Capítulo 84: A Morte Deseja Vida
A respiração começava lentamente pelo diafragma, massageava o peito e se despedia nas narinas em um suspiro sutil e discreto. O olhar ciano dilatava lento o bastante para parecer estar em câmera lenta, até eventualmente se entregar ao foco que buscava.
A atenção o impedia de ver as gotas de chuva que caíam do céu, e tampava seus ouvidos a quaisquer sons externos, como se não existisse.
Tudo o que podia ouvir e sentir eram os sons do próprio corpo; tanto o pulsar calmo do coração quanto a respiração massageando o peito.
Não foi de muita demora para quase tudo se tornar escuro, desde as árvores mortas ao solo. Tudo o que era digno de sua atenção era aquela criatura.
As pernas se inclinavam para o avanço e os lábios ficavam entreabertos. Assim, permitiu que um leve suspiro abraçasse seus lábios.
Esse foi todo o processo em que Waraioni se entregou em um segundo inteiro. Imediatamente após sua preparação, disparou em direção ao monstro em um único salto…
… Entretanto, os olhos abissais da criatura também se atentavam em quaisquer detalhes. Assim que seu adversário se preparou para avançar, agarrou com firmeza sua foice.
No próximo instante, em que ele estava à sua frente, lançou a arma em direção ao rosto de Waraioni; dessa vez, com a parte cortante da foice.
A lâmina estava rente ao seu nariz num piscar de olhos, mas o foco que se esforçou para conquistar não foi, de forma alguma, à toa. Antes que o cérebro ordenasse, os joelhos se dobraram e o pescoço jogou-se para baixo, esquivando da lâmina que o ameaçava.
Sua próxima ação veio logo em seguida. Sem que sequer percebesse que seus punhos estavam fechados, disparou um soco em direção ao tórax daquele ser.
O contra-ataque acertou em cheio, mas a história ainda continuava. Sem que Waraioni soubesse, o monstro havia aceitado aquele dano em troca de um ataque…
… E assim foi feito. Um dos joelhos da criatura avançava velozmente contra a barriga de seu adversário, ataque esse que deveria acertá-lo…
… Mas, para sua infelicidade, não ocorreu assim. Por um momento, Waraioni dedicou uma fração de seu tempo aos olhos, tentando ver um segundo do futuro daquele monstro, mas não conseguiu.
Devido à adaptação, estava impedido de ver um ou dois segundos à frente especificamente daquela criatura, e assim foi forçado a buscar outra carta na manga.
As pupilas, então, com o pouco tempo que lhes restava, cessaram o movimento no sentido horário que faziam, e assim abriram as portas para o recém-adquirido poder.
A forma espectral de Waraioni estava fundida ao seu corpo; no entanto, sua posição era a de um contra-ataque enquanto desviava do golpe prestes a tocá-lo.
Quando faltava apenas um instante para ser atingido, pensou: “Trocar!”. Assim, de uma hora para a outra, seu punho direito havia atingido a face do adversário enquanto a palma esquerda defendia a joelhada.
O impacto ecoou ao horizonte, e a força do ataque forçava o recuar do pescoço, mas nada era tão notável quanto o arregalar dos olhos daquele ser.
Enquanto questionava consigo mesmo como aquilo havia acontecido, o tempo, na sua perspectiva, entregava-se à lentidão aos poucos. O suor, que vinha do braço de Waraioni e escapava pelo punho, passava diante de seus olhos e dava “oi” às suas dores.
“Então ele… Também ficou mais forte?”
Felizmente, isso durou apenas por um momento. Logo em seguida, o tempo voltou ao seu curso normal, junto ao levantar breve de seus pés.
Imediatamente após, os dedos jogaram-se ao solo enquanto o antebraço protegia o rosto danificado, e os olhos não conseguiam fixar-se em outra coisa senão no adversário à sua frente.
Em seu ponto de vista, ele estava com um semblante sereno e focado, como se à sua frente não houvesse nada que transparecesse perigo.
“… Só pode ser piada.”
Sem dar tempo aos próprios pensamentos, agarrou sua foice com firmeza e a posicionou para trás. As pernas flexionaram com pressa e seu próximo ataque estava quase pronto…
… No entanto, esqueceu-se de um detalhe: esse não era um combate um contra um. Sem que percebesse, Douglas estava bem ao seu lado.
Sua intenção assassina deixava seu ataque óbvio, mas a cegueira da surpresa o impediu de sentir. Um chute frontal o aguardava na costela direita.
O golpe acertou em cheio. A pele da criatura ondulou com o impacto. Começou na costela, caminhou para a barriga e espalhou-se até que chegasse no peito.
Não havia base firme no mundo que o permitiria ficar de pé diante desse ataque, e assim o destino seguiu. Seus olhos abissais expandiram-se em desconforto.
Seu corpo foi jogado para o lado como um saco de cimento, e a força do ataque o fez capotar até que uma das mãos se agarrasse ao solo.
Assim, arrastou-se por breves segundos, e encontrou estabilidade logo depois. O pescoço baixo ocultava o que seus olhos transmitiam.
As pálpebras pulsavam como um coração, e a escuridão em seu olhar se intensificava a cada instante. Não demorou muito para que se tornasse mais escuro do que o escuro.
Os cílios estremeciam sem controle, e as veias que começavam a surgir abaixo de seus olhos sussurravam o que sentiam pela primeira vez: ódio.
Levantou o pescoço logo depois, e observou sem pressa os dois predadores que o olhavam de volta. Um tinha a serenidade exposta na face, e o outro mal conseguia conter a energia fervente em seu olhar.
Assim, a criatura ausentou as expressões faciais e levantou-se logo depois, erguendo o rosto ao céu para que pudesse respirar profundamente.
Em seguida, voltou sua atenção para eles, e os fitava como se não tivessem importância, mas sua ira era demais para que conseguisse ocultá-la tão bem.
As pernas inclinaram-se logo após, e se preparavam para o salto que reiniciaria o combate; entretanto, antes que avançasse, não conseguiu conter um breve desabafo:
— … Êeeh.
O que parecia ser apenas um murmúrio revelou-se a chave mestra para o cadeado de seu controle emocional, entregando ao horizonte tudo o que desejava fazer.
Uma forte pressão do vento tingida com a cor vermelha veio logo depois através de seu corpo, e isso não era a única coisa que tinha consigo.
Tal vento tinha um cheiro tão comum quanto fácil de reconhecer: sangue, e estava em um estado tão presente que fazia as narinas estremecerem.
Douglas mantinha os pés firmes enquanto o antebraço protegia os olhos. Waraioni, por sua vez, fazia quase o mesmo, mas foi o único dali que entendeu o que estava acontecendo.
O desejo por morte da criatura escalonou tão alto que foi capaz de criar um ar próprio, um que carregava cada gota de sangue das criaturas que matou.
A atmosfera rendeu-se à sua força, e um chumbo de ódio caiu sobre os ombros dos desafiantes. Felizmente, esse evento não veio para ficar.
Como se tentasse mentir para a verdade, o anseio por matança desapareceu repentinamente junto ao ódio, tornando aquele lugar algo mais tranquilo.
Não havia mais sangue no ar, tampouco uma pressão desconhecida sobre seus corpos, mas isso não significava que a batalha havia terminado.
Enquanto Waraioni se distraía com informações passadas, aquele ser avançava em um único salto, cuja força era ocultada pelo silêncio.
Felizmente, os olhos de Douglas estavam fixos no oponente antes de seu avançar. Sendo assim, agiu de acordo: acompanhou o ritmo dele…
… Porém, havia um detalhe que ele havia esquecido; ou melhor, ignorado completamente: a criatura, agora desesperada, estava atenta a quaisquer ações.
Seus olhos abissais olharam para o lado direito assim que seus instintos sentiram hostilidade, e estava correto: o punho daquele humano gigante estava à sua caça.
Dessa forma, antes mesmo de um dos pés tocar no chão, o pescoço se abaixava. Assim que tocou, esquivar-se não foi problema nenhum.
Em seguida, distribuiu parte de sua força em uma das pernas, rotacionando seu corpo enquanto segurava a foice com ambas as mãos.
Resultado: um contra-ataque tão inesperado quanto certeiro. A lâmina de sua arma atingiu a dorsal de Douglas e caminhou até que ultrapassasse o tórax.
Os olhos de seu desafiante arregalaram-se, e o sangue escorreu tanto no ferimento quanto nos lábios; entretanto, os da criatura não estavam satisfeitos, pois, por sorte, nenhum ponto vital foi atingido.
Não tendo tempo para finalizá-lo apropriadamente, rotacionou mais uma vez e o lançou, junto à foice, com toda força que tinha. Em seguida, doou toda sua atenção ao lado esquerdo, onde Waraioni se encontrava. Sem doar um único instante para o descanso, inclinou as pernas para mais um avanço.
Ainda que não houvesse luz alguma na escuridão de seu olhar, um intenso medo era tão luminoso que quase criava uma aura para si próprio.
Seu atual oponente não teve tempo para se atentar aos detalhes, tampouco para se preocupar com o adversário, e a criatura já estava diante dele.
O movimento do ombro e braço do monstro entregava-lhe que um soco direto estava a caminho, e isso o forçou a fechar a guarda tão rápido quanto percebeu.
Os pensamentos daquele ser estavam em uma combinação de sensações: pressa, desespero, ódio, ansiedade… Tudo isso gerou seu soco mais rápido.
Dessa forma, o impacto ecoou feito um apito ao horizonte. Waraioni sentia o osso ceder enquanto o som do dano se assemelhava a pipocas estourando.
Toda a calma se foi com a dor, e os lábios, outrora calmos, apertavam-se em resistência enquanto os olhos arregalavam-se em surpresa.
Seu corpo foi arremessado, sem chance alguma de os pés tentarem alguma coisa. Ao mesmo tempo, a criatura corria em sua direção como um cão atrás do osso.
Próximo capítulo: Infinito.

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