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    Vermelho feito um diamante escarlate, mas escuro e espesso, como se nada além dessa existência importasse para esse mundo destruído.

    Também era grudento, com um ciúmes além do imaginável. Seja nas folhas ou nas árvores, ele deve estar presente em todos os lugares que há.

    Esse era o sangue, tanto nas gramas e até mesmo no céu, com as nuvens vermelhas se negando a sair, enquanto o ar insiste em levá-las embora em seu próprio ritmo.

    Morfius estava deitado nesse mar vermelho. As pálpebras eram abraçadas pelas lágrimas vermelhas do sacrifício, junto ao resto do corpo.

    É nojento e desagradável para quem observa de longe, afinal, o que há de bom em ser acolhido pelo sangue de outro enquanto o seu também escorre?

    No entanto, a sensação para ele era de estar em uma cama macia, confortável e, sobretudo, inexistente, deixando-se flutuar aos céus.

    Era levado de um lado para o outro, sem rumo a seguir, pois o GPS era o senhor vento. Deixava, assim, a imaginação voar livremente, enquanto o corpo permanecia no chão.

    O ar ficava frio. A respiração tornava-se lenta a cada instante. Os olhos piscavam devagar, e então se fecharam para a luz, e se abriram para a escuridão.


    Os passos, leves como sempre, caminhavam pela floresta. Seus olhos universais iam para a direita, e retornavam para a esquerda, mas nada encontrava.

    Não havia o que enxergar no horizonte, então continuou a andar. Os braços, encolhidos, cuidavam de quem também o havia protegido.

    A seta permanecia apontando para frente, aonde aparentava não ter nada, mas tinha, só era escuro demais para enxergar nessa floresta abandonada.

    Quanto mais se aproximava, mais conseguia ver a silhueta de um homem abraçado tanto pelo chão quanto pelo sangue que se espalhava feito tinta.

    Os olhos se levantavam assim que percebiam quem estava adiante: Morfius, cansado como nunca antes, sem conseguir sequer acordar.

    A agulha da dor pousava no coração. Um resultado desses só vem através de uma luta, e tinha um detalhe ainda mais importante: ele estava sozinho.

    Saito era seu companheiro sorteado, e ele não estava presente porque recuou às pressas para ver Ônix, por um motivo que ele desconhecia.

    Seu irmão, Saito, quando o viu, encontrava-se nas mesmas condições de Morfius. A fadiga estava tão grande que o impediu de manter-se consciente, como vimos.

    Um suspiro escapou dos pulmões logo após as reflexões que teve. Os olhos apertavam em lástima. Os lábios cerravam sutilmente com a dor que vinha do peito.

    Dessa forma, as sombras saíam dos ombros, e caminhavam em direção a Morfius até o encontrar; assim, começaram a abraçá-lo em cuidado.

    Ônix retornou seu caminhar. Eram curtos, não pelo costume, mas, sim, porque tinha que ter atenção para não acordar quem estava cuidando.

    Assim que chegou, as sombras já estavam esféricas, cobrindo Morfius por completo enquanto flutuavam para mantê-lo confortável.

    Ônix observava essa ação com olhares melancólicos. Preocupação e dor ainda existiam em seu peito, entretanto, o alívio da proteção acalmou seu coração.

    Em um gesto agradecido, fechou os olhos e encostou a testa na esfera, agradecendo pela ação que a escuridão se voluntariou a fazer.

    A sombra inclinou, devolvendo o carinho recebido. Recuou gentilmente logo depois, e começou a caminhar em direção ao solo, submergindo na sombra de Ônix.

    O silêncio levantava-se com a ausência de seres humanos, e tudo retornou a como era antes: solitário, somente ele e o som das folhas.

    O peito inchou com o ar, e as narinas lamentavam em um profundo suspiro, em uma tentativa de se manter forte, ainda que a tristeza refletisse em seus olhos.

    Pouco depois, levantou a cabeça, observando a seta que ainda apontava para frente, sem lugar para guiar, tampouco um para que pudesse ir.

    Ao sonhar com os olhos abertos, recordava-se de cada companheiro e, principalmente, de seu irmão Waraioni, que tinha um paradeiro desconhecido.

    A preocupação sincera o permitiu abrir os lábios. As palavras que saíam da boca eram o reflexo de seus pensamentos, tão transparente quanto uma bolha:

    — Me guie até meu irmão, por favor.

    A seta, outrora fixa para a frente, começou a caminhar para a direita, até que encontrasse o ponto cardeal onde Waraioni se encontrava.

    Só isso não bastava, o serviço devia ser perfeito. Acima de si, o abismo formava letras para informar onde seu querido irmão se encontrava: Oeste.

    Agora havia uma direção a ir. As estrelas, banhadas em preocupação, mas também feitas de fé, caminhavam com paciência em direção ao oeste.


    Leve, mais do que algo inexistente. Subia aos céus, e descia à terra, recomeçando esse ciclo várias vezes sem preocupação nenhuma para afetá-la.

    Proteção, não uma qualquer, mas a mais confiável, uma que gerava calor através da compaixão, desejando que seu bem-estar fosse o melhor disponível.

    Ainda que o vento soprasse em seus ouvidos, indicando-a que estava em movimento, o lugar onde estava era cuidadosamente fixo para disfarçar seu caminhar.

    As pálpebras, recarregadas na comodidade, começavam a se levantarem contra a escuridão, para que os olhos pudessem se encher com a luz.

    Assim, percebeu que a cama confortável eram os braços de alguém, mas, não era ruim, tampouco estranho, pois não havia maldade e nem sequer uma gota de segundas intenções.

    Ao escalar as pupilas para cima, encontrou os olhos universais, tão brilhantes e celestiais quanto sempre estiveram, concentrando-se apenas em sua existência.

    A pureza que carregava, junto à preocupação sincera de alguém que se importou, levou as bochechas de Andressa ao encontro com o tom rosado.

    Logo depois, um suspiro, calmo e profundo, escapava sutilmente de Ônix, e levava consigo todas as preocupações que surgiam a cada instante em que ela não acordava.

    — Tá melhor agora?

    O sorriso caminhou de mãos dadas com a pergunta. Os braços relaxavam em alívio, mas ainda permaneciam protegendo quem considerava importante.

    Andressa não encontrava apoio em palavra alguma, assim, submeteu-se ao balançar vertical do rosto, respondendo com um tímido e curto “Sim”.

    Dessa forma, Ônix, com o mesmo cuidado que sempre manteve, começou a inclinar seus braços para que ela pudesse pousar em segurança.

    Pouco depois, olhou com gentileza para os olhos de quem protegeu, e assim, certificou-se de que estava tudo bem, convidando-a logo após:

    — Vamos?

    Ela, sem resposta, caminhava ao seu lado com os olhares inclinados. Dessa maneira tímida, andava lado a lado com o universo que começava a amar.

    Sua vergonha era como o vento: caminhava em todas as direções, e ficava menos presente a cada momento que se passava, até que encontrasse conforto.

    Movendo seus olhos para os dele, junto a um sutil sorriso que nunca tinha oferecido a nenhum outro garoto, fez a primeira pergunta após seu despertar:

    — Ei, Ônix, sabe pra onde a gente tá indo?

    Os olhares universais caminharam até encontrá-la. Um instante depois, sorriu gentilmente ao notar a preocupação disfarçada que veio com seu erro de direção.

    Assim, apontou o dedo indicador ao céu, lugar esse onde encontrava a bússola reta, que apontava com precisão para onde ele desejava ir.

    — Tamo indo pro oeste.

    Andressa, assim que levantou o pescoço, pôde enxergá-la, mas, não só ela, também as estrelas que dançavam no céu, como se estivessem vivas.

    Caminhavam para a esquerda, mas voltavam para abraçar a direita, e, não satisfeitas, circulavam as nuvens, tudo com o propósito de iluminar as trevas.

    Elas viviam com esse propósito, não para vangloriar a si mesmas, mas para auxiliar outro alguém, um filho que veio tanto dos céus quanto da pureza.

    Mesmo que brilhassem tanto quanto precisavam para iluminar todo um planeta, ainda assim não eram mais celestes do que aqueles que estavam em seus olhos.

    Diante de um céu que nunca tinha visto antes, o brilhar de seus olhos era inevitável. Assim, admirava algo pela primeira vez, mesmo sem perceber.

    Seus lábios se levantaram em um sutil sorriso, junto a um breve riso que, logo depois, fez uma indagação que encontrava-se com um passado não tão distante:

    — Então, num tem perigo de você se perder agora, né?

    Aconteceu tanta coisa nesse meio tempo, e, ainda assim, a vergonha de um erro estúpido ainda existia em seu coração, levando, agora, as suas bochechas a encontrarem o tom rosado.

    Voltando o rosto para frente em uma tentativa de esconder o constrangimento, respondeu vagamente logo depois enquanto recomeçava o seu caminhar.

    — É… É.

    Andressa não pôde segurar os risos inocentes que vieram a seguir. A felicidade, que começava a existir em seu coração, vinha da presença que Ônix tinha.

    Era simples, fácil de ler, tão transparente quanto confiável. O pouco tempo em que estiveram juntos foi o suficiente para perceber essas qualidades, gerando, assim, uma paixão que nunca será correspondida.

    Enquanto caminhavam, Andressa começava a criar assuntos fáceis de conversar para que o silêncio fosse derrubado pela voz que lhe era agradável de ouvir.

    — Hein, me conta sobre você?

    Dessa forma, uma longa conversa de diversos assuntos era criada com uma atenção mútua nesse momento. Isso, para eles, tornava uma caminhada, que deveria ser longa, curta demais.

    Enquanto eles se conduzem para o oeste, apoiando-se um na presença do outro, eu vou levar vocês, leitores, para o leste, lugar esse onde a próxima história será mostrada.


    Os passos eram leves, quase não faziam barulhos, mas ecoavam e se expandiam ao horizonte com gentileza, abraçando tanto o vento quanto as árvores…

    … Que, por sua vez, não eram comuns. A delicadeza que exalava ao universo, junto ao seu tom rosado único, mostrava ao mundo do porquê seu sobrenome era cerejeira.

    Cada pétala que caía tinha consigo um propósito. Diante desse palco gentil, mãe e filho caminhavam sem pensar na morte, tampouco sabendo que iam em direção a ela.

    Próximo capítulo: Vitória Impossível.

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