Índice de Capítulo

    XX:32:30

    A floresta, tão escura quanto a escuridão que carrega, não era tão assustadora quanto deveria ser. Agora, era agradável, como entrar numa moradia onde é bem-vindo.

    Caminhava por ela sem pressa alguma há alguns minutos. Seus olhos, mais universais do que o próprio céu, iluminavam o que precisava de luz para que não errasse o destino do qual se aproximava.

    Os pés, mesmo pisando nas gramas, não faziam barulho, não as machucavam, tampouco tinham pesar; eram leves, reconfortante feito um abraço. A gentileza do sacrificado existe por todo seu ser.

    O silêncio não sussurrava maldições. Não havia o murmúrio das árvores que tentasse os assustar, era tudo muito respeitoso, as envergonharia o atrapalhar.

    Sua companheira ainda se apoiava nas costas de quem jurou cuidá-la. Às vezes em que o corpo cedia para o vento devido à inconsciência, era puxada de volta com cuidado e gentileza.

    Não era nenhum incômodo para Ônix a carregar do norte ao sul. A única preocupação que tinha era sobre o quão desconfortável essa situação poderia ser a ela.

    “Ela tá escorregando bastante…”

    Com a inocência que tem desde quando nasceu, esticou os braços para a frente em instantes, abrindo-os como se fosse carregar um bebê dormindo.

    Antes de Andressa começar a cair, o corpo já havia sido teletransportado aos braços de Ônix, carregando-a com as mesmas preocupações de quem cuida de um filho.

    “Espero que esteja mais confortável agora.”

    Dessa forma, com o silêncio proporcionado pelo próprio universo de seu ser, continuou a caminhar, sem encontrar quaisquer eventos incômodos.


    XX:35:50

    Com a cor do mar e a velocidade de um relâmpago, um feixe de luz ciano cortava o sul em direção ao norte, ignorando quaisquer distrações.

    XX:35:52

    Aos seus ouvidos, a sensação era de estar submerso. Com tamanha velocidade atingida, nada podia ouvir, o som não era rápido o suficiente para isso.

    XX:35:54

    Quanto mais seguia adiante, menos pensava sobre tudo, desde a segurança de Morfius até o atual estado de Ônix, que, para ele, se encontrava desconhecido.

    XX:35:56

    Os olhares escarlates, abertos em máxima atenção, moviam-se atentamente de um lado ao outro, sem período de descanso, até que seus olhos encontrassem o universo.

    XX:35:58

    Seu freio foi abrupto, como um personagem animado fixando-se no ar de um instante a outro. As mãos usavam o chão como apoio e, os joelhos, sem perguntar ao cérebro, já estavam presos no solo.

    XX:35:59

    Os cabelos cianos? Raios crepitando em seu corpo? Olhar brilhando em amarelo e vermelho? Foi-se, junto com sua visão, que abraçou a fadiga que revelou-se com o esforço.

    XX:36:00

    No entanto, a prioridade foi conquistada. Levantando o pescoço com a pouca energia que sobrou, estavam as estrelas que desejava enxergar, nos olhos de seu irmão.

    Estava limpo, sem sinal de ferimentos. Seu olhar era o mesmo que sempre quis ver: brilhantes, um verdadeiro universo puro, banhado em compaixão.

    Infelizmente, nem tudo aconteceu como queria. Ao ignorar o aviso do sistema, sobre a fadiga estar escondendo-se na comodidade, as consequências seriam dadas.

    Os lábios não puderam se abrir e, as pálpebras? Receberam o peso do próprio corpo para que fossem fechadas, impedindo-o de sequer dizer algo.

    Com o lar da inconsciência construída, o que sobrou para seu corpo foi despencar sem forças, entregando-se a um sono profundo que não se sabe quando vai terminar.

    Ônix assistiu tudo, do começo ao fim, em um silêncio que entregava todo o misto de emoção que estava sentindo aos seus olhos confusos e melancólicos.

    O sangue no traje de Saito era tão visível quanto dinheiro perdido. O que aconteceu no sul que o desgastou tanto ao ponto de levá-lo à inconsciência?

    Todas as dores que havia experimentado até aqui foram inúmeras e dolorosas; no entanto, ao enxergar um de seus maiores tesouros ser ferido dessa forma, o arder do coração era inevitável.

    Seu mundo interno dobrou-se junto de seus joelhos, que tentavam se aproximar de Saito que, ao mesmo tempo em que estava perto, parecia distante.

    Usar as mãos não seria possível, ela já estava ocupada cuidando das dores de Andressa que ainda estava adormecida com os danos que levou.

    Quando as dores começavam a parecer intermináveis, e a solidão começava a parecer ainda mais escura, as sombras que foram salvas não conseguiram se calar.

    Um pouco da escuridão que tinha começou a sair por seu ombro como se fosse uma nuvem, caminhando em um ritmo lento até que alcançasse Saito.

    Os olhos universais, antes perdidos no seu próprio mundo, olhavam aquela névoa escura com a surpresa que o inesperado proporciona, indagando a si mesmo sobre o que estava acontecendo.

    Sobretudo, não existia desconfiança. A mesma sombra que circulava Saito de pouco a pouco, foi a mesma que prometeu cuidar de Andressa na ausência de seu mestre, e cumpriu.

    Não demorou muito para que Saito fosse completamente abraçado pela escuridão, sendo oculto dentro de uma esfera mais escura do que o escuro.

    Os olhos falavam por si só. Eram ações das pessoas responsáveis por suas dores eternas; no entanto, mesmo que não pudessem remover as angústias que foram doadas, ainda havia outras formas de retribuir o favor.

    Entretanto, ainda não para por aqui. Uma névoa escura saía sutilmente do ombro, juntando-se em um só lugar até que formasse um pequeno retângulo, como um sistema.

    Por favor, deixe-o conosco. Não há coisa neste mundo que poderá o tocar sem vossa permissão, desde que esteja em nosso território: seu interior.

    De pouco a pouco, as sombras submergiam na escuridão, levando Saito consigo a um lugar sem perigo. Antes que desaparecessem até serem chamados, Ônix indagou, esticando os braços com cuidado.

    — Podem cuidar dela também, por favor?

    Seu pedido poderia, e deveria ser uma ordem; no entanto, as sombras, espertas como são, “negociaram” misturando verdade com mentira.

    Ela já foi cuidada, não há necessidade. A proteção de suas mãos é mais forte do que nossas sombras podem sonhar em ter. Não se preocupe, não acontecerá nada de ruim.

    Por fim, desapareceram tão sutilmente quanto suas vozes misturadas, deixando-o no silêncio agradável de antes, juntamente a dúvida de onde ficava o sul.

    Felizmente, esse problema não foi, de forma alguma, duradouro. Escuridão juntou-se um pouco acima de sua testa e, de alguma forma, era tão visível quanto luz.

    Dessa vez, não veio para conversar e tampouco seguir como proteção, mas, sim, como guia, uma seta que aponta ao sul, lugar esse que aguarda os olhos universais.

    E então, como estava no começo, voltou a caminhar em seu próprio ritmo, indo em direção ao sul enquanto protegia uma vida em seus braços gentis.


    Os suspiros, velozes e instáveis, bombardeando os instintos com alarmes de emergência, não puderam durar tanto quanto queriam.

    Diante de seus olhos, quatro cometas em tom escarlate voavam em sua direção. Cada brasa hostil encontrava-se sedenta por sangue, e não pararia até encontrar.

    O trancar dos pulmões abriu as portas da concentração instintiva. Cada célula encontrava-se em foco. A partir de agora, a própria sobrevivência tornou-se prioridade.

    A energia que tinha abraçou as pernas por vontade própria, aumentando os atributos relacionados ao membro afetado, impulsionando sua velocidade.

    Saltar para o lado esquerdo o possibilitou desviar do primeiro asteroide, evitando uma morte que não permitiria os rastros dos ossos e tampouco da pele.

    Ainda não acabou, outro, tão violento quanto o anterior, voava em direção à cabeça, acelerando o máximo que podia conforme o período entre os segundos.

    O corpo, sem tempo para pensar, começou a agir sem pensar nos gastos. Antes que fosse acertado, moveu ambas as mãos para baixo, concentrando energia o suficiente para que servisse de impulso.

    Felizmente, deu certo. Seu corpo foi arremessado para cima, mas ainda restavam duas mortes estelares para se preocupar, e uma delas já estava avançando de forma fixa onde seu corpo se encontrava.

    No entanto, estava longe demais, mais do que deveria para garantir um acerto. Morfius, observando essa brecha no mesmo instante, juntou ambos os pés.

    Em sequência, impulsionou-se com um salto no ar, utilizando energia como fez com as palmas, livrando-se do terceiro, mas ainda há o quarto.

    Dessa vez foi diferente. Não havia um cometa em direção, tampouco a distância o favoreceria, ele já estava lá, diante de seus olhos, prestes a acertá-lo.

    Enquanto os anteriores tentavam o atingir a todo custo, esse tentava prever onde seria seu último movimento, antecipando um golpe que poderia falhar, porém, houve sucesso.

    Não havia mais o que ser feito. Juntar energia demoraria demais. Se tentasse bloquear, morreria de qualquer jeito, esse não é um ataque que possa ser defendido.

    Em frente ao fim de sua vida, toda a história que obteve nesse mundo passou como um filme com menos de um segundo de duração.

    Desde o encontro com seu novo grupo de amigos, o desafio que teve com o manequim até o momento atual, tudo foi-lhe mostrado, sem esquecer de uma única vírgula.

    Para seu corpo, tinha acabado ali; entretanto, a alma sabia que ainda não era a hora da morte, ainda tinha uma arma que ele era capaz de usar: evasiva.

    Sem a intervenção do corpo, o subconsciente pôde agir. Como havia feito dezenas de capítulos atrás, seus olhos arregalaram quando estava prestes a sofrer o impacto.

    O resultado? Todo o seu corpo, de uma hora a outra, desapareceu feito uma nuvem dispersada, como se nunca estivesse existido antes.

    O asteroide passou reto, atingindo somente o vento e, logo após, o solo, deitando-se lá enquanto o fogo que o envolvia se tornava fumaça.

    Marcos baixou a guarda, pondo as mãos no bolso como se tudo estivesse acabado, deixando-se enganar pelo desaparecimento que se disfarçava com a morte.

    Enquanto abaixava os olhos para ver o que o menu das missões tinha a dizer, Morfius estava atrás dele, em seu ponto cego, com os joelhos prestes a acertar seu pescoço.

    E assim foi feito. O golpe foi certeiro, e o som foi tão expansivo quanto golpear um saco de areia, levando seu adversário a um voo sem sequer saber o que tinha o atingido.

    Morfius, caindo no chão sem perceber que ainda estava vivo, respirava de forma tão apressada quanto alguém exausto, tocando em si mesmo inúmeras vezes.

    Próximo Capítulo: Orgulho no Sangue.

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