Índice de Capítulo

    Chuva, que caía como lágrimas invisíveis, mas sussurravam os gemidos para o mundo. Chuva, mais parecida com tempestade, mas morava no regador.

    Monótonas feito algo artificial. Servia apenas para cair, e, depois, colidir com algo. O destino? Morrer tão rápido quanto nasceu, apenas com o direito da aceitação.

    Percebem, leitores, quão curioso isso é? Mortes artificiais, de alguma forma, geraram um ar tão vazio quanto gélido, que, aos olhos humanos, parecia neblina.

    Caminhava, então, até a porta, mas seus desejos não cessavam nisso. Insatisfeitas com suas existências miseráveis, desejavam, ao menos, servir de algo para alguém.

    Neblina pouco a pouco tornou-se névoa, sutil e quase invisível quanto o vento, mas alcançou o que queria: os ouvidos dos seres que precisavam ouvir.

    As vozes, fracas, que morriam só de tentarem existir, ofereceram seu último esforço ao mundo: um aviso, que, também, expressava condolência.

    — Cuidado… Suas intenções… É o que ele quer…

    Enquanto as vozes desapareciam no abismo, o coração da mãe abraçava a ansiedade, pois sabia que a missão seria mais desafiante do que todas as outras.

    As pontas dos dedos de Arthur conheciam o medo que subia pela espinha. O suor não negava a dor que estava por vir; entretanto, os olhos encontravam refúgio na seriedade.

    Esse estava sendo o começo da sua adaptação ao novo mundo. O garoto, que submeteu-se no passado a um arco e flecha para evitar confronto físico, estava começando a desabrochar.

    Ainda que os dedos abraçassem a covardia que morava no coração, a palma segurou firme na mão protetora da mãe, que também mantinha um semblante guerreiro.

    E então, começaram a caminhar rumo ao desconhecido. Certeza? Nenhuma. Fé? Inabalável, e é somente desse alimento que um espírito de luta precisa.

    Os passos ecoavam como nunca antes. Quanto mais se aproximavam do abismo, mais ele olhava de volta, e isso transformava uma simples caminhada em incômodo eterno.

    Enquanto caminhavam pela escuridão, mais presentes as lágrimas do regador ficavam, isso os indicava: estavam cada vez mais próximos da origem da angústia.

    No entanto, de uma hora a outra, a chuva parou de cair. Os passos não sussurravam mais. Assim, lhes sobrou o silêncio, e o abraço da escuridão to…

    — Trouxe convidados, Amora?

    De uma hora a outra, uma voz, tão grave quanto imponente, capaz de interromper até mesmo a voz do narrador, ecoou feito vento ao horizonte.

    — Meow…

    Ao som do miado, o estalo de um interruptor sussurrou sua existência ao mundo, e isso tornou o impuro, puro, e, o que era trevas, revelou-se à luz.

    O som do regador levantou-se junto à queda da escuridão. Assim, a luz iluminava o horizonte, dando vida ao cenário vazio e infinito, que, além da sua presença, nada tinha.

    Nem um único móvel, tampouco eletrodomésticos. Além do gato, que caminhava em direção a algo enquanto o rabo encontrava-se trêmulo, nada sobrava.

    Não havia como evitar, os olhos precisavam ver o que estava à frente. Ainda assim, hesitavam. Os corações, que eram os únicos guias, tropeçavam em ansiedade.

    Diante tamanho medo, sem sequer saber quem enfrentará, seus olhos, que se esforçaram para observar o chão, levantaram-se para observar o desconhecido.

    Havia um manto, tão escuro quanto a própria inexistência. Ele abraçava um grande homem, que julgava desnecessário olhar para trás. De lá vinham as lágrimas do regador. Também, morava a fonte do incômodo, que era o berço do medo, e mãe do terror.

    Uma cartola morava acima da cabeça. Ainda que não vissem o seu rosto, podiam observar a pele: branca feito neve. Pureza que nunca misturou-se com escuridão.

    Manteve-se de costas por longos segundos. A cabeça encontrava-se baixa, para que os olhos fixassem em algo que encontrava refúgio no solo.

    Não muito depois, a “chuva” acabou. Assim, restou apenas o regador em sua mão, sem mais utilidade, tampouco um propósito para cumprir.

    Assim, tornou-se necessário o que julgou incoerente. Seu pescoço inclinou sutilmente para o lado, permitindo, então, que seus olhos observassem quem o olhava.

    O esquerdo tinha a esclera1 vermelha em tom neon. O direito, escuro como seu manto. Por fim, as pupilas insistiam em contradizê-lo: A esquerda era escura, e, a direita, vermelha.

    Seus olhos estranhos encararam, com hostilidade momentânea, os convidados que seguiram seu felino, e só isso bastou para estabelecer a hierarquia.

    Era sufocante demais. Os pulmões sentiam medo de existirem. As gargantas, então? Mal sabiam se tentavam escapar do corpo ou se aceitavam o destino.

    Felizmente, para eles, esse instante passou tão rápido quanto deveria. O que antes era hostil, tornou-se curioso e, de certa forma, grato pela participação.

    De repente, madeira começava a surgir das cinzas, bem ao seu lado. Não foi de demora alguma para revelar-se uma mesa simples, que surgiu porque ele quis.

    Logo depois, colocou o regador sobre a mesa, soltando-o com certa delicadeza. Por fim, virou-se para trás, pronto para cumprimentar os visitantes.

    Os dedos, finos e gentis, caminhavam para a cartola. Então, segurou-a com classe, movendo-a para o peito enquanto se curvava aos dois convidados.

    — Sejam bem-vindos, senhores.

    Não havia etiqueta à altura para Arthur e Luna. Sendo assim, apenas agradeceram sem jeito, ainda hesitantes sobre o que estava acontecendo.

    Após seu cumprimento adequado, retomou a postura, junto a cartola. Por fim, os olhos pousavam nos visitantes por breves segundos, e, assim, vagava em uma curiosidade silenciosa.

    De um instante ao outro, sua existência desapareceu. Com sua retirada, foi permitido enxergar uma árvore de cerejeira tão pequena quanto os pés de um anão, e, assim, revelou: era ela quem recebia as preces do regador.

    Mãe e filho, que se assustaram com seu desaparecimento repentino, olharam para um lado, mas nada encontraram. Ao outro? Somente o vazio do horizonte.

    E então, o ranger da porta ecoou, limpo e, sobretudo, tão audível quanto nunca antes. O detalhe? Vinha de suas costas, no ponto cego.

    O corpo, como se estivesse morto, gelou das pontas ao todo. Arrepio vibrou no corpo inteiro. Se fosse uma batalha, teriam perdido a vida nesse instante.

    Por instinto, viraram-se de forma abrupta. Os olhos encontram-se arregalados. Suor despencou do queixo feito um objeto que cai da mesa, e, no fim, tudo isso foi em vão.

    Aquele ser estava simplesmente segurando a maçaneta da porta que estava aberta. A mão vaga repousava em seu abdômen, e, com classe e etiqueta, seu corpo curvava-se aos convidados.

    — Seria incômodo lhes apresentar minha moradia?

    Seus olhos, serenos e despreocupados, não viram problema algum em permitir que as pálpebras se fechassem em mais um sinal de educação.

    A dupla entendia num instante: tudo o que estava acontecendo não passava de uma mera diversão destinada a alguém infinitamente superior.

    Não havia escolha, senão participarem desse jogo com a vida. A mãe, com o semblante visivelmente nervoso, mesmo que tentasse esconder-se na seriedade, respondeu:

    — De forma alguma, senhor.

    Assim que ouviu a resposta certa e elegante, levantou as pálpebras suavemente. Por fim, retomou a postura, e olhou para os convidados com agrado.

    — Serei o guia, se me permitirem.

    Antes que começasse a andar, apontou o dedo ao horizonte. Assim, indicou aos visitantes aonde deveriam redirecionar o olhar, e assim foi feito. Ao olharem para aonde aquele ser desejava, puderam enxergar duas portas fechadas, uma ao lado da outra.

    No entanto, não era esse o detalhe principal. Acima delas, havia uma fotografia tanto de Arthur quanto de Luna, ambos de terno, e com um sorriso gentil no rosto.

    — Fechem a porta ao saírem, por favor.

    Despediu-se dessa forma. Assim, entrou na porta que abriu, deixando-os sozinhos pelo tempo que eles julgarem necessário, mesmo que fosse para sempre.

    Com o silêncio que cresceu, Arthur sentiu a tremedeira que vinha da mão de sua mãe. Inevitavelmente, junto à preocupação, seus olhos moveram-se para vê-la.

    E o resultado foi indesejável. Os olhos estavam brancos e arregalados. O arrepio em ver a morte de frente levou a tremedeira de todo seu corpo.

    Ao ver a reação realista de sua protetora, não houve escolha para seu coração, senão agir da mesma forma. Assim, entregou-se ao medo que tentou ocultar.

    Luna, no pouco instante de consciência que lhe sobrou, entregou-se a mais profunda respiração. Dessa forma, mesmo que fosse falso, recuperou o semblante calmo.

    Pouco depois, guiou os olhos ao encontro do filho. O desespero, tão espelhado no medo de Luna, consumia Arthur, e o impedia de enxergar.

    Ela, então, pôs gentilmente a mão em seu rosto, espalhando seu calor protetor. Por fim, recuperou, de pouco a pouco, a calma que seu filho perdeu.

    — Vai ficar tudo bem, tá bom?

    Disse sua voz, doce como sempre foi. A estabilidade recuperada lhe permitiu agarrar firme a mão de Luna, não só com firmeza, mas, também, uma pequena coragem que crescia constantemente.

    Sendo assim, a dupla começou a caminhar em direção às portas destinadas, sem pressa nos passos, enquanto o coração encontrou pulsação na coragem.

    Pouco depois, lá estavam eles, cada um em suas portas indesejadas. Após um profundo suspiro, abriram-nas ao mesmo tempo, prontos para atravessar o desafio.

    Próximo capítulo: Convite ao Fim.

    1. @Maik: A parte branca do olho, sabe? Que fica vermelha quando choramos, e etc.[]

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