Índice de Capítulo

    O coração pulsava inúmeras vezes em poucos instantes, e a pele latejava em incômodo, gritando aos instintos que a dor se expandia cada vez mais.

    Respirar pela boca trouxe o sangue da garganta consigo. Ao tentar pelo nariz, sentiu as lágrimas ferventes que seu peito transbordava.

    Os lábios estavam confusos. Por momentos, apertavam para resistir à dor, só para pouco depois se entregarem aos suspiros distorcidos.

    Os olhos, ainda que estivessem lacrimejando com tamanha angústia, conseguiam ver aquela enorme foice que ameaçava sua vida.

    Aquilo, que começou com um abraço na dorsal e terminou em um beijo no peito, não tinha intenção alguma de abandoná-lo, nem por um instante.

    “Porra…”

    Seu corpo, antes de costas para o chão, inclinou-se ao lado esquerdo para se levantar, e tudo o que tinha como apoio era o antebraço direito.

    Agora, ajoelhado, ainda bufava enquanto sentia o caos no seu interior. Cada músculo, fibra ou qualquer outra coisa que fora cortada tinha sua própria voz.

    Enquanto se perdia na própria respiração desajeitada, seus pensamentos se tornavam cada vez mais distantes, até que um breve pensamento passasse por sua mente:

    “Eu… Vou morrer assim…?”

    Ao questionar sobre a possibilidade da sua morte, uma de suas mãos se moveu para a barriga enquanto sua testa afundava no chão. Estava frio, mais do que qualquer inverno; até mesmo seu estômago sentia esse arrepio incômodo, como se ele já estivesse morto.

    Ao mesmo tempo em que seus olhos se arregalavam, a outra mão caminhava até a foice a mando da própria alma, sem que ele percebesse.

    “Não… Não posso…”

    Os olhos brilhantes de sua esposa passavam como um flash em sua mente, e o sorriso de Arthur iluminava a escuridão do desespero.

    Como da última vez, vapor começava a escapar de seu corpo. O coração explodia em cada pulsação, e os dedos trêmulos estavam prestes a alcançar a foice.

    “Mais… Eu preciso de mais daquela sensação…”

    As pupilas começavam a dizer adeus ao mundo, e os suspiros, entregues ao seu desespero, transformavam-se em vapor. Quando finalmente tocou na foice, começou a retirá-la à força, sem pressa alguma, até que ela se desgrudasse contra sua vontade.

    Sangue escorreu feito água de torneira, e sua consciência lentamente se entregava ao abismo, mas seus bufos não cessavam nem por um momento.

    O calor se expandia pelo seu corpo sem controle algum do limite. Não demorou muito para que começasse a queimar sua blusa até que ela se tornasse cinzas.

    Com seus músculos expostos, a mudança era bruta o suficiente para tornar-se cada vez mais visível: desde as costas, ombro, peito ou dorsal, tudo estava diminuindo drasticamente.

    Ao mesmo tempo, tanto sua rigidez quanto a definição muscular disparavam sem conhecer a palavra limite, até que aquele buraco fosse tampado pelos músculos.

    A própria garganta juntou-se ao desespero dos suspiros. Os olhos estavam completamente brancos, e a mente se contorcia em um único desejo: deixar a esperança ferver.


    Os braços queimavam ao abraçar as chamas da dor, e os olhos fixavam no monstro que corria desajeitadamente em sua direção, mas sem perder o foco.

    O corpo estava rendido ao vento, mas seus pés não permitiriam que assim fosse para sempre. Dessa forma, jogaram-se ao chão em busca de estabilidade.

    Arrastou-se brevemente devido à pressão do vento, e a velocidade de seu pouso deixava rastros no chão, mas havia conquistado o que queria: terra firme.

    Imediatamente começou a levantar a guarda, mas a criatura estava um passo à frente: seu punho, tão fechado quanto cerrado, estava prestes a atingi-lo no queixo.

    Os olhos acompanharam o ataque, mas a surpresa foi maior. Não havia tempo para os pensamentos raciocinarem a ação, e o problema foi entregue aos instintos.

    Em um único período, amoleceu o corpo, e assim permitiu com que a pressão do vento empurrasse seu peito para trás, esquivando no último segundo disponível…

    … Mas, ainda não havia acabado. Aproveitando-se da brecha que foi criada, moveu a perna esquerda para trás e rotacionou o corpo de imediato.

    Dessa forma, um chute giratório disparou na barriga da criatura, e o ataque foi certeiro. Seus olhos abissais quase saltaram para fora junto de um suspiro forçado, mas cerraram-se logo após.

    Havia uma única escolha para o ser, se desejasse um contra-ataque: agarrar a perna que lhe atingiu, e foi exatamente isso o que fez.

    Em seguida, levou-a para o céu junto de Waraioni e o arremessou no chão. As costas, alvo de todo o impacto, estremeceram com a dor.

    Seu peito, por um momento, expulsou todo o ar que o pulmão havia guardado, e não tinha mais tempo para recuperá-lo, a criatura não permitiria.

    Tudo o que lhe restou foi fechar a guarda e cerrar os dentes, e assim o fez. O ser, então, se posicionou acima e projetou um soco de cima para baixo.

    Os antebraços absorveram o impacto, mas não estavam em plenas condições. O que estava ruim, piorou, e os ossos, já danificados, trincaram com o golpe.

    O rosto distorcido não podia esconder a dor, mas nada havia terminado ainda; outro golpe, superior ao antecessor, atingiu-o em cheio.

    E assim foi mais três vezes, onde o limite de Waraioni alcançava. Se assim permitisse, ambos os braços quebrariam, e esse sofrimento ele não desejava experimentar.

    Dessa forma, assim que aquele ser posicionou um dos braços para mais um ataque, Waraioni abriu sua guarda e avançou com a testa, atingindo-o no nariz.

    O ataque foi certeiro, e o incômodo estava visível no rosto adversário, mas um sentimento inesperado sobrepôs tudo: ira. Um berro, frustrado e descontrolado, escapou da criatura, que logo depois moveu uma das mãos para o pescoço de seu atual oponente.

    Waraioni, por reflexo, moveu ambas as mãos para o pulso do ser, imaginando que suas intenções eram um estrangulamento, mas sua suposição estava errada.

    Antes que percebesse, havia sido lançado para cima. Os braços, entregues à dor, nem cogitavam em levantar a guarda, deixando-o exposto.

    Imediatamente após, a criatura lançou novamente o golpe que foi desviado há pouco tempo: o mesmo gancho, com intensidade e força idêntica.

    O impacto ecoou ao horizonte, o som dos ossos quebrados cantavam a derrota antes da hora, e Waraioni foi arremessado ao céu. Nada se passava pela sua mente, nem sequer o som do ar. O vazio da escuridão, de pouco a pouco, consumia seus olhares para levá-lo à inconsciência.

    Sua alma estava dividida entre permitir com que a dor do corpo reinasse, levando-o ao sono eterno, ou deixá-lo experimentar a dor em troca da vontade de viver.

    Dessa forma, sua visão estava embaçada por completo, e as pupilas encontravam-se nos dois penhascos da consciência e inconsciência.

    Antes que tudo se tornasse escuro, uma pétala de cerejeira caminhava em direção à sua testa, ignorando completamente a pressão da atmosfera.

    Desintegrou-se no mesmo instante em que o alcançou, mas seu objetivo foi concluído: fazê-lo ouvir, mesmo que por um instante, sua voz:

    — Lembre-se… Do que experimentou há pouco tempo atrás…

    A mensagem vagava como inúmeros sussurros por sua mente, no entanto, de pouco a pouco, seu corpo se permitia sentir tudo o que estava ao seu redor.

    A camisa rebatendo, o vento o golpeando por todos os lados, o pulsar do coração, o movimento do pulmão, o suspiro quase inaudível de suas narinas…

    … Quaisquer coisas que o tocasse naquele momento, tanto seu corpo quanto sua alma sentiam, e a mente entregou-se a essas sensações.

    A queda começou assim que a subida teve seu fim. As costas estavam entregues ao chão, mas seus olhos, ainda que estivessem instáveis, começavam a brilhar feito farol.

    Os lábios estavam entreabertos, e a angústia da queda, naquela altitude, abraçava seu peito; entretanto, pensamentos como: “o que vai acontecer quando eu cair?” não o alcançavam mais.

    Seus braços levantaram-se ao céu, não só pelas dores, mas sim porque, de alguma forma, seu corpo todo se sentia relaxado naquela situação.

    Ao tentar observar um pouco mais, tudo ao seu redor, incluindo a si mesmo, estava entregue ao tom ciano, como se fizessem parte do seu futuro.

    Cada gota, seja de sangue, suor ou de chuva, tudo estava conectado à sua visão, e cada uma delas estava um segundo atrás do que via.

    “Eu…”

    Pela primeira vez, estava em um reino celestial que ele mesmo criou. Os gélidos sussurros permeavam em sua mente, e assim foi capaz de sentir a plenitude.

    “… Me sinto infinito.”

    Os olhos abraçaram a serenidade, e estavam cientes que estavam há poucos segundos de alcançar o chão, mas não havia problema nenhum nisso.

    Pouco depois, quando segundos transformaram-se em instantes, sua forma espectral estava de pé, e a troca aconteceu sem que ele pedisse.

    Não havia nada a se pensar, e ainda assim sua mente detectava o todo. Os olhos, entregues à despreocupação, fixavam nas costas da criatura.

    O ser, por sua vez, olhou para trás não muito depois. Suas pálpebras quase alcançavam o céu, e o abismo no olhar desacreditava no que via.

    Aquele humano, com os olhares cianos brilhantes feito estrelas, caminhava em sua direção com os braços abertos, garantindo que nada o acertaria.

    Sua paciência atingiu o limite, e os lábios logo se curvaram em desagrado. As pernas se curvaram rapidamente, e o fôlego derradeiro foi anunciado ao mundo com seu suspiro.

    Próximo capítulo: Proteção da Chuva.

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