Capítulo 55: Peixe Fora d'Água
Luz, esperança, confiança e fé. Esqueçam todas essas palavras, pois elas não existem mais para as almas daquelas sombras que se ergueram contra suas vontades.
A escuridão que morava em seus olhos era tão presente que fazia a noite na ausência de luz parecer uma piada, como se nada tivesse sido criado.
Todas aquelas almas perdidas tinham o estremecer nos lábios, deixando-os entreabertos inconscientemente. A dor não os permitia se mover.
Sussurros de angústia ecoavam das gargantas. O som, vazio e sem vida, suplicava ao abismo por socorro, mesmo que mínimo, mas esse esforço era pior que fútil.
Poucos olhavam para as próprias mãos, observando que, gradativamente, em um ritmo lento, estavam deixando de existir, se tornando partículas sendo atraídas por algum lugar.
O garoto que os invocou suspirou levianamente, escondendo atrás de sua armadura o esforço que fez para que pudesse invocar todos de uma vez só.
Em seguida, abriu sua palma direita e avançou o seu braço, deixando-o esticado para a frente. Logo depois, em um tom mais sério do que o anterior, disse:
— Matem-no.
Assim que deu sua ordem, fechou os olhos para descansar por um instante, tanto do dano que recebeu do primeiro ataque quanto do cansaço.
Nesse pequeno período de tempo, refletia consigo mesmo sobre a força daquele chute, pensando que era forte até demais para ser algo natural.
Logo após, imaginou Ônix em sua mente, desde os olhos até os trajes que vestia, concluindo: sua força foi ridiculamente ampliada com seus trajes.
À primeira vista, tudo, exceto os dois colares guardados abaixo da camisa, tinha uma cor estranhamente escura, como se fosse tingido com o suor da lua.
Seja a camisa, a calça ou o sapato, nada escapou dessa característica, dando a entender que eram roupas com atributos especiais, uma delas sendo o aumento de força.
Claro, isso é o mais puro suco do engano. Suas roupas são assim devido às marcas involuntárias que acontecem com o seu poder para que ele possa se teleportar, mas o jovem não sabia desse pequeno detalhe.
Por fim, concluiu que o melhor caminho era gastar ainda mais da sua energia retirando a blusa de seu adversário com uma de suas magias, mesmo que lhe custasse caro.
Após todo esse raciocínio, abriu os olhos com tranquilidade, esperando por uma batalha de cem contra um, mas nenhum de seus “soldados” havia se movimentado.
Seu coração atrasou uma batida, tropeçando na incerteza que havia aparecido de repente, dando brechas para o que mais sentia medo: o desconhecido.
Suas ordens eram leis e, as sombras, os cidadãos que as seguiam para não serem punidas com a “justiça”, que nunca havia existido em momento algum…
E, agora, isso foi quebrado, como se tentasse comandar criminosos, que não ouviam as regras de suas palavras, cometendo o crime de tentar ser livre, tendo o mínimo de paz.
Somente ele indagava consigo: por que elas estão ajoelhadas? Quando vão começar a se mover? Por acaso, estão desobedecendo as maldições de meu poder?
Nenhuma resposta vinha. Não existiam pistas, apenas o “de repente”. O calor da semente do medo, que começou em seu coração, deu vida à uma floresta que percorreu até sua mente.
Os frutos não eram maçãs, mas, sim, incerteza, insegurança e, o pior que podia acontecer com ele: descontrole da situação. Estava de mãos atadas para o futuro que não podia prever.
Para piorar sua situação, Ônix se aproximava cada vez mais, focando os olhos nas vítimas que acabaram de aparecer, como se fossem uma parte dele mesmo, fragmentos de sua alma.
O tempo parecia muito mais lento do que o normal para o garoto de armadura. Cada mísero passo de seu adversário parecia durar horas, quase o alucinando.
As gramas se quebravam a cada pisar, ecoando os sussurros de sua destruição: as vozes dos mortos, aqueles que ele roubou liberdade, obrigando-os a matar.
A agulha do incômodo cutucava seu coração a cada instante, fervendo sua alma até que encontrasse a instabilidade emocional que tentava manter.
A respiração, a última coisa que lhe restou, já não estava mais em equilíbrio. Todo ataque à sua autoridade serviu de gasolina para as chamas de sua raiva.
Em uma última tentativa hostil, esticou o seu braço mais uma vez, apontando para suas sombras com desprezo, gritando a última esperança que tinha:
— MOVAM-SE!
Seu grito foi tão profundo quanto o cair de um trovão, mas, também, tão inútil quanto jogar um isqueiro aceso no mar e esperar que ele evapore as águas.
Nenhuma das sombras sequer olhou para o garoto, como se ele não existisse, não fosse importante, tampouco relevante para o caminhar daquela história.
Tudo o que restou foi o som abafado dos seus suspiros, impedindo que o silêncio se erguesse, mas espalhando para todos que já havia sido derrotado antes da batalha sequer começar.
Antes que se perdesse em sua ansiedade interna, o grito das gramas novamente fez-se novo, dessa vez, ao seu lado esquerdo, não muito distante de si.
Ao virar sua atenção, notou uma sombra começando a se mover, uma que era pequena como um goblin, mas era um humano, ou melhor, uma criança.
Antes que desse continuidade a seus passos, inclinou seu pescoço levemente para a direita, observando o garoto que a transformou naquilo olhar fixamente para ela.
Seus pequenos olhos eram escuros como a noite, mas sem estrela alguma. A luz não existia mais em sua existência, mas a pouca esperança que tinha preencheu esse vazio.
Uma gota de lágrima começou a cair de seu olho esquerdo como se fosse petróleo. Seus lábios começaram a estremecer sutilmente enquanto seu rosto balançava lentamente em um sinal de não.
A alma daquele jovem imaturo encontrou a confusão enquanto o corpo gelava. Por que algo que deveria ser sua sombra agia como um humano? Ele estava errado?
Não… Seu ego era grande demais para suportar o erro, aceitar que o que fazia machucava quem ele controlava, mesmo que eles não fossem humanos de fato.
Segundos depois, aquela mesma criança começou a correr em direção a Ônix, desajeitada como qualquer um, mas sendo a primeira a agir quando notou esperança.
Enquanto caía, tropeçava nas raízes que se escondiam no chão, machucando seu frágil corpo, mas não podia parar de correr; sua vida dependia disso.
Ônix, do outro lado, começava a sentir seu coração hesitar em tremedeira enquanto o som daqueles passos desesperados ecoava pela floresta.
Suas pálpebras encontravam a instabilidade enquanto se abriam, dando espaço aos seus olhos, para que ele pudesse observar a ovelha perdida que encontrou o seu pastor.
Sua alma sentia semelhança, vendo naquela criança inocente uma imagem de si mesmo, ferido como ele estava, procurando a solução em uma casa amada.
Os joelhos hesitaram sem sua permissão, e os braços se abriam como se tivessem vida própria, deixando claro que ele era mais que bem-vindo e que ali era seu lugar.
O inocente garoto em seu peito, entregando-se às lágrimas e o abraçando como se fosse a última coisa que poderia fazer, esperando que tudo ficasse bem.
Tremia como um felino assustado, e grudava como um ímã permanente, um que nunca se soltaria de onde se prendeu, um que encontrou o seu encaixe.
Ônix sentia aquele desespero em sua pele e, sem dizer mais nada, apenas o abraçou de volta, acolhendo-o como se fosse seu filho, abafando os gritos que vieram com seu choro em seu calor.
Enquanto acalmava aquela alma quebrada, sua visão começava a escurecer de pouco a pouco, como se sua mente fosse convidada para seu interior.
De repente, tudo ficou escuro, como se tivesse fechado os olhos, mas mantendo-os abertos, buscando qualquer fagulha de luz que pudesse iluminar seu caminho.
De pouco a pouco, um baixo brilho começava a ser visível por seus olhos, iluminando uma figura pequena que estava de costas, como se não estivesse vendo.
Instantes depois, apenas por um único momento, aquela pessoa virou o rosto, observando Ônix com o mesmo olhar universal que o dele, e nós já sabíamos quem era aquela figura: a filha de Dalila.
E então, tudo voltou ao normal, como se ele estivesse alucinando, mas voltando à realidade em momentos, com alguns sussurros tentando chamar sua atenção para a frente.
Ao ceder, pôde observar cada sombra perdida o observando com os braços caídos, tão quebrados e desesperados quanto o garoto que oferecia cuidado.
De seus olhares, vazios como o abismo, escorriam as lágrimas de escuridão, caindo como chuvas sendo úteis à areia do deserto, sem poder doar sua água a ninguém.
Próximo Capítulo: Receptáculo.
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