Índice de Capítulo

    Com a eliminação da ameaça, o ar, mesmo que estivesse infectado com o sangue da sobrevivência, estava repleto de alívio, tornando-se doce e agradável.

    A ausência de perigo influenciou as nuvens tempestuosas a se dissiparem, permitindo que a noite fosse iluminada pelo sorriso das estrelas.

    Saito, ainda que estivesse com os ossos destruídos, ou com os músculos descolados, se permitiu sorrir ao observar aquele céu que se parecia com os olhos de seu querido irmão.

    Junto a isso, a satisfação começava a florescer rapidamente. A conquista da sobrevivência lhe ofereceu um misto entre felicidade e alívio que não havia sentido antes.

    “Nós conseguimos, Ônix…!”

    Claro, seria injusto uma vitória tão desafiadora quanto essa não ter nenhuma recompensa, mesmo que mínima, e, felizmente, não acontecerá dessa forma.

    Uma sutil gentileza começava a percorrer por suas fibras, em uma temperatura morna tão agradável quanto uma sauna luxuosa, permitindo-o suspirar com tranquilidade.

    O peso causado pelas lesões musculares desapareceu. Ainda que estivesse acordado, a sensação era de despertar de um sono profundo e revigorante.

    Enquanto o conforto o abraçava de bom grado, partículas azuladas flutuavam como o vapor d’água, aglomerando-se em um só espaço retangular até que formasse uma aparência própria.

    Como de costume, lá estava ele: o sistema de jogo, de prontidão para exercer mais uma de suas infinitas funções que lhe foram dadas nesse mundo.

    Sistema de Jogo
    Devido ao tamanho da conquista de vocês, jogadores, foram concedidas duas recompensas: uma ao grupo e outra ao maior contribuidor na batalha pela sobrevivência que ocorreu há pouco tempo.

    Agindo feito bolhas intocáveis, partículas em tom verde claro flutuavam e abraçavam seu corpo até que se tornassem faíscas que se fundem aos músculos.

    Ainda não estava totalmente recuperado, metade da fadiga existia; no entanto, o bem-estar estava tão acima das dores que as tornava nulas, mesmo que ainda morassem nos ossos.

    Sistema de Jogo
    A primeira recompensa é cinquenta por cento da regeneração do corpo. Isso inclui apenas três recuperações: Física, Energia e Vigor. Danos e cansaços mentais não estão inclusos.

    Os braços, antes inexistentes, agora sorriem só de sentirem as fibras estáveis, pedindo logo em seguida para que qualquer movimento fosse feito.

    Não há mais tremedeira nas pernas. Esticar as articulações não lhe causava dor, mas, sim, gerava motivações para enfrentar qualquer outro desafio que venha.

    Levantando-se tão leve quanto uma pena, saltitou algumas vezes enquanto esticava as costas, sentindo o ar circular como um redemoinho, comemorando sua recuperação.

    O pé direito não encontrava-se esmagado, mas ainda estava inchado, provando que a recuperação parcial não era uma mentira daquele sistema.

    Ao respirar fundo, um sorriso grato desabrochou dos lábios, sem um único pingo de arrependimento do desafio que quase morreu para vencer.

    O sistema intensificou sutilmente seu brilho, relembrando Saito de que ainda não havia terminado de passar o restante das informações pendentes.

    Deixando o ânimo para depois, voltou as atenções para a janela azulada, aguardando pacientemente para que ela recomeçasse a dizer o que queria.

    Sistema de Jogo
    Recomendo que tome cuidado e que não se esforce novamente durante alguns minutos ou horas. A fadiga mental está se ocultando na comodidade, mas se ela vir de uma vez só, não importa o que você faça, não conseguirá se manter consciente.

    Houve um pequeno silêncio de ambos após esse alerta. Saito, mesmo que estivesse muito melhor do que antes, sabia que esse aviso poderia ser uma previsão.

    Nada é de graça, tampouco nesse mundo. Agora, sua maior preocupação não era sobre quem estava enfrentando, mas onde deveria descansar com segurança.

    Suas indagações foram interrompidas pelos sons das teclas que ecoavam do sistema, informando-o de sua recompensa mais memorável até então:

    Sistema de Jogo
    Por fim, a maior recompensa será dada ao jogador que mais contribuiu nessa luta: Saito. Em seu inventário, verifique quando quiser o item que conquistou: Lâminas de Jade.

    A katana, que veio como um brinde de seus poderes nesse novo universo, não seria resistente o suficiente para os eventos que virão em um futuro distante, tampouco em um breve, como foi agora.

    Com a sua destruição, hora ou outra uma nova apareceria para substituir sua função e, felizmente, a mais imponente das lâminas ofereceu-se a esse serviço.

    Sua curiosidade não o permitiu esperar, abrindo o inventário logo em seguida como uma ação quase automática, visualizando a relíquia que estava guardada para uso.

    Eram lâminas grandes com o tom esverdeado, conectadas com uma corrente que impede uma futura separação, transformando dois em um só.

    Mesmo sem ter usado, era possível saber apenas de ver que aquilo poderia cortar quase qualquer coisa com a mesma facilidade de respirar.

    Antes que pudesse tocá-la para realizar os testes, seu menu foi forçadamente fechado pelo sistema de jogo, sendo substituído pela sua interface para que a mensagem fosse lida sem ter que esperar.

    Sistema de Jogo
    Usá-la agora drenará toda a energia pura que você tem. Para controlar a luz, precisa de estabilidade mental. Se tentar usar as lâminas agora, morrerá. Tente após descansar, e guarde-a quando sua luz esgotar.

    Após a última das informações, o sistema começou a se retirar sem pressa, como uma névoa sendo absorvida pelo vento até que desaparecesse por completo.

    O silêncio ergueu-se em sua ausência, permitindo que o tempo provasse o aviso mais útil que dera ao garoto com as dores anestesiadas: fadiga.

    A respiração, antes tímida e gentil, tornou-se pesada e dolorosa, usando o tórax de quem deveria proteger como um saco de pancadas para seu estresse.

    Apenas uma parte desse cansaço mental bastou para que o peso do mal-estar o forçasse a agachar sutilmente para que pudesse descansar sentado.

    O pesar também contaminou seu subconsciente, tornando sua mente incômoda demais para poder raciocinar, como se o sono profundo que lhe fora dado tivesse desaparecido.

    Tentando manter o pescoço no lugar, apoiou a palma no olho esquerdo, impedindo seu rosto de continuar caindo, mas entregando a passagem que os dedos precisavam para tocar em sua mais nova cicatriz.

    Seu coração quase pulou do peito assim que começou a entender o que havia perdido. O misto de sentimentos ainda presentes tentava desviar a atenção do dano permanente que aquela besta havia deixado nele, mas era tarde demais.

    Massageou as pálpebras incontáveis vezes e, para garantir, tentou abrir o olho esquerdo cicatrizado, mas de nada adiantava, ele já havia sido perdido aparentemente para sempre.

    A agulha da ansiedade picava o coração. Todos os instintos entravam em alerta, anunciando em cada parte que um membro havia sido perdido.

    Por mais impactante que essa perda tenha sido, Saito sabia que se desesperar não traria nada de volta. Buscando a estabilidade através do silêncio, doou minutos de sua atenção para simplesmente respirar.

    Inspirar até que o pulmão gentilmente diga que não precisa de mais, e deixar as narinas expirarem até que o oxigênio se esvaia sem pressa. Manteve-se assim até que o alvoroço diminuísse.

    Logo após ter seu autocontrole recuperado, olhou para trás, procurando a árvore que tinha abraçado Morfius, encontrando-a em poucos instantes.

    Ele ainda estava lá: sentado, com a cabeça baixa e o corpo mole, como se estivesse dormindo, mesmo que a recuperação tivesse removido parte de suas dores.

    Ao notar o comportamento estranho de seu companheiro, caminhou em passos lentos até alcançá-lo, agachando na posição de cócoras, indagando:

    — Ei, Morfius, tudo beleza?

    Nenhuma resposta, senão o som da sua respiração, afirmando seu estado atual: inconsciente, deixando o corpo trabalhar numa recuperação.

    Sem reclamações a declarar, é algo instintivo após a sobrevivência ser conquistada. Saito tentava ocultar as preocupações em um rosto neutro; entretanto, o suspiro, sutil e aliviado, estragou o disfarce.

    — Ah, ele ainda não morreu? Que ótimo.

    Uma voz desconhecida se estendeu pelo horizonte. O silêncio foi derrubado com o grito das folhas, entregando a posição de alguém que não se importava em aparecer agora.

    Saito olhou para trás no mesmo instante, percebendo o, talvez, novo adversário que deveria enfrentar para proteger seu aliado adormecido.

    Um manto escuro o cobria do pescoço aos pés. O capuz, no mesmo tom, ocultava seu rosto, mas não conseguia tampar o brilho de duas orbes cinzas que moravam lá.

    — Eu preciso matar pelo menos uma pessoa para concluir uma missão especial, sabe? Consegue dar licença, por favor?

    Assim que pediu com educação o que desejava, baixou seu capuz, permitindo que a luz da lua iluminasse seu rosto que já estava dominado pela escuridão.

    Seu olhar cinza não tinha vida. As olheiras massageavam suas dores internas para que novas fossem criadas. A neutralidade em sua face era natural, não tinha espaço para outros semblantes.

    No fim das contas, esses detalhes pouco importam quando a vida de alguém está sendo diretamente ameaçada. Saito, ignorando esses sinais, respondeu-lhe logo após:

    — Sem condições.

    Sua frase não surpreendeu nem um pouco o garoto à sua frente, apenas lhe deu um pequeno combustível para falar um pouco mais do que queria.

    — Entendi, deve ser uma pessoa importante. Confiam bastante um no outro, né? Que bom, pra vocês.

    Saito, agindo da melhor maneira, ergueu sua guarda e preparou os pés para avançar, mantendo-se atento a qualquer detalhe para que não fosse pego desprevenido.

    No entanto, uma ação bastou para que a luta fosse evitada por alguns minutos: o jovem ergueu a mão esquerda, mostrando a palma aberta, dizendo:

    — Eu tenho uma oferta melhor: vamos matar o garoto que tem o universo nos olhos.

    De um segundo a outro, todo ar existente em Saito foi roubado. Os pulmões cessaram seu trabalho, e os olhos, arregalados em alerta, tentavam entender o que estava acontecendo.

    — Nessa floresta, tem uma recompensa muito alta se matarmos esse rapaz. O líder de um grupo do qual eu faço parte foi enfrentá-lo no norte, mas, nunca se sabe, né? A missão dizia que ele era forte demais.

    Nem tudo foi dito ao entrarem na floresta. Há missões diferentes para cada grupo e, aparentemente, Ônix estava com a cabeça a prêmio para um deles.

    — Tem cada detalhe sobre esse cara que eu me impressiono. É recomendado enfrentá-lo com pouca gente para que os números não se voltem contra nós. Nós três e meu líder deve dar conta. Eu dou metade das recompensas que eu ganhar para vocês, o que acham?

    O coração, batendo feito um tambor, doava calor ao corpo todo, abrindo as válvulas do alerta juntamente ao ódio de alguém protetor.

    Uma fumaça, espessa e sutil, surgia da cicatriz que Saito havia recebido de presente no olho esquerdo, formando uma nuvem negra acima dele.

    A nuvem se contorcia cada vez mais conforme a hostilidade o incapacitava de pensar, até que se tornasse insustentável até mesmo para ela.

    E então, torturando o vento, um relâmpago em tom vermelho rasgou os céus, banhando Saito em sua eletricidade, tornando-se um só com ele.

    A temperatura não conseguia morar no calor e tampouco no frio. Era tudo estranhamente instável, sem previsões ou autocontrole que pudessem ajudar.

    Uma corrente elétrica explodia e renascia em todo o corpo. O olho direito, dilatado e atento, brilhava em escarlate, expulsando a lava da ira.

    O olho esquerdo permanecia cicatrizado; porém, um estranho brilho amarelado se exibia feito faíscas, como se estivesse semiaberto, mesmo estando fechado.

    Por fim, seu cabelo, outrora azul, tornou-se flutuante e ciano, dançando com o vento como se estivesse calmo, mas a ondulação do ódio não deixava seu posto.

    Não havia mais conversa, uma luta sem recompensas aqui e agora era inevitável. Saito, antes de avançar feito uma besta, suspirou as últimas palavras que couberam nos lábios:

    — Agora a conversa vai ser diferente.

    Próximo Capítulo: Olhos do Sacrifício.

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