Capítulo 81: O Limite dos Vivos…
As pupilas, cianas e dilatadas, começavam a brilhar sutilmente, iniciando fraco feito vagalume, até que se tornasse tão presente quanto uma vela acesa.
Logo depois, giravam no sentido horário uma vez a cada dois segundos, e isso indicava a ativação de um poder único: observar o futuro.
Essa é a habilidade de Waraioni: saber o que vai acontecer com o que teve contato. O movimentar de seus olhos aconteceu logo após ele ter atacado duas vezes aquela entidade, e agora podia ver dois segundos à frente de suas ações.
Ainda que soubesse o que ele faria, uma dúvida ressoava em seu coração: por que se mantém sorridente? Qual a causa de sua confiança?
Enquanto se indagava com os dentes cerrados, aquele monstro estava começando a se mover de uma forma um tanto quanto estranha.
Primeiro cessou os risos, mas não desfez o sorriso que decorava o rosto. Agachou devagar logo depois, movendo a palma para o solo.
Seus dedos afundavam no chão, entregando tanto a mão quanto o braço para o subsolo, à procura de algo que só ele sabia onde estava…
… Até que, finalmente, encontrasse. Em seguida, agarrou o que tanto buscava, e começou a trazê-lo de lá com um cuidado palpável.
Não demorou muito para que fosse revelado o que ele desejava: um braço humano, imundo com a impureza da terra, mas ainda fresco.
Sangue caía como gotas de chuva, e os olhos daquela entidade se espremiam em uma felicidade genuína com o que tinha conquistado.
Imediatamente começou a apertar o pulso, até que a carne explodisse, permitindo-o usar o osso como se fosse o cabo de uma arma.
Seu poder infectava aquele membro pouco a pouco, roubando o poder vital daquele braço até que a pele murchasse e deixasse de existir.
O osso mudava de forma à força. Seu tamanho dobrou sem o seu consentimento, e sua aparência moldava-se à de uma foice afiada.
A criatura observava sua nova arma com um semblante satisfeito, e mais daqueles risos estranhos escapavam de seus lábios e apertavam os ouvidos dos desafiantes.
Waraioni não conseguia esperar mais do que isso. Seus pés fincavam no chão e as coxas preparavam-se para o salto, mas um movimento repentino tornou sua ação hesitante.
Aquele ser apontou sua arma para ele enquanto mantinha seus olhos fixos no nada, como se não precisasse olhar para lidar com a ameaça.
O sussurro de um sopro ecoou do invisível, e um frio gélido ergueu-se contra Waraioni. Dessa forma, seu coração foi vítima de incontáveis agulhas.
Aos seus olhos, o futuro começava a ficar distorcido. As cores, gradativamente, entregavam-se ao tom preto e branco, e o que ele via tornou-se invisível.
Suas pupilas pararam de virar, e tudo o que sobrou foram os lábios entreabertos e confusos, indagando-se brevemente a si mesmo:
“O quê…?”
De repente, uma rajada de vento atravessou seu abdômen e passou por suas costas, mas não houve dano nenhum; afinal, isso era só um presságio.
O impacto veio logo depois, brutal como o soco de um gigante, e ainda mais barulhento do que o disparar de uma arma tão grande quanto um braço.
Sua barriga se distorceu em dor, e o sangue foi expulso feito um filho deserdado. O poder bruto da violência foi o bastante para desgrudar seus pés do chão.
A dor o impediu de pensar, e a ausência de um apoio tornou seu arremesso algo involuntário, deixando o resto da história previsível: seu corpo foi lançado ao horizonte, e a fumaça era em tom vermelho.
A narração pode ter sido longa, mas tudo isso aconteceu em um mero instante. Para Douglas, seu aliado havia sido golpeado de uma hora para outra.
O que pôde fazer foi olhar para trás de forma abrupta, e logo depois gritar o nome de seu amigo, mas nenhuma resposta veio aos seus ouvidos.
Infelizmente, esse pequeno momento de brecha era mais do que o cenário requisitava. Sem que seus olhos pudessem ver, aquele demônio estava diante dele.
Sua mão segurava a foice gentilmente de forma invertida, deixando a lâmina para trás enquanto o cabo ficava na frente para o ataque.
Douglas virou-se logo depois. Seu olhar era tão atencioso quanto preciso, e os punhos cerraram-se em um instante; entretanto, não foi veloz o bastante.
A entidade já tinha posto o cabo de sua arma no umbigo de seu adversário, um toque simples e, aparentemente, inofensivo, não tinha nenhuma dessas características. Douglas sentiu o tempo desacelerar, e uma onda distorcida vibrava em seu corpo internamente.
Não muito depois, seus lábios, assim como os dedos, tremiam involuntariamente, ainda que houvesse a ausência do medo. Essa frequência se foi discretamente segundos após, mas seu corpo permaneceu imóvel, como se estivesse parado no tempo.
Seu abdômen começou a afundar, como se uma mão invisível estivesse esmagando uma gelatina, até que seu limite fosse atingido. O impacto desse golpe sobrepujou o som dos ossos trincando, e o dano foi forte o suficiente para fazer seu corpo curvar enquanto o sangue cedia nos lábios.
Em seguida, a criatura fechou seu punho esquerdo e o moveu contra o rosto de Douglas num movimento calmo de um gancho. Não tinha força, tampouco velocidade, estava apenas caminhando.
Assim que chegou, sua presença era tão inofensiva quanto um simples toque; entretanto, seu choque ecoou ao horizonte, e o pescoço foi jogado para cima.
O sangue chorava nas narinas, e o seu nariz entregava-se à vermelhidão enquanto gritava que seus ossos estavam quebrados; no entanto, ainda não havia acabado.
A criatura ergueu a perna direita sem pressa alguma, e moveu a sola de seu pé para o abdômen adversário, empurrando-a gentilmente para afastá-lo.
O resultado foi ilógico. Esse ataque carregava uma força inexplicável no berço, e o impacto era gritante, algo que só aconteceria com um movimento tão bruto quanto pesado.
Douglas foi arremessado brevemente para trás enquanto mantinha a mão na barriga. Os pés, fixos no solo, impediam-no de voar como seu amigo.
Sua respiração era pesada e ofegante. Suor escorria pela face enquanto seus olhos secos e semiabertos fixavam-se no adversário. A criatura observou o estado em que ele estava com aqueles poucos golpes, e não segurou a risada assim que julgou a situação como ridícula.
Alguém, grande e forte como seu oponente, sofreu danos consideráveis de um ser que tinha metade de sua altura e nem um pouco de sua força.
— Você também… Não acha isso engraçado?
Seu pescoço se inclinava para a direita, o sorriso tampava completamente a face, e as duas mãos seguravam a foice para que ela não caísse.
— Sem a existência da sua resistência você se tornou alguém frágil… O limite dos vivos é uma piada, você não acha?
A voz era fraca e rouca, quase inaudível para qualquer um que não prestasse atenção, no entanto, percorreu pela mente de Douglas como uma frase dita incontáveis vezes.
Seus olhos, entregues à fadiga, piscavam devagar, e os sussurros de seus suspiros indagavam a si mesmo: como posso vencê-lo? O tamanho que tinha entregava-lhe uma resistência inabalável às custas de sua energia, mas, agora, ele não tinha nem um e nem outro.
No entanto, a situação não iria aguardar que ele criasse um plano. Sendo assim, tudo o que pôde fazer foi respirar fundo enquanto fechava os olhos.
Logo depois, ergueu sua guarda e preparou o avanço das pernas, reabrindo as pálpebras com um foco fraco, mas o suficiente para não se distrair.
Sua falta de criatividade não o permitiria pensar em algo em tão pouco tempo, e o que lhe sobrou foi a clássica improvisação de alguém que só possui força.
Os pés afundavam os dedos no solo, a mente entregava-se ao vazio do nada e os suspiros, cada vez mais controlados e conscientes, tornavam-se seu apoio.
Douglas estava diante da maior das provações que um guerreiro pode ter: o desafio da superação. No momento de agora, teria que encontrar um jeito de ir além do que conhece de si mesmo.
No meio do silêncio da noite, uma respiração instável ecoava ao horizonte. Além disso, nada podia se ouvir naquele lugar, senão o calar da escuridão.
Rastros de seu próprio sangue encontravam-se nos lábios de um garoto, que mantinha uma das mãos sobre a barriga que estava em um tom avermelhado. O antebraço livre tampava os olhos, enquanto um suor frio escorria pela sua testa. O jovem, como já imaginávamos, era Waraioni.
“Que merda foi aquela…? Eu não consegui ver nada…”
Poucos segundos após sua indagação, tossiu o pouco sangue preso na garganta, e cessou os suspiros instáveis não muito tempo depois.
“Aquele monstro do caralho… Ele inutilizou meu poder ocular de alguma forma…”
Assim que desabafou consigo mesmo, inclinou o corpo para começar a levantar, até que conseguisse ficar de pé enquanto olhava para o céu.
“Estranhamente”, nada existia. Lua, estrelas, ou até mesmo aquele vórtice de nuvem que transformou-se numa caveira. Tudo o que havia no topo era o abismo.
Seus olhos observavam esse cenário com neutralidade, e recuaram logo depois, doando a atenção que tinha para observar os arredores.
Para a surpresa de zero pessoas, o lugar permanecia quase idêntico. Árvores com galhos secos e sem o mínimo sinal de qualquer folha.
As gramas eram tão secas quanto batata palha, e algumas não tinham força o suficiente para não serem levadas ao horizonte pelo vento…
… No entanto, nas suas costas, havia algo que fugia desse padrão: uma árvore cheia de vida, e não era uma qualquer; mas, sim, de cerejeira.
Uma de suas pétalas caminhavam gentilmente para o rosto neutro de Waraioni, buscando conquistar a atenção do garoto até que, eventualmente, ele olhasse para ela.
Próximo capítulo: … Cerejeira da Vida.

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