Capítulo 52: Força Além do Gênero
Depois de alguns segundos, as gramas não sussurravam para todos os cantos que alguém havia a pisoteado, tão pouco o vento murmurava sua sutil presença.
Não havia coruja, muito menos o som dos galhos se movimentando enquanto as folhas secas se quebravam em sua delicadeza, entregando-se ao vazio.
Perante esse cenário, lá estavam a dupla do Norte estagnadas, um olhando para uma visão contrária, como se evitassem contato visual a todo custo.
O silêncio descrito anteriormente tornou-se um observador tão atento quanto um leitor, como se estivesse com uma curiosidade comum: o que vai acontecer entre os dois?
De um lado, temos um garoto gentil, traumatizado com a morte e amaldiçoado com a perda, com seu coração já entregue à sua alma metade que tornou-se uma divindade.
Do outro, uma garota jovem, um pouco mais velha que seu colega. A mesma sentiu-se totalmente compreendida uma vez na vida, e isso aconteceu poucos minutos atrás.
Mesmo que compreensão não seja paixão, ainda é a chave para o entendimento, que abre a porta para o caminho estreito e espinhoso do amor.
Diante de um cenário que, para ambos, nunca aconteceria um dia, a ausência de ações tornou-se o resumo de um livro de milhares de palavras.
Ônix observava com atenção as árvores estagnadas ao seu redor. Uma névoa as contornava, como se fosse um filho se entregando aos braços da mãe.
Esse sutil detalhe tomou conta de sua mente por um segundo, imaginando o quão bom seria se, por poucos instantes, ele se tornasse aquela fumaça.
Enquanto divagava em sua própria mente, uma dúvida, mesmo que boba, roubou o cenário do seu subconsciente assim como um ladrão visualiza uma senhora indefesa.
Andressa, segundos antes, observava as gramas, tão frágeis quanto um bebê que acabara de nascer, dependentes completamente do destino.
A vontade, que rodeava seu coração como um carrossel, era de cuidá-las até que elas pudessem sorrir de novo e dançar com o seu melhor amigo vento.
Se houver sofrimento em um ser vivo inocente, isso deveria ser corrigido depressa, mesmo que a solução não estivesse visível aos seus olhos.
Sem nem mesmo pensar em suas próprias ações, agachou como alguém que se encolhe em reverência, tocando as gramas gentilmente com os dedos.
Em seguida, como se sussurrasse a solução, assoprou sutilmente, entregando o que o vento não lhe entregava há tempos: gentileza sincera.
Um singelo sorriso abraçava seus lábios com cuidado, decorando-o no rosto como um troféu que o mundo deveria ver para que não perdesse a cor.
Antes que pudesse se perder em seu próprio mundo, uma voz, serena como o mar, trouxe-a de volta para a realidade a qual pertencia.
— Moça…
Seu chamado vinha de trás, mas o vazio da hostilidade era tão grande que não houve susto algum. Ao virar-se de um jeito calmo e bobo, pôde ver mais uma vez aqueles olhos universais a observando.
— Onde fica o Norte?
Seu semblante inocente entregava que aquela não era uma pergunta retórica, tampouco algo para puxar assunto, mas, sim, uma dúvida sincera.
Depois de um período de silêncio, essa seria a forma de iniciar uma conversa com alguém que nunca viu? Seu jeitinho besta deixou Andressa confusa por um momento.
Seus lábios entreabertos tentavam entregar a mensagem da mente, mas estava tão confuso que, por alguns segundos, nada pôde dizer.
— Tu… Tu não sabe onde fica não?
Não havia olhar de julgamento em sua pergunta, nem deboche; era mais como se visse algo tão incomum a ponto de ser quase inacreditável.
Ônix travou por alguns instantes, coçando seu queixo com a ponta do dedo como se tentasse limpar a vergonha que gentilmente subia pela espinha.
— É que… Eu nunca fui bom com ciências.
Ciências? Não era pra ser Geografia, garoto? Cara, às vezes nem mesmo eu consigo acreditar no que eu estou narrando para vocês leitores.
Um leve pulo de surpresa repousou sobre os olhares de Andressa, refletindo a mesma indagação que eu acabei de fazer por impulso.
Não havia mais o que ser discutido, nem o que se pensar. A situação ficou confusa em um nível tão extenso que tornou-se engraçado.
— Como…? Pfft!
Sem conseguir dizer mais nada, apenas entregou-se às longas risadas que vinham de sua alma, aproveitando esse evento raro que era incomum em sua vida.
As bochechas de Ônix ficavam cada vez mais rosadas a cada instante que passava. A todo momento, seu pensamento era somente um:
“Acho que eu não deveria ter perguntado…”
Demorou alguns segundos para que sua pequena crise de riso fosse cessada, até que sobrasse apenas as faíscas enquanto limpava seus lacrimejos.
— Muito bom, muito bom…
Enquanto levantava, aproveitou para recuperar o fôlego enquanto esticava as costas, dando ao seu pulmão uma pequena pausa para respirar.
— Vem, vamos lá! Eu te levo até o Norte!
Para ser sincero, algumas de suas risadas ainda não tinham parado completamente, mas isso só tornou esse primeiro encontro entre os dois algo ainda mais memorável.
Enquanto caminhavam, Andressa, de pouco a pouco, puxava assuntos do cotidiano, como a comum indagação sobre o que ele gostava de escutar.
Tudo o que ele pôde pensar foi nas poucas músicas que ele ouvia quando criança, a grande maioria sendo as que sua mãe cantava de vez em quando.
Ao citar essa curiosidade, um pequeno brilho encontrou o olhar daquela moça, afirmando logo após que ouvir música era uma alegria do seu cotidiano.
Enquanto essa conversa boba se desenrolava entre os garotos, algo os encarava se ocultando na moita, sussurrando os suspiros na escuridão.
Era tão grande quanto um jogador da NBA, mas o que mais surpreendia não era a sua altura notável, mas sim os músculos anormais.
Uma geladeira se sentiria magra ao lado daquele ser, que babava sem controle ao ver duas presas despreparadas, alvos perfeitos para a caça.
Sua cor, tão verde quanto a grama, se camuflava com facilidade entre seu esconderijo. Diante de um presente tão agradável, murmurou consigo mesmo:
— aLvO… FáAaAcIlLl…
Sua mão direita segurava com firmeza seu machado, que tinha metade do tamanho de uma árvore. Enquanto divagava com suas próprias palavras, movia-o para trás com cuidado.
O principal alvo era aquele garoto moreno, baixo e aparentemente robusto, que caminhava sem preocupações com as mãos no bolso.
Tudo parecia correr como seu plano instintivo havia pensado, mas tudo escorreu como água nas mãos quando sua hostilidade passou a ser uma presença.
Quando estava prestes a arremessar sua arma, aquele garoto cessou seus passos, olhando com calma para trás, olhando no fundo da alma daquele Orc Gladiador.
O universo naqueles olhos era sereno, mas triste, como se vissem mais uma alma que teria que acolher em seus braços, guardando-a com cuidado.
Mesmo que não houvesse nenhuma intenção assassina em seu olhar, apenas de observá-lo como um oponente já dava àquela criatura uma certeza: esse garoto pode me matar.
Seu instinto de sobrevivência falou mais alto. Entre luta ou fuga, a alma escolhia evitar, mas o ego gritou em seu peito que a guerra seria necessária.
De um instante para o outro, já havia arremessado o seu machado, rezando, mesmo que inconscientemente, que o acertasse de alguma forma.
Ela girou perfeitamente, cortando o ar como se fosse manteiga, prestes a acertá-lo na nuca e nocauteá-lo, mas a garota ao seu lado não permitiu que esse evento desse continuidade.
Seus olhos, outrora bobos, ficaram tão afiados quanto os de um felino, como se vissem aquela ação como incoerente e, acima de tudo, imperdoável.
Mesmo que não entendesse o motivo, a raiva havia escurecido seus olhos, e as sombras já haviam cumprido o papel de cerrar seus punhos para o combate.
Projetando seu braço esquerdo para trás, respirou fundo, mostrando aos presentes a força física que tanto desejava esconder dos outros.
Em um piscar de olhos, um soco, tão rápido quanto um jato em sua velocidade máxima, atingiu aquela arma com precisão, destruindo-a em um único período de tempo.
Logo após, estalou os dedos, olhando para aquele monstro com uma depreciação tão visível quanto o brilho do sol, dizendo em sequência:
— Por favor, não lute. Desse daí eu mesma vou cuidar.
Próximo Capítulo: Pode Cuidar de Mim?
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