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    Como um oceano infinito que recai sobre os presentes, todo o oxigênio foi roubado pelo além, deixando-os reféns com o trancar do pulmão que doava a atenção à criatura que surgiu.

    De um lado, uma monstruosidade com um olhar tranquilo, de certa forma até piedoso, como um adulto que observa um cachorro filhote latir em sua direção.

    Do outro, havia Saito, mantendo os pés firmes no chão, enquanto seus olhos escarlates fixavam-se no possível adversário que deveria enfrentar.

    Não haveria hesitação de sua parte. A paz é preferencial, ter que matá-lo dará trabalho, mas recuar não está em seu ser. Se houver o sangue do derrotado no chão, não será o dele.

    Atrás dele, estava Morfius, fixando seus olhos desafiadores naquela coisa que apareceu de uma hora para outra, pensando se bloquear seria possível.

    A imensidão de seu corpo sugeria pura força bruta, mas a serenidade transmitida pela janela de sua alma comunicava que ele era alguém racional.

    Durante esse momento em que todos analisavam as possibilidades de um movimento, restou apenas o silêncio mesclado com o incômodo que cutucava seus corações.

    Infelizmente para o cenário, esse impasse não durou mais que alguns segundos. A criatura virou levemente o corpo para encará-los de frente após refletir algo consigo mesma.

    No mesmo instante, em uma resposta defensiva, Saito sacou sua katana, mas a manteve baixa, com as mãos relaxadas, pronto para cortar a qualquer instante.

    Em sequência, usou um de seus poderes elementais: o ar, para afastar as folhas que ali se aglomeravam, enquanto retirava a grama do solo, deixando somente a terra num curto círculo.

    Enquanto as folhas se espalhavam como um grupo criminoso correndo da justiça, Saito sutilmente desenhava uma seta que apontava para trás, de onde eles vieram.

    Morfius, por sua vez, inspirou tudo o que seu pulmão aguentava e, logo após, expirou gentilmente, posicionando a perna direita um pouco à frente da esquerda, pronto para avançar quando devesse.

    Após todas as preparações, houve o curto e absoluto nada. Gramas subiam e flutuavam como vapor d’água, mas não havia barulho algum vindo delas.

    Era como se o barulho do vento estivesse mudo. Árvores se inclinavam para a direita como se um tornado as afetasse, mas nenhum ranger surgia delas.

    Ao mesmo tempo em que a luta pela sobrevivência estava a somente um passo de começar, também parecia tão distante quanto tentar assistir a um vídeo de um minuto com a internet lenta.

    Entretanto, esse ponto-morto foi desfeito no momento em que a criatura moveu levemente sua perna esquerda para cima, levando-a um pouco à frente da direita e pisando no chão com um pouco da força que tinha.

    Nada havia sido destruído, tampouco uma cratera havia sido criada, mas a explosão poderia facilmente explodir tímpanos, como se a bala de um tanque tivesse sido disparada.

    Lá estava aquele monstro: em guarda, “pronto” para enfrentá-los, mas nada havia sido concluído; ainda havia uma chuva que não repousou sobre a terra.

    De repente, algo subiu do abismo, emergindo das costas daquele monstro que ainda os observava como se fossem apenas formigas prestes a serem esmagadas.

    A sombra das árvores ocultava seu semblante; no entanto, o erguer de sua presença lentamente o revelava ao mundo, tão inesperado quanto um jacaré no mar.

    O ar se recolheu em desespero. O céu, escuro com a ausência das estrelas, se refugiou em nuvens negras, tentando se esconder do que estava surgindo.

    Algo inspirava e expirava com pressa e hostilidade, encontrando-se no ápice do que podemos chamar de ira, buscando qualquer coisa para ser objeto de sua fúria.

    Sem dar a mínima satisfação a ninguém, um relâmpago explodiu atrás do orc, dando luz ao que encontrava-se atrás de si: um crânio tão grande quanto seu próprio corpo.

    Os orbes nos olhos eram mais vazios do que um buraco feito em uma montanha. Sua cor, mais branca do que a neve, se tornava inútil diante do sangue espesso que escorria dos dentes como uma cachoeira.

    Um instante depois, o trovão rasgou a própria garganta com o grito, banhando em chamas qualquer árvore que estivesse no seu caminho, expulsando a escuridão.

    Por um momento, o nada voltou a dominar. Além dos sujeitos imóveis, restou apenas o som das folhas se queimando; algumas até caíam, espalhando sua dor para as gramas.

    Fumaça voava ao céu, e, para as árvores, que já eram frágeis e vulneráveis, só restou a queda e a morte daquilo que nem vida tinha para chamar de seu.

    E então, aquela caveira começou a berrar; berrar tanto como alguém que acabara de perder os membros do corpo, mas tinha ainda mais desespero.

    Era como se sua vida dependesse disso. Se houvesse cordas vocais, já teriam sido destruídas com o grito daquilo que busca algo inexistente.

    Acompanhando o seu ritmo, incontáveis relâmpagos caíam como estrelas cadentes na direção do orc, mas não se limitava a isso; os trovões também vinham aos montes.

    Um show de horrores se destacava pelo sul. O berro dos ossos, o grito dos trovões, a fúria dos relâmpagos e, como se não bastasse, um sutil tornado de choque começava a circular a criatura.

    O sutil tornou-se notório, e o notório virou parte daquele ser. Não era mais um tornado; virou aquilo que o contorna enquanto abraça os relâmpagos: uma aura de energia que se movia constantemente.

    Era pequeno, como um fio branco que caminhava por todo o corpo, mas não aceitaria viver assim por muito tempo; tem que ser algo a mais, deve ser divino.

    Foi então que aconteceu: essa energia explodiu como um pilar crescente que golpeia as nuvens negras e atravessa o céu, fazendo qualquer um que estivesse no sul notar sua gloriosa presença.

    A pressão do ar era ainda mais violenta do que o resultado de uma erupção. O som explodiu, rebatendo em si mesmo para tentar aguentar a dor que acabara de receber.

    Saito viu-se obrigado a fincar a katana no chão para que seu corpo não se rendesse à pressão, ao mesmo tempo em que cobria os olhos com o antebraço, tentando se defender da ventania.

    Morfius pôde apenas confiar em sua energia, cobrindo-se com ela enquanto enrijecia seus pés, rezando para que esse evento durasse pouco.

    E, felizmente, durou. A energia se dissipou como a água assim que a torneira é fechada. A chuva de raios ausentou-se, acalmando a ansiedade que existia em seu peito.

    O silêncio se rendeu às chamas das árvores, mas, fora isso, nada mais estava acontecendo, como se o que acabara de acontecer fosse um delírio coletivo.

    Morfius baixou sua guarda e suspirou, indagando consigo mesmo se havia realmente acabado, mas seria bom demais para ser verdade, e não é assim que as coisas funcionam por aqui.

    Saito ergueu sua arma e a imbuiu com chamas, preparando-se para o combate enquanto focava os olhos na criatura divina que estava à sua frente.

    Enquanto ainda era coberto pela energia elétrica, seus olhares cianos e tranquilos não existiam mais; foram substituídos pelo vazio onde o sangue dos caídos existia no centro.

    A massa corporal e a altura de um gigante? Esquece, elas não existem mais. Sua pele era seca e definida, com uma altura baixa, tendo menos de um metro e sessenta, mas esse detalhe era enganoso.

    Sua cor continuava esmeralda, mas aquela caveira, que vomitava sangue, existia no centro de seu torso, observando os dois garotos enquanto lamentava por suas mortes.

    Saito e Morfius estavam diante de um desafio que poderia ser chamado de impossível. Suas vidas estão entregues ao destino, e a provação que terão que passar é sobreviverem contra essa coisa que o mundo lhes jogou.

    Próximo Capítulo: Morte Inaceitável.

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