Índice de Capítulo

    As moléculas da dor dançavam na bochecha, e a pisoteavam até que ficasse inchada o suficiente para forçar o escorrer de seu sofrido sangue.

    Os lábios, abertos em agonia, suspiravam com pressa, indo do peito até o subconsciente, influenciando o movimentar dos ombros cansados.

    Seu coração estava agitado o suficiente para pulsar cada vez mais rápido. Os dedos, entregando-se à tremedeira da fadiga, davam o máximo de si para fecharem.

    Sobretudo, o destaque ia aos olhos. Presenciou o desespero à sua frente, e observou um deus se divertir com seu esforço, mas, ainda assim, estavam firmes.

    Não eram olhares de alguém que escapava do predador; agora, brilhavam, com uma força que nunca presenciaram antes: desejo pela sobrevivência.

    Havia uma informação oculta e incomum vindo desse poder: ele não desejava a sobrevivência própria, tampouco lutava por si, mas, sim, por sua mãe.

    Seu bem-estar estava em segundo plano. Se vai sobrar algo de seu espírito após esse combate pouco interessa, desde que sua protetora fique salva.

    É com essa força que firmou os pés e cerrou os punhos. Dessa vez, estava preparado para revidar, e aguardaria pacientemente os ataques da divindade.

    O ser supremo, por sua vez, absorveu e percebeu cada mísero detalhe, até mesmo aqueles que não foram narrados, e tudo provou-se satisfatório.

    Desde a determinação do garoto, até a priorização de uma existência que não fosse a sua. Foi tão belo e puro que uma aprovação seria inevitável.

    — Muito bem.

    Um sorriso levantou-se com sua resposta. Para o deus, sua existência agradável era digna de continuar caminhando nesse mundo repleto de provações.

    Já para Arthur, o que estava à sua frente não era um sorriso gentil, mas devastador. Indicava que aquele ser não iria parar por ali, e, o pouco instante que se passou, provou sua razão. Não muito tempo depois, a divindade apontou o dedo para seu alvo, concentrando uma sutil energia lá.

    De pouco a pouco, algo, que se assemelhava a uma pequeníssima estrela, crescia no dedo indicador no seu próprio ritmo, até que estivesse pronta para o disparo.

    A neutralidade em seu semblante escondia as intenções que tinha e, sendo assim, a única escolha que Arthur tinha era a de se concentrar e esperar.

    Logo após, o tiro celestial estava pronto. Ainda que fosse pequeno, brilhava em todas as cores existentes, como se perguntasse ao universo quem tinha mais estrelas.

    O disparo veio logo depois, e caminhava sem pressa alguma em direção ao alvo, cumprimentando cada partícula de vento que ali se fazia presente.

    Entretanto, tinha algo estranho. Seu movimentar era consideravelmente rápido, porém, não tanto para ser comparado com os golpes anteriores.

    Ele estava propositalmente lento o suficiente para que Arthur pudesse esquivar se mantivesse a concentração; entretanto, rápido o bastante para acertá-lo se ousasse se distrair.

    Felizmente, sua esquiva foi perfeita, dando utilidade para sua habilidade única nesse mundo, que subiu como brasas ao seu redor, com os seguintes caracteres: 10%.

    Dito isso, o poder que obteve assim que reviveu dezenas de capítulos atrás, depende totalmente da esquiva, desde que seu oponente o ataque com intenção de matar ou machucar.

    Se conseguir desviar, ganha mais dez por cento de força temporário; entretanto, assim que o combate encerrar, dez por cento do ganho total será permanentemente dele.

    Graças a isso, acabara de ficar mais forte em todos os aspectos, mesmo que fosse de forma temporária. No entanto, ainda não havia acabado.

    Mais uma daquelas estrelas brilhantes avançavam em sua direção e, curiosamente, aparentava estar dez por cento mais veloz do que antes.

    Como o esperado, a história se repetiu. Sua esquiva foi perfeita, e o ganho de força foi instantâneo, mas isso não era o suficiente para satisfazer a divindade.

    Em meio a um sorriso cheio de expectativas, levou os braços ao horizonte e, com sua graça, invocou noventa e oito daqueles projéteis que desafiavam o céu.

    Logo depois, com a palma levantada para cima, estendeu a mão para Arthur, ainda que estivesse distante, convidando-o a uma dança pela vida.

    Ele, por sua vez, firmava os pés no chão como nunca antes. Os ouvidos abraçavam somente o batimento cardíaco, enquanto os olhos tingiam com a cor escura aquilo que não era importante.

    Não havia tempo a pensar, seus amigos dançarinos estavam caminhando em sua direção, escondendo-se no detalhe da educação: um de cada vez, sem furar fila.

    Arthur encontrava-se nesse cenário tempestuoso, onde o raciocínio não era permitido; e, se houvesse vacilo, mesmo que não fosse de sua vontade, a morte seria o destino.

    E assim permaneceu, desviando de cada um enquanto ficava cada vez mais forte. Em meio a essa chuva de caos, alguns arranhões se tornaram inevitáveis.

    O cansaço era proporcional ao esforço e, sendo assim, os pulmões se trancavam à força para que o corpo pudesse agir sem pensar.

    Eram estrelas demais. A fadiga abraçava o peito, exigindo cada vez mais ar. Quando faltavam apenas vinte para concluir essa provação, o mundo se tornava cada vez mais cinza.

    A pulsação de seu peito ficava cada vez mais ausente, e o que restava aos seus olhos não era um pingo de luz, mas um oceano de trevas.

    Mesmo que se encontrasse fundido à escuridão, onde nada além do abismo pudesse existir, sentiu sua pele tremer, brincando com algo que não vinha daquele mundo.

    Seu suspiro vinha não muito tempo depois; entretanto, nenhum ar saía de seus lábios. Onde estava, essa necessidade básica não existia.

    As trevas não permitiam nada além delas mesmas. Tudo, até mesmo a luz, estava proibida. Perante essa restrição, houve somente uma coisa que ousou quebrar essa regra: o vento.

    Ele dançava ao redor do corpo de Arthur, não por vontade própria, mas para entregar uma mensagem: em um mundo distante, sua alma ainda luta pela sobrevivência.

    Tudo o que pôde fazer foi arregalar os olhos sutilmente, percebendo logo depois algo que não estava certo: calma morava em seu peito.

    Isso não deveria ser possível. Até um instante atrás, estava esquivando de estrelas que poderiam levá-lo à morte se desejassem e, sendo assim, por que encontrava-se em paz?

    Esse questionamento aconteceu apenas nessa narrativa. Arthur não tinha permissão para raciocinar, sua mente entregou-se ao vazio infinito.

    Tudo o que mostrei a vocês, leitores, passou em um segundo depois que o garoto arregalou os olhos, e o abismo continuava abraçando-o.

    O máximo que podia ser feito era observar o cenário, e assim o fez. Ao horizonte esquerdo, havia trevas, e nada mais, e voltar-se ao direito não parecia interessante.

    No fim, o que sobrava a ele era impotência. Não havia nada que pudesse fazer, nem mesmo sabia se quaisquer ações eram permitidas naquele mundo escuro.

    Com o levantar da desesperança e esquecimento de seu propósito, as pálpebras começavam a fechar, até que uma luz, vindo de suas costas, chamasse sua atenção.

    Para ser sincero, ele não desejava se virar. A determinação que tinha apagou-se assim que as trevas o tragaram sem sua permissão, mas quem disse que ele tinha alguma escolha?

    Não demorou nem um instante para que aquele mundo o colocasse diante da luz. Ela, por sua vez, brilhava ainda mais intensamente agora que tinha um espectador.

    Era enorme como um telão de cinema, mas não era um sistema, ainda que pudesse parecer um. Sobretudo, o que estava em destaque era o que ela projetava como se fosse um filme.

    Uma floresta enfrentava um evento incomum. Algo, que se assemelhava às estrelas, possuía todas as cores em sua face, e caía sobre a terra.

    E isso nem era o mais impactante; mas, sim, o alvo que seu mestre as ordenou a correr atrás, tomando muito cuidado para não acertá-lo, ainda que sua intenção parecesse o contrário disso.

    O garoto em questão era jovem, e o que mais surpreendia era sua agilidade. As estrelas corriam em ordem, sem atrapalhar umas às outras, e ele permanecia esquivando.

    A anterior era mais lenta do que a posterior, mas isso não importava, ele continuaria esquivando. Ainda que seu rosto fosse censurado pela escuridão, Arthur sabia quem era aquela pessoa: ele mesmo.

    Estranheza abraçava seu coração. Pela primeira vez, observava seu próprio corpo agindo sem sua permissão, e lutava com tudo o que tinha para desviar dos projéteis.

    Algo começava a transbordar em seu peito, e não era qualquer coisa; mas, sim, um tesouro adormecido a poucos passos de despertar.

    Um instante depois, outra luz surgiu à sua esquerda. Antes de se virar, pôde sentir o calor percorrer sua espinha, como se fizesse parte de sua alma.

    Dessa vez, olhou por conta própria o que era, e a surpresa pousou em seu olhar. Uma chama, enorme e flutuante, e sem olhos para enxergar, o observava.

    Palavras não eram necessárias. Os olhos de Arthur fixavam-se naquela existência, como se estivesse diante de um presente que faz parte de sua vida.

    — Você quer viver?

    Ainda que não houvesse boca em sua face, falou. Sua voz, tão flamejante quanto o emissor, viajava ao horizonte, expulsando as trevas.

    Arthur começava a sentir toda aquela adrenalina novamente. Não estava mais em batalha, mas seus instintos ainda gritavam em fúria.

    Tudo o que passou, seu desejo de proteger e medo de perder, nada ficou para trás, pelo contrário, caminhou até ele com o dobro de intensidade.

    As regras daquele mundo não importavam mais. Perante tamanha insanidade, os lábios lutaram contra o próprio corpo para gritarem:

    — SIM!

    Desse momento em diante, a luz começou a queimar. Aquele telão não era resistente o suficiente para aguentar o calor, dando adeus à vida logo depois.

    Aquela chama flutuante começou a se contorcer, até que criasse bocas que a auxiliassem a falar, entregando de volta toda a determinação que Arthur tinha consigo:

    — Então me dê TUDO.

    O corpo do garoto crepitava com as brasas. Sua existência se desfazia, e entregava-se ao fogo em sequência, tornando-se somente um com ele.

    — ABANDONE a sanidade. ESQUEÇA as consequências. De agora em diante, QUEIME!

    Junto ao discurso furioso daquela chama, a voz de Arthur berrava ao mundo. Sua vontade de viver e proteger era intensa o suficiente a ponto de criar luz.

    Logo depois, aquela realidade começou a quebrar feito um espelho. Não foi de muita demora para que fosse desfeita à força, devolvendo-o à floresta que havia sua provação.

    Seu brilho expandiu-se ao horizonte. As estrelas que iam em sua direção eram desintegradas, e o vento era agradável com seu retorno.

    Aos olhos, não existiam mais pupilas, apenas a cor das brasas. Seus cabelos flamejantes dançavam com o mundo, dando boas-vindas à vitória.

    A divindade o observou com uma surpresa discreta no olhar, e sussurrou um sutil “Oh…” logo depois, observando-o com um orgulho maior do que antes.

    Próximo capítulo: Aprovação Divina.

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