Capítulo 76: Quando o Amor Morre...
O vento rebatia no corpo, e desejava trazê-la de volta à realidade; o subconsciente, porém, não via luz alguma em sair das trevas. As pálpebras se cansavam só de pensar em levantar, as grampas grudavam feito cola, e a lembrava que, no fim das contas, o seu destino seria o chão.
Ainda que respirasse, não tinha interesse em ouvir o som do próprio pulmão, e mesmo que o coração pulsasse, não haveria reação.
E assim, Luna permaneceu entregue ao fracasso. A escuridão não a permitiu enxergar, e tudo o que lhe sobrou foi abraçar o silêncio.
Era o que pensava: “Não tenho com o que me preocupar”, entretanto, sua alma sabia que era uma ilusão, e não permaneceria calada por mais tempo.
Nas trevas que se encontrava, ergueu, por conta própria, uma fagulha de luz. Não era o suficiente para afastar o abismo, mas o bastante para desagradá-lo.
Ainda assim, nenhuma reação. Mesmo que trouxesse a luz de todas as estrelas para afastá-la da derrota, não haveria nenhuma ação.
Dessa forma, o som tornou-se uma arma a ser usada. Antes, o silêncio não permitia sequer os sussurros do vento, e, agora, foi quebrado por um sutil choro.
Não era um desagradável, tampouco desesperado por atenção, mas, sim, discreto. Não precisava correr até os olhares, pois sabia que isso o alcançaria naturalmente.
Esse choro não cessava, dependia de alguém para fazê-lo parar, não só de uma pessoa, mas de proteção e, sobretudo, uma mãe. Um bebê estava chorando.
Isso não era algo que ela podia ignorar, não por se tratar de uma existência indefesa, e sim por reconhecer o som que sempre correu atrás, seja de manhã, tarde, noite ou madrugada.
As mesmas pálpebras que se cansavam só de pensarem em se levantar, foram as mesmas a saltar com as ordens instintivas de uma mãe protetora.
O seu despertar levou a dormência daquele pranto, mas os olhos ainda estavam arregalados, observando atentamente cada folha das árvores.
Não demorou muito para que a fumaça alcançasse suas narinas, e não estava sozinha, trouxera consigo as brasas de um evento: havia uma divindade, e seu filho estava sozinho.
Pouco depois, o som das árvores entregando-se às chamas era palpável. As pernas, que sabiam do perigo existente, agiram logo depois.
Não sabia para onde deveria ir, tampouco onde estava; entretanto, a pulsação do coração serviu como guia, sussurrando a todo instante que estava chegando perto.
Ainda que as gramas tentassem puxar seus pés para o chão, correu. As lágrimas começavam a tampar sua visão, mas permaneceu correndo.
“Filho…!”
Sua corrida logo enfrentou o fim. O que enxergava era turvo, mas a alma não precisava ver para saber que ali era o lugar certo. As lágrimas se retiravam sutilmente e, no seu próprio ritmo, começava a enxergar uma figura escorada em uma das árvores.
Os braços estavam entregues ao chão. A cabeça baixa nem sonhava em se erguer, mas, ainda que estivesse derrotado, ainda era seu filho.
Luna caminhava hesitante. Cada passo carregava dúvida, e cada indagação impedia seu coração de bater corretamente, e os pulmões de respirar.
Até que, finalmente, chegou até ele. As trevas não a permitiam enxergar com clareza, mas isso não impediu os joelhos de dobrarem.
O sorriso forçado já estava planejado. A voz, sempre doce para sua criança, era algo padrão e, acompanhando o abraço, veio a afirmação:
— Tá tudo bem agora…
Sua alma aprovava, ele realmente era seu filho. O cheiro, ainda que estivesse desgastado pela batalha, ainda era o mesmo; entretanto, não tinha seu calor.
A pele era gelada, não pelo frio, mas por não haver vida. Isso ainda não era o suficiente para a convencer de seu falecimento, até que algo abraçou sua camisa.
Era quente, e se espalhava rapidamente, no entanto, era pegajoso, e não parava de vir ao mundo, pois sua fonte era ainda mais abundante do que a água.
Não demorou muito para o estranho se tornar incômodo. As mãos questionavam o que tocavam a blusa, e os dedos agiram para terem a resposta.
Bastou um toque para a realidade começar a nascer. A textura era semelhante à água, mas abraçava sua mão como se fosse uma cola barata.
A alma negava as possibilidades, e o corpo tentava convencer a mente de que era tudo uma coincidência; entretanto, a verdade sempre foi uma.
O subconsciente insistia: “Tá tudo bem… Né?”, e os dedos, sem sua permissão, caminhavam em direção aos olhos, desejando entregar a verdade.
Lá estava o que ela não queria ver: sangue. O coração, quase explodindo em negação, desejava que aquele sangue fosse seu, mas era de seu filho.
Naquele instante, a escuridão começava a se retirar discretamente. Os olhos se enchiam de água, mas algo ainda a permitia enxergar.
Suas mãos caíram nos ombros de Arthur, e a luz lhe mostrou um pesadelo: havia um enorme buraco na barriga de seu filho, um que não iria se curar.
Dos lábios, sangue escorria feito chuvisco. Os olhos, assim como sua pele, eram frios e, sobretudo, não tinham nem sequer o sinal de vida.
A verdade alcançou o seu coração e, com isso, veio o pranto. Um abraço involuntário aconteceu logo depois, mas nada mudaria o resultado à sua frente.
Sua mente encontrava-se num furacão confuso, sem saber se culpava a si mesma, ou se indagava se o que estava acontecendo era mesmo real.
Para Luna, o que quer que aconteça daqui para frente não importa mais. Os joelhos não se interessavam em levantar, e os olhos se entregavam às lágrimas.
Seus gemidos roucos impediam o silêncio de existir. O coração não via mais motivo algum para lutar. Se algo, ou até mesmo aquela divindade aparecesse para matá-la, nada faria…
Click.
Até um estalar de dedos abraçar o horizonte. Desse momento adiante, Arthur começava a se desfazer lentamente, entregando-se à poeira.
A lança da angústia perfurava o peito de Luna. Ainda que fosse lento, iniciando da cabeça e caminhando aos pés, seu filho estava deixando de existir.
— Sabe…
Os passos daquela divindade ecoavam ao mundo, mas não importava. O desespero tomava conta das ações de Luna, deixando-a decidir entre abraçá-lo ou vê-lo pela última vez.
Antes que pudesse tomar uma das duas alternativas, um vento abrupto atingiu sua criança, tornando sua desintegração algo instantâneo.
Os dedos tremiam sem entender, a cabeça baixa só sabia olhar para o chão, e os olhos trêmulos desacreditavam de tudo o que observavam.
Sua alma estava na beira do precipício, e o coração não via motivos para desistir; no entanto, foram necessárias algumas palavras para a hesitação:
— Lamentar a morte dos fracos é um privilégio dos fortes.
O sussurro do abismo caminhava em sua mente, frieza abraçava seu corpo e, por fim, o desapego a todas as coisas começava a fazer parte de seu ser.
No começo, perguntou a si mesma: “Por que?”. Lágrimas continuavam a cair, mas sua alma buscava desesperadamente a resposta de como tudo aquilo aconteceu.
Os olhos, sem sua permissão, moviam-se para a esquerda, lugar esse em que a divindade se encontrava, andando lentamente em sua direção enquanto ignorava as chamas da floresta.
— Ah…
Esse foi o último sussurro que desejou doar a esse dia. Seu batimento cardíaco cessou, o ar abandonava seu peito e as trevas encontravam um novo mundo.
Enquanto as lágrimas deslizavam com delicadeza em seu rosto, a mente abandonava a pouca luz que ainda existia na alma, entregando-se à escuridão.
Aos instintos, sobrou apenas a angústia. A única coisa que sabiam fazer era lamentar a morte de sua criança, ao mesmo tempo em que recordava em como ele foi morto.
Desintegrado em um instante, como se não fosse de nenhuma importância àquele mundo, indigno até mesmo de um funeral, e lançado à humilhação. O filho, que criou com tanto cuidado, retirou-se à força, tão rápido quanto veio, mas não sobrou sequer um dedopara recordação.
Ba-dump…
O coração voltava a bater sutilmente, entretanto, seu pulsar não trazia energia para sobreviver, mas sim para vingar-se e entregar a mesma moeda que sua criança recebeu.
O chão, tremendo sutilmente, mal conseguia aguentar a nova existência que estava nascendo, uma que desistiu de tudo e de todos.
Luna baixou a cabeça e, com seus olhos vazios, encarou o mesmo solo em que seu filho estava momentos atrás. Dessa forma, moveu os dedos para lá, massageando a terra sutilmente.
Segundos depois, os joelhos se levantavam com o único objetivo de mantê-la em pé, ignorando que aquela não era nem um pouco sua vontade.
Não demorou muito para que ela movesse sua palma à árvore, apoiando-se na “lápide” de seu filho enquanto se recordava de todos os momentos.
O ar começou a se sentir tão desconfortável a ponto de precisar fugir. Assim, espalhou a pressão do vento ao horizonte, indicando a qualquer existência próxima que aquele lugar não era seguro.
A divindade observava aquele evento com uma surpresa palpável nos olhos. Pela primeira vez, um humano foi capaz de fazer seu coração bater.
No entanto, mal sabia ele que aquilo não era tudo. A cor dourada, azul e vermelha corriam desesperadamente ao redor de Luna. Foi então que, de repente, desapareceram. Não havia sinal de sua ida, tampouco um da volta, apenas um desconfortável silêncio que abraçava a todos.
Segundos depois, uma energia em tom dourado foi expulsa de seu corpo, espalhando-se feito um círculo em todas as direções, enquanto moldava a cor daquele mundo para o seu.
O detalhe era que ele não estava sozinho. De seu nascimento até a morte, foi acompanhado por um apito sutil que abraçou todo o oeste.
Em sequência, o mesmo aconteceu com a cor azul, e não foi demora alguma para acontecer com a vermelha, permanecendo nesse ciclo sem um fim previsto.
Quanto mais esse evento se repetia, maior era o impacto sobre o vento, que se perdia entre berrar por ajuda e correr pela sobrevivência.
Foi quando os olhos de Luna caminharam até a face da divindade que essa catástrofe cessou, retirando-se daquele espaço para que “duas” divindades se enfrentassem.
Próximo capítulo: …Pode Voltar Mais Forte.

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