Capítulo 57: Universo Enfurecido
Tudo estava tão confuso. A água do silêncio externo afogava seus ouvidos, mas os berros de quem sofreu moravam no coração, e cada lágrima tinha seu próprio som.
A visão era turva. Sombras circulavam suas pálpebras, tentando guiá-lo para uma direção, mas estava barulhento demais, impedindo até a mais simples das dicas.
Enquanto tentava respirar de forma estável, o coração disparava, como se estivesse se desintegrando com as chamas que o abraçavam em dor.
O mundo, aos seus olhos, girava lentamente. Não existia mais senso de equilíbrio. Até mesmo a minúscula paz que tinha conseguido foi embora.
No meio desse furacão em que Ônix se encontrava, ergueu o pescoço, tentando levantar-se de alguma forma, mas seu corpo se curvou instantes depois, jogando-o de peito contra as gramas.
— Por que…
Os berros foram substituídos pelos gemidos daqueles que perderam famílias, esposas, lares, suas próprias vidas, tudo isso sem a menor das justificativas.
Nem um dos cem olhares vazios escapou de sua mente. Mesmo que passasse como um flash mental, pôde ver cada inocente ajoelhado no abismo, apoiando-se em sua luz.
— Por que sofrem tanto…?
Instantes depois, começou a tentar se reerguer empurrando o chão, mas o máximo que conseguiu fazer foi se inclinar o suficiente para ver uma pessoa à sua frente: o culpado.
Lá estava ele, parado como uma estátua, observando Ônix caído enquanto aparentava estar em neutralidade, escondendo a insegurança atrás da armadura.
O ar que abanava no rosto de Ônix começou a congelar de pouco a pouco enquanto o mundo se tornava cinza, exceto pelo jovem que estava a metros de distância.
Um forte tremor atingiu seu peito. O coração, ao tentar pulsar, quase explodiu em uma batida, arregalando os olhos de seu portador enquanto os lábios se abriam.
Como se tentasse avisá-lo, uma mão escura e pegajosa começou a sair de seu torso enquanto agarrava sua bochecha, tentando puxá-la para baixo, mas nada o faria desviar o olhar.
Segundos depois, outra surgiu do pescoço, esforçando-se até que chegasse a seus olhos, apontando o dedo para o estúpido garoto que os fez sofrer.
Naquele momento, tudo fez sentido, tudo teve um motivo, a origem dos problemas, como eles apareceram de repente e o principal: quem era o culpado.
A respiração de Ônix ficava mais intensa a cada instante que se passava. As mãos, que tentavam se apoiar nas gramas, começaram a esmagá-las sem notar.
— Foi você…
A razão se perdeu. Seja dor, exaustão física ou mental, nada serviria de barreira para as futuras ações de Ônix, que começou a se levantar como se fosse um monstro.
Do outro lado, o rapaz entendeu a situação em que se encontrava no mesmo instante, restando-lhe apenas duas opções que resultariam no mesmo fim: fugir ou morrer.
“… Fodeu.”
Não dava para ficar ali parado, mas qualquer movimento parecia impossível de ser realizado. Para o seu terrível azar, o universo havia se enfurecido com suas ações.
Em uma cautela tão refinada quanto a de um gato, apostou metade de sua energia no tornozelo esquerdo, desaparecendo dali em instantes.
Aproveitando-se de o ambiente ser uma floresta, correu sem parar, ocultando-se em cada uma das árvores enquanto constantemente mudava de direção.
“Preciso fugir, preciso fugir, preciso fugir…”
Seu olhar, outrora confiante, foi submetido ao medo e, sem ao menos perceber, corria como uma criança desajeitada que acabara de apagar a luz.
Sem cessar sua maratona, olhou para trás mais rápido do que nunca, tentando ver se havia algum rastro da besta que desejava sua morte, mas nada encontrou.
“Despistei ele…?”
Seu coração soltou um longo suspiro de alívio só de pensar nessa possibilidade. Alguns risos nervosos escaparam de sua boca inconscientemente, comemorando o sonho que acabou assim que voltou seu olhar para frente.
Lá estava ele: a morte universal, diante de sua presa, com o punho cerrado a somente um instante de explodir na face daquele que fez uma centena de almas inocentes chorar.
Não sobrou tempo nem para piscar. O golpe acertou o rosto em cheio, fazendo-o rodar incontáveis vezes no ar até que caísse de peito no chão de uma forma tão patética quanto sua personalidade.
O capacete de sombras se desfez na mesma hora. Sangue escorria como tempestade de suas narinas enquanto sentia seus olhos queimarem.
Enxergar parecia impossível, tudo era nublado e turvo demais. Não podia sentir o próprio nariz, como se ele tivesse deixado de existir de um segundo a outro…
… No entanto, isso não era a maior das preocupações. Nenhuma dor física iria tirar o fato de que Ônix estava ali, perto dele, preparando-se para continuar.
A ficha finalmente caiu. Junto a elas, algumas lágrimas surgiram, não de arrependimento, mas de desespero, sem conseguir ver nenhuma saída pela primeira vez.
O coração tropeçava na própria ansiedade enquanto os lábios se retorciam, sabendo o destino que lhe aguardava, mas, por mais humilhante que fosse, juntou as últimas forças para gritar:
— ALGUÉM! POR FAVOR! AJUDA!
Por mais desesperador que fosse, de nada adiantou, apenas serviu para balançar as folhas com o vento que se espalhou com sua vergonhosa voz.
Os olhos se curvaram em desesperança enquanto começava a chorar feito uma criança, rezando para que Ônix desaparecesse, mas isso não seria possível.
Para sua infelicidade, sentiu algo agarrando seu calcanhar com força, arrastando-o para trás enquanto ele tentava se agarrar nas gramas, sem sucesso algum.
— POR FAVOR, VAI EMBORA!
Suplicar não adiantou de nada, só tornou sua morte mais desprezível. Quando foi tentar perceber o cenário, já havia sido jogado violentamente contra uma das árvores.
As costelas gritaram como pipocas, e mais sangue escapou da garganta, aproximando-o lentamente do fim que ele ofereceu a uma centena.
A árvore se quebrou ao meio, mas sua punição estava só começando. Logo em seguida, foi arremessado com ainda mais força, como se não fosse nada, para outra árvore próxima dali.
Sua locomoção cortava o vento tal como um jato, mas, curiosamente, ao atingi-la, não a quebrou dessa vez, apenas a fez balançar enquanto ele caía sem muita força.
Todo seu corpo tremia, principalmente os lábios ao tentar respirar pela boca, mas ele não tinha tempo pra isso agora; o universo flutuava em sua direção com as duas mãos fechadas, visando esmagá-lo.
Utilizando a pouca faísca de energia que lhe sobrava, agarrou o chão, impulsionando a si mesmo em um avanço desajeitado, evitando um dos golpes que o acertaria.
No entanto, esse esforço se fez inútil. Ônix rapidamente se locomoveu para trás do garoto, esticando os dois braços ao céu enquanto cerrava os punhos, pretendendo quebrar as pernas do rapaz.
Todavia, esse ataque também foi esquivado. Dessa vez, por outro avanço desesperado do moleque que novamente começou a correr, mesmo sem fôlego.
Porém, para o triste fim de sua história, ao olhar para cima, lá estava Ônix, preparando o seu mais forte soco até então, pronto para dispará-lo de baixo para cima.
O garoto não tinha mais outra opção. Rezando rapidamente em seu interior, juntou todo o restante de sua energia para os braços, movendo-os para cima, criando um escudo para defendê-lo.
Ônix, por sua vez, berrou como nunca antes, disparando seu soco universal contra o oponente já derrotado moralmente, restando apenas a carne para cortar.
Esse ataque foi tão forte quanto uma bomba, gerando um pequeno tornado enfurecido que durou alguns instantes, quebrando o resto do corpo do jovem fadado à morte.
Daquele momento adiante, o resto do julgamento foi aplicado. Era possível sentir a terra tremer enquanto o impacto de cada soco explodia como um tiro.
Isso durou alguns minutos até que fosse concluído. Aquele rapaz, por também invocar sombras, não podia virar uma, fazia parte de seus poderes.
No fim das contas, além de um corpo morto ao seu lado, Ônix voltou a ficar sozinho, apenas ele, o silêncio e a dor que ficou inúmeras vezes mais forte.
Estava apenas parado ajoelhado, sem saber no que pensar e tampouco no que fazer e, sem que percebesse, suas próprias sombras se acumulavam abaixo de si.
Próximo Capítulo: A Existência dos Maus.
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