Capítulo 53: Pode Cuidar de Mim?
A flor, outrora gentil, tornou-se a tempestade que traz a própria chuva, não por amor, mas ódio eterno ao injusto: um inocente que quase foi ferido.
A mesma mão que apaziguou as gramas em gentileza, fechou-se em desprezo, segurando o próprio coração, que se tornara um vulcão, para que não entrasse em erupção.
Os lábios, que sussurraram misericórdia, cerraram-se contra a própria vontade para que não houvesse risco de desejar quaisquer maldições contra quem quer que seja.
O gentil e amaldiçoado garoto ao seu lado a observava com olhares caídos. A proteção que recebera o lembrava profundamente do amor materno.
A raiva que sua amiga sentira, somente porque ele, por um momento, estava exposto ao perigo, era algo que pensava que somente ele poderia oferecer aos outros.
Por ser bondoso demais? Não, apenas porque isso demonstra afeto vindo do próximo, e isso não é algo que alguém destinado a perda quer ter do lado.
Diante de tamanha determinação, mesmo sem pensar nessa possibilidade, já era instintivo saber que nada pararia Andressa nesse instante.
Cedendo à sua preocupação interna, abriu seus lábios imbuídos em hesitação, compartilhando uma das infinitas preocupações que percorriam sua mente:
— Se você começar a se machucar, eu posso intervir?
Esse tom de voz foi diferente de tudo o que ela já ouvira, também muito distinto do que foi apresentado naquela conversa boba entre os dois.
Não tinha ânimo, mas também não era angústia; é como uma criança triste que vê a morte pela primeira vez e pensa que é somente um cochilo longo.
Ao virar-se para observar seu rosto, não havia mais aquele sorriso brilhante, que escondia todas as dores que se ocultavam nas estrelas de sua alma.
Seus olhos podiam desenhar a dor que morava no peito. Só não era marejado, tampouco lacrimejante, porque as maldições não o permitiam ter esse direito.
Os olhos de Andressa abriram-se levemente ao perceber todos esses detalhes em instantes, como se fosse um livro de uma única linha.
Mesmo que não soubesse de seus traumas e maldições, vinha de seu coração a mensagem: a injustiça e dor, que cicatrizou a alma desse garoto, ultrapassa a das gramas.
Uma leve tristeza pousou nos lábios da moça, abrindo-os sutilmente, como se quisesse dizer o sentimento de proteção que seu coração, mole como gelatina, sentia por ele.
Era um pouco estranho. Por que se sentia assim sendo que se conheceram recentemente? A resposta para essa situação rara está fora de nosso alcance.
No entanto, sua alma justiceira não aceitaria parada. Tudo o que acabara de sentir foi um combustível ainda mais forte do que a gasolina.
Em um suspiro profundo e abrupto, virou-se em direção à criatura que os ameaçava, caminhando até ela com passos lentos e confiantes.
Os olhos se fechavam em desprezo enquanto observava a fisionomia do seu adversário. De maneira simultânea, abria os lábios sutilmente, dizendo:
— Só se eu desmaiar.
Lá estavam ambos os monstros: a flor que tornou-se a própria erupção contra um desastre natural em forma de Orc, nascido para destruir o que vier.
A criatura verde, após um longo tempo encarando sua presa pequena, moveu ambas as mãos para a cintura com as palmas fechadas, como se preparasse algo.
Seus olhos tornaram-se vermelhos, como se fossem abraçados pelo sangue dos que já matara. A boca abria-se em instantes, mostrando ao mundo seus caninos anormais.
Por fim, seu rugido, tão pesado quanto uma rocha, explodiu como a sirene de uma ambulância, ondulando para todos os lados para que todo o Norte ouvisse.
As folhas das árvores caíam sutilmente, cedendo à pressão que aquele grito de guerra trouxe consigo, sacudindo quaisquer seres próximos.
Em seguida, seu braço direito projetou-se para trás, esmagando cada fibra de seu corpo com o fechar de sua mão, preparando seu próprio tiro em forma de um soco.
Um instante depois, o golpe foi disparado. O vento explodia só com o mover desse ataque, como se estivesse sendo quebrado, barreira por barreira.
Andressa, por sua vez, manteve-se parada, observando o que se aproximava com hostilidade em seu rosto, como se garantisse que quisesse massacrá-lo em seu próprio jogo.
E então, como previsto, aconteceu. Esse gancho acertou com perfeição sua bochecha e, não só ela, a parte inteira do rosto do lado direito devido ao tamanho do punho.
O dano era visível. Sangue espirrava de seu nariz, os ouvidos explodiam em um zumbido insuportável enquanto os dentes seguravam o sangue que começava a emergir da língua, porém…
Ela não cedeu. Seu corpo levantou-se com o impacto, e o pescoço quase decolou de seu corpo, mas os pés encontraram o chão e se abraçaram à estabilidade.
O golpe havia terminado. Um soco, mas com um dano tão crítico… Sobretudo, esse não era o detalhe que importava, mas, sim, que agora era sua vez.
Seus dedos esmagaram o próprio punho ao cerrá-lo. Antes de devolver na mesma moeda, rugiu como um raio, expulsando todo o ódio que sentia.
Em um instante para outro, o tiro já havia sido disparado, ainda mais rápido do que o ataque que sofreu, e, também, muito mais destrutivo.
Enquanto seu punho atravessava cada vez mais o rosto do Orc, o som de ossos sendo despedaçados ecoava como o desembrulhar de um pacote.
Seu golpe não apenas empurrou o pescoço do adversário para trás, mas, também, jogou-o para as árvores como uma bola de futebol disparando com o chute.
Uma, duas, três árvores tentaram acobertá-lo da queda, mas foram destruídas juntas enquanto a criatura girava sem pausa no ar, tentando encontrar terra firme.
Foi somente depois de poucos segundos rolando no chão que finalmente pôde parar. O incômodo era enorme, não podia sentir mais o próprio nariz, mas a visão embaçada era certamente crítica.
Levantar-se era difícil, como um bebê que aprende a engatinhar, mas seus instintos sussurravam para que ele levantasse o pescoço primeiro.
Assim que o fez, mesmo que o resto estivesse indetectável, podia ouvir algo se aproximando enquanto pisava gentilmente nas gramas, entregando sua posição.
Lá estava ela: Andressa, aproximando-se do oponente enquanto expulsava o sangue de seu nariz, com sua camisa colada desenhando seu abdômen como um troféu.
Não só ele, cada parte estava lá, desde a dorsal até o trapézio definidos enrijecendo, mostrando-se ao mundo, como o corpo de um atlético dedicado.
Mesmo que tentasse não transparecer, a tontura já estava fazendo parte dela, como se estivesse prestes a cair, mas a batalha tinha que continuar.
Nesse mundo, a distribuição de atributos é algo que deve ser tratado com a devida atenção que merece, se não, há um desequilíbrio no que criou.
Ela dedicou seus esforços totalmente nos ataques físicos, dando a importância necessária para a defesa, mas um pouco menos para sua melhor arma: a energia.
O dano é alto demais para suportar mais um desses, e ela tem um jeito mais do que especial de lidar com ataques que devem ser esquivados.
A confusão dançava na mente daquele Orc, que ainda tentava entender o que tinha acontecido consigo e de como voou tão longe de onde estava.
Conforme começava a perceber, a ira primitiva tomava conta de si cada vez mais e, quando foi perceber, já estava bufando sem o mínimo de autocontrole.
O dano que sofreu foi crítico, e não aguentaria mais de dez socos vindo daquela humana aparentemente inferior, no entanto, ele sabia que só precisava acertar um.
Levantou-se com pressa de um jeito desengonçado, visando apenas aproximar-se de seu alvo e acertá-la com o que era preciso para vencer.
Enquanto corria feito a criatura que era, babando desprezo e raiva, Andressa apenas levantou a guarda, esperando o momento perfeito para agir.
De um momento para o outro, ele já estava diante dela, com o punho direito rente aos seus pequenos braços, pronto para destruí-los.
Ele acertaria com precisão absoluta, nocauteando-a com a facilidade que imaginava, se não fosse pelo trunfo que ela estava escondendo até esse momento.
Entre o seu antebraço e o golpe que vinha, algo escuro surgiu em um instante, em formato circular e do tamanho do punho que se aproximava velozmente…
Um portal, mas não do sistema, um criado por ela mesma. Em seguida, outro apareceu perto da bochecha daquele Orc, com a mesma aparência que o anterior.
O resultado disso era um só: esse mesmo ataque voltaria para o seu hospedeiro, e foi exatamente isso o que aconteceu, criando uma brecha clara para o ataque que Andressa aguardava.
Esse era seu poder: a capacidade de criar quantos portais quisesse, transportando qualquer coisa entre eles, mas, devido ao baixo investimento que pôs na energia, não podia usar muito deles.
Nesses segundos finais, Andressa lutava contra a dor e contra a falta de energia, contando com a sorte para que pudesse vencê-lo. A troca de golpes era veloz e precisa, com apenas o necessário vindo de ambos, mas o resultado era mais do que previsível.
A criatura estava fadigada, a um golpe de ter sua vida esgotada, mas sua oponente estava tão ofegante quanto ele, entregando-lhe uma oportunidade.
Apostando tudo, incluindo sua vida nisso, projetou seu último soco fundido com seu rugido em direção ao abdômen daquela que subestimou.
Ela, por sua vez, apostou na pouca energia que tinha, criando o último de seus portais para protegê-la enquanto soltava seus últimos suspiros no seu contra-ataque.
Seu golpe acertou em cheio o queixo do adversário, mas, no exato mesmo instante, também foi atingida na barriga, um golpe crítico que não deveria ter acontecido.
O portal não tinha energia o suficiente para transportar aquele golpe e, como consequência, se autodestruiu junto da pouca mana que restava na guerreira.
O resultado final dessa luta foi: enquanto ela voava em direção a uma única árvore, colidindo nela sem a arranhar, ainda com vida, seu adversário desabou no chão, já não mais entre nós.
A dor em seu abdômen era tão forte que a fez repousar a mão sobre ele, tentando acalmar todo o dano que sofreu, mas não era nem perto do suficiente.
Sua visão embaçava cada vez mais, estava tão próxima de desmaiar quanto o um do dois, mas, antes que isso acontecesse, tinha que checar sua prioridade.
Sem que percebesse, Ônix já estava ajoelhado ao seu lado, observando-a com os lábios caídos em tristeza enquanto os olhos não escondiam o que sentia.
Sua mais recente amiga estava visivelmente enfraquecida, tendo forças somente para sussurrar, e isso criava mais dores em seu frágil coração.
Ela, por sua vez, o observava com um caloroso sorriso que surgia de seus lábios e abraçava os olhos, vendo seu objetivo de proteger como concluído. Antes de “dormir” por um longo período, esforçou-se o máximo que podia para dizer o que o coração queria com tanto orgulho:
— Pode… Cuidar de mim agora, Ônix?
As pálpebras do garoto se abriram em dor, expressando ainda mais o que sentia internamente. No entanto, para não incomodá-la, forjou um sorriso enquanto os olhos sofriam, dizendo:
— … Claro que posso…
Enquanto ela sorria, também desmaiava, satisfeita com o resultado que essa luta tinha a oferecer, tendo ela como vencedora desse duelo até a morte.
Próximo Capítulo: Exército de Sombras.
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