curioso de tudo é que não havia lágrima alguma, tampouco ações desesperadas, apenas o silêncio, algo que todos experimentaram pelo menos uma vez.

    Acontece quando os olhos não são mais capazes de chorar. Os lábios se ausentam, porque não encontram mais ajuda alguma, e o corpo se entrega totalmente ao desespero.

    Atrás de Morfius, dois universos, que se tornaram olhos, o observavam em silêncio, rastreando cada rastro da sua dor, até que a encontrassem por completo.

    Todos esses detalhes, do luminoso ao abissal, Ônix percebeu tudo, não por ser psicólogo ou especializado no assunto, mas sim por sofrer tudo em dobro.

    Ao perceber o que estava acontecendo, suspirou profundamente em pena. Logo depois, aproximou-se, com a mesma lentidão de sempre.

    Por mais que seus passos fossem tão notórios devido ao silêncio da escuridão, Morfius nem sequer olhou para trás, apenas esperava que, o que fosse acontecer, que acontecesse.

    Em poucos segundos, Ônix já estava ao seu lado. Mesmo que percebesse, não daria importância alguma. O que mudaria com sua companhia ou ausência?

    Nada se falou por muito tempo. Por acaso o silêncio estava criando um império que parecia interminável? Bem, esse reinado não durou muito.

    Ônix inclinou seu pescoço para a direita, fixando seu olhar nos de Morfius, como uma câmera focando em algo. Em seguida, quebrou o gelo do ambiente:

    — O que aconteceu com você? Era por isso que não conseguiu se enturmar todo esse tempo?

    Juntamente ao leve abrir das pálpebras, um minúsculo, mas notável brilho, surgiu daqueles olhos monótonos, como se tivesse encontrado uma solução.

    A voz que acabara de ouvir não carregava malícia, curiosidade, muito menos fofoca, era sinceridade pura, como se fossem amigos há incontáveis anos.

    Ao olhar para a esquerda, lá estava aquele universo o observando, brilhando unicamente para ele, entendendo cada parte das suas incontáveis angústias.

    Em pouco tempo, desviou o olhar. Manter contato com tamanha sinceridade o entristecia, como ter todos os seus pecados lidos e anotados em um livro.

    Mesmo que pensasse assim, só havia uma pessoa naquele mundo que poderia ouvi-lo sem julgamentos, e esse mesmo sujeito estava ao seu lado.

    Sua garganta encontrou fraqueza. Os lábios começaram a apertar, tentando segurar a solidão dentro de si, mas as lágrimas que novamente caíam tornaram todos os esforços inúteis.

    Por mais que tentasse limpar seu rosto, novas águas se reuniriam. No fim de tudo, entregou-se ao único refúgio que se ofereceu para ajudá-lo.

    — Eu… Eu tentei, sabe? Eu juro que tentei…

    Sua mente era bombardeada com o passado, e a dor acumulada no coração o fez apertar o próprio peito, como se tentasse expulsá-la de lá, mas não obteve resultados.

    — Desde criança, adolescência, ou até mesmo quando eu já tinha feito dezoito anos, eu dava meu máximo para que tivesse um bom futuro, me esforçava para ser um bom filho em casa, mas ainda assim eles me achavam insuficiente e, como se não bastasse não reagir comigo, me insultaram, invalidando tudo o que eu fiz…

    Contava os males da sua história em um ritmo lento e, algumas vezes, soluços da dor o atrapalhavam; no entanto, sua próxima fala foi a mais importante:

    — Eu só queria vê-los para os abraçar. O que aconteceria depois eu não me importaria, eu só queria os ter comigo só mais uma única vez para me desculpar pelo o que eles acharam que eu fiz de ruim.

    Mesmo que fosse uma história bem diferente da de Ônix, ainda havia semelhanças, e uma delas foi um dos motivos para que Ônix aceitasse a ressurreição.

    “Eu só queria vê-los para os abraçar”… Esse trecho em específico poderia ser o resumo de toda essa história com quarenta e sete capítulos.

    Enquanto refletia sobre o que seu amigo acabara de falar, um leve toque repousou sobre seu peito, como se estivesse lhe oferecendo a melhor das respostas.

    Ao erguer levemente sua camisa, lá estava seu mais novo pingente em tom vermelho, brilhando de forma intensa, pedindo a atenção de seu portador.

    Ônix o agarrou gentilmente e o pôs para fora. Era um calor único, como segurar a mão de quem ama, mas, também, parecia carregar todas as respostas necessárias.

    Era um pouco estranho. Aquela relíquia não era só feita de metal, havia presença e, sobretudo, história, que começa em desespero e termina em esperança.

    Ônix olhou de volta para Morfius, recordando do seu passado, do começo ao fim. Com a sinceridade de seu coração, fez-lhe a seguinte pergunta:

    — Você… me acharia estranho se eu dissesse que temos histórias parecidas?

    Morfius abriu levemente os olhos. Os lábios entreabertos se recusavam a falar, mas sua mente duvidava que havia alguém no mundo com uma história parecida com a sua.

    Ao olhar um pouco mais para baixo, pôde notar um luminar vermelho que parecia sorrir para si, como se o convidasse a fazer do passado um presente.

    Ônix, antes de dar continuidade à sua fala, pressionou aquele pequeno botão que se parecia com seus olhos, deixando os corações se abrirem enquanto continuava:

    — Minha mãe morreu quando eu nasci, mas, por “sorte”, minha mãe adotiva presenciou tudo aquilo e me adotou. Uma morreu para que eu respirasse, e a outra me ensinou a viver. Tive uma boa vida, mas, anos depois, uma pessoa matou não só a si, mas como toda minha família também. Eu revivi desejando ter tudo de volta, mas nenhum dos meus parentes veio comigo, e eu não tive uma única mensagem sobre.

    A canção de ninar parecia mais lenta do que o normal. Era como se estivesse se segurando para não chorar e falhar com o seu propósito em produzir este som.

    — Eu aprendi da pior maneira a transformar meu passado em somente recordações. Eu vivo porque eu quero os ver de novo, mas, eu também estou feliz com meu presente porque o mundo me deu uma nova família.

    Ônix voltou seu olhar para Morfius, mas, dessa vez, havia um singelo sorriso brilhando junto com seus olhos, vendo a luz no fim do túnel cheio de espinhos.

    O coração se fechou e a música encontrou seu fim. Em seguida, Ônix levantou seu braço direito com o punho fechado, dizendo logo após:

    — O que acha de superarmos nossas dores juntos enquanto caminhamos para encontrar quem amamos no fim de nossa jornada?

    A surpresa floresceu sob o coração de Morfius. Tudo o que estava ouvindo era realmente verdade? Se sim, qual a história por trás da motivação que esse garoto tem em viver?

    Depois de ouvir tudo o que foi dito, não pôde não se sentir motivado com sua mais nova companhia. Ou melhor, um membro da sua família.

    Mesmo que a dor em tom de vermelho cobrisse suas pálpebras, ainda havia um sorriso que pôde florescer. Cumprimentando Ônix em um tom animado, disse:

    — Vamos!

    Aquela troca de sorrisos poderia significar tanta coisa. Dois sofredores com objetivos iguais caminharão lado a lado enfrentando adversidades ocultas.

    O silêncio se instaurou por alguns minutos, mas não era por falta de assunto, foi por respeito, um tão grande que inutilizou quaisquer palavras.

    Ambos olhavam para o chão, perdidos em seus próprios pensamentos, reflexão essa que nunca saberemos onde chegou, mas apenas quando começou.

    Foi pouco tempo depois que um som estranho começou a sussurrar em suas costas. Era como se incontáveis vozes roucas tentassem puxar o ar pelos lábios.

    O som era distorcido, como se os ouvidos estivessem tampados em água. Curiosamente, esse barulho parecia aumentar sua intensidade cada vez mais.

    Assim que perceberam essa mudança no ambiente, ambos olharam para trás com cautela e atenção, fitando a única coisa que sofreu alterações: o portal.

    Ainda permanecia escuro como um universo, mas estava completamente distorcido, mais do que uma ondulação causada por uma rocha no oceano.

    A sensação era estranha, como se diversas almas o observassem do abismo. Não demorou muito para que mais ações estranhas acontecessem.

    Passos, mas não era só de uma única pessoa, eram tantos que pareciam inúmeros. Um exército estava a caminho? Ou a distorção do som estava os iludindo? Isso vai ser respondido em breve.

    Segundos depois, algumas figuras começavam a atravessar o transportador, como alguém que tem o corpo oculto por uma cortina enquanto caminha.

    Ônix levantou-se, olhando atentamente cada um daqueles seres que desejavam se aproximar. Quantos eram? Desejavam os machucar? Em qualquer uma das situações, ele estava pronto.

    Próximo Capítulo: Risos vindo do universo.

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