Capítulo 22: Presságio das Maldições
Ônix baixou a cabeça e enxugou as lágrimas. Seus lábios torciam ao sentir o coração apertar. Saber que Celeste o observava causava um misto de dor e alívio. A distância o machucava, mas sua presença era notável.
Em meio às suas dores, jurou ao céu que daria um jeito de vê-la. Como? Não era possível saber; “quando” era ainda mais enigmático, mas tinha certeza de que conseguiria de alguma forma.
— Vamos…
Um breve silêncio pairou no ar. Saito evitava olhá-lo, tentando se distrair com as casas da cidade. Sentiu seu peito formigar, alertando-o de que algo não estava certo. Abriu sua boca para falar, mas fechou-a logo em seguida. Um nó inesperado instaurou-se em sua garganta.
“Preciso fazer alguma coisa…”
Respirou fundo, juntando forças de onde não tinha. O que dizer? Qual conselho oferecer? No fim das contas, Saito não era e nunca foi bom com conselhos e, devido a isso, sua pergunta foi a mais simples e sincera possível.
— Tá… Tudo bem?
Ônix demorou um pouco para respondê-lo, deixando um pequeno silêncio inquietante dominar o ambiente. Logo depois, sua voz um pouco mais calma respondeu:
— Tô sim… Obrigado, eu precisava ouvir isso. Pensei que ela tinha me deixado pra trás.
— Tudo bem, eu imagino.
O silêncio retomou, mas, agora, não era algo constrangedor. Ônix aproveitou dessa pausa para observar seus arredores com mais atenção.
Tudo era, estranhamente, muito bom. NPCs caminhavam pelo asfalto como humanos normais. As casas eram perfeitas, tão boas quanto recém-feitas. Havia árvores em abundância, trazendo consigo o canto dos pássaros.
Ele observava todos esses detalhes com surpresa e cautela. Estava bom demais para ser verdade; o que o sistema esconde? Era para ser assim desde o princípio? Sua inquietação o permitiu perguntar:
— Percebeu que a cidade não está destruída?
A pergunta repentina surpreendeu tanto Saito que, de seus lábios, ecoou um genuíno e confuso “Hã…?”, enquanto ele começava a observar a cidade com uma atenção um pouco maior.
Por algum motivo, tudo estava perfeito demais. Os prédios pareciam novos, as nuvens tinham a mesma aparência de algodão. O sol? Brilhava como a estrela que era.
— Ah, agora que você falou, tá tudo bem feitinho mesmo, né? Por que a pergunta?
Ônix deu início à sua explicação. Segundo ele, não seria estranho demais toda essa perfeição? Batalhas entre os jogadores deveriam ser mais recorrentes, se formos levar em conta que o ego de seres humanos com poderes é grande demais.
Citou o breve combate que teve com Morfius assim que se encontraram. O ambiente não foi muito danificado, mas houve, sim, danos, e a luta não foi interrompida por algo do sistema.
— É, verdade… Será que no menu não tem algo que explica isso? Vou dar uma olhada.
Disse “Menu” ao vento, e o sistema de jogo apareceu para auxiliá-lo. Clicou na aba de informações e lá havia três opções: Informações Pessoais, informações do mundo e Atualizações recentes.
Olhou com uma atenção especial à “informações do mundo”, pressionando-a logo após. A interface dobrou de tamanho; as letras eram visíveis, mas cobriam toda a tela com informações. Franziu as sobrancelhas. Seu rosto não escondia sua indignação.
— Puta que pariu, olha o tanto de coisa! Nem fodendo que eu vou ler isso aqui.
Fechou o menu logo em seguida, bufando em desaprovação. Ônix riu brevemente, abrindo seu menu em seguida para tentar ler o que seu irmão não conseguiu.
As informações em excesso novamente apareceram, mas um pequeno trecho brilhava em um tom verde, escrito: Zonas Seguras fora de missões para que o mundo não seja destruído pelos jogadores. Assim que leu, resolveu compartilhar:
— Achei algo sobre “Zonas Seguras”. Será que não é isso?
Saito sabia desde o começo o que isso significava, mas era a chance perfeita de tirar sarro de seu amigo inocente com uma piada tão maliciosa quanto a sua bondade.
— Zona? Se liga, doidão, nunca fui nesse lugar e nem pretendo ir. Tu não pode, viu? Esqueceu que é comprometido?!
Saito soltou um pequeno sorriso malicioso, entregando sua ironia. No começo, Ônix ficou ligeiramente confuso, mas entendeu logo após o que ele quis dizer.
— Hã? Tá maluco? Eu não quis dizer isso não!
Saito começou a assobiar, apontando o dedo para um NPC próximo a eles. Trocou o assunto com o único intuito de sacanear seu irmão:
— Opa! Missão à vista! Bora!
Ônix o perseguia enquanto franzia o rosto, perguntando se ele estava mudando de assunto. Saito, por sua vez, ignorava suas indagações enquanto insistia para que eles seguissem em frente.
Essa conversa durou até eles encontrarem o NPC com uma bandeira vermelha (ícone de punho) acima da cabeça. Seu corpo era curvado, rosto enrugado e os cabelos prateados, entregando sua longa idade. Um charuto o acompanhava.
Ele observou os garotos que se aproximavam. Seus olhos eram cortantes, quase julgadores, notando a inocência nos olhares daqueles jovens.
“Vieram pela missão? Que pena, morrerão cedo.”
Ônix fitou aquele senhor assim que se aproximou. Notou seu olhar julgador enquanto a fumaça do charuto subia com desconforto. Saito ficou atento, observando-o com cautela, firmando sua mão no cabo da katana.
— Vieram pela missão, garotos?
Diferente de seu olhar, sua voz era calma, fluida como a água. Também parecia mortiça, falava no automático, como se nada ao seu redor importasse ou houvesse algum significado.
— Ah, sim. Pode nos entregar, por favor?
O senhor suspirou. Uma quantidade excessiva de fumaça saía de sua boca, envolvendo-os como a névoa. Moveu sua mão para o ícone acima de sua cabeça enquanto seus olhos foram de julgadores a culposos.
— Idiotas que desprezam a vida… Muitos já morreram com essa missão, não vai ser diferente com vocês. Peguem e sumam daqui.
A névoa, pouco depois, alterou sua cor para azul escuro. Começou a se aglomerar no meio deles, formando um pequeno redemoinho no processo. O sistema de jogo apareceu em seguida.
Sistema de Jogo
Uma missão de combate lhe foi oferecida! Pode fazê-la com uma ou mais pessoas. Gostaria de saber os requisitos?
Ônix observou-o com incerteza no olhar. O coração pulsava em ansiedade, em um misto de “Eu não quero ir…” com “Só mais uma… O sistema me prometeu que era só mais essa…”. Com muito pesar, respondeu:
— Sim.
— … Queremos.
O sistema se desfez, retornando para sua forma de névoa, que agora estava mais densa. Sua cor começou a alternar entre o ciano e a absoluta escuridão, separando-se como o yin-yang. Uma fenda encontrava-se no centro, servindo como porta para os dois jogadores. Saito, com um sorriso caloroso no rosto, deu um leve tapinha nas costas de seu irmão.
— Bora? A gente vai amassar.
Ônix suspirou e sorriu de volta, caminhando até aquela fenda que anunciava o começo de seus desejos, a luta pela verdade e a busca pelo fim.
Atravessou-a. Tudo era escuro e a brisa do vento estava densa. A simples respiração tornou-se difícil, como se o oxigênio estivesse limitado. Cada passo fazia o chão ondular brevemente. Respirar ficava mais fácil a cada passo, mas aquele lugar ainda era desagradável. Algo invisível parecia envolvê-los.
De repente, a ondulação tornou-se violenta. O chão parecia instável, mas era tão firme quanto o concreto. Um vapor estranho começou a subir, levando consigo a escuridão que os abraçava.
Ônix e Saito observavam o vapor com confusão. A névoa os envolvia, tornando sua visão turva enquanto as fechava. Não enxergavam nada, apenas uma estranha fumaça que insistia em acompanhá-los.
Saito formou um pequeno redemoinho de vento em sua palma, expandindo-a para seu corpo logo depois, como se fosse uma espécie de aura que o deixasse mais leve enquanto mantinha uma pequena parte na mão.
“Porra… A missão já começou?”
Jogou-o naquela fumaça, tentando dissipá-la, mas foi inútil. Parecia que ela nem estava lá, como uma ilusão. Não era tangível, mas visível, com o único propósito de atrapalhar os jogadores.
Ônix não pensou em nada, apenas observou. De repente, tudo voltou a ser escuro, mas, apenas por um momento. Logo após, a escuridão desapareceu, substituindo-se por uma caverna arcaica.
As rochas pareciam tão fortes quanto metais; o chão estava úmido, a brisa era gelada e o ar trazia consigo o cheiro desconfortável do sangue. Algumas portas prateadas estavam aos seus arredores, mas todas tinham cadeados.
Enquanto Saito mantinha sua guarda alta, Ônix observava confuso, um tanto curioso. As portas pareciam convidá-lo. Ele foi em direção a uma delas, perguntando:
— Será que a gente não tem que destrancá-las de alguma forma?
Saito não respondeu, mas o seguiu. Assim que se aproximou, deu dois toques no cadeado, notando sua admirável resistência metálica. Retirou a katana da bainha e disse:
— Deixa eu tentar cortar isso aqui. Vai um pouco pro lado rapidão.
Ônix afastou-se, mantendo uma distância não tão longe de seu irmão. Saito posicionou sua arma ao horizonte, segurando o cabo com força. Chamas brilhavam na parte cortante da katana.
Como um raio, moveu-a violentamente para o cadeado para cortá-lo; no entanto, sua arma passou direto, como se nada estivesse lá. Saito franziu a testa, descontente com o resultado.
“Não tem como cortar o cadeado? Mas, eu acabei de tocá-lo…”
Moveu sua arma novamente ao cadeado, mas sem hostilidade dessa vez. Agora, sua katana conseguiu entrar em contato sem problema algum. Nesse momento, tentou novamente cortá-lo, mas o mesmo aconteceu: atravessou-a, como se fosse intangível.
Guardou a katana após sua tentativa falha. Os olhos neutros escondiam a pouca frustração que o incomodava, mas, isso passou a não importar mais para ele depois de um tempo.
— Putz… Acho que não tem como cortar isso não, viu?
Ônix aproximou-se, observando o cadeado. Sua voz, um tanto curiosa, disse: “Ele parece resistente, né?”, enquanto o tocava, mas, por um momento, nada aconteceu. De um instante para o outro, a escuridão cobriu aquela fechadura, deixando-a sombria. A porta também se tornou escura e começou a tremer logo depois.
— Eita…
Saito também recuou em seguida, olhando porta por porta. Todas começaram a escurecer em seguida; as fechaduras caíram. Um som desconfortável de vários pés batendo no chão ecoou. Sussurros vieram em seguida:
— Ônix… Ônix…
As portas transformaram-se em uma névoa densa e escura. Os sussurros não paravam. As névoas juntaram-se, formando uma pequena esfera sombria e nada agradável.
De repente, uma luz surgiu do teto, vindo de cima até o chão. A névoa voou lentamente até a luz. Um rastro de escuridão cobriu o teto devagar. Quando aquela fumaça escura tocou a luz, todo o teto transformou-se em um céu estrelado.
Ônix observou aquilo com um estranho conforto. Seus olhos eram idênticos àquele “céu” que preencheu todo o teto. Em seguida, os sussurros alteraram-se:
— Pro…Va…Ções…
Aquele céu juntou-se em um só ponto, transformando-se em uma porta universal em seguida. Começou a descer devagar e, quando tocou o chão, uma poeira cósmica vazou de lá, enfeitando sua forma divina.
Ônix arregalou os olhos ligeiramente, em um misto de conforto e admiração, como se visse parte de sua alma naquela porta. Saito estava em um redemoinho de confusão. O que sentir? Surpresa? Curiosidade? Cautela? Não sabia, mas a admiração era predominante.
A voz de seu irmão ecoou como a borrifada de um perfume em sua mente, um coral ainda mais marcante do que a voz que se perde e se multiplica em um túnel abandonado:
— Vamos?
Seus olhos brilhavam, ainda mais admiráveis que aquela porta que havia surgido. Era como se o próprio universo morasse lá, junto às estrelas. Diante de tamanha pureza, um sorriso era inevitável.
— Só bora!
Próximo capítulo: Sorriso em Tom Ciano.
Folhas do Aprendizado, 03/04/2025
Olá, leitor.
Sendo direto ao ponto, há algumas semanas tenho me sentido incomodado com minha narração inicial. Talvez você tenha percebido, mas minha narrativa se alterava sutilmente conforme os capítulos avançavam, justamente porque, ao reescrevê-los (sim, eu reescrevo todos), eu aprendia e melhorava.
Em breve, a divulgação de 50 capítulos chegará à minha obra, e eu me sentiria muito mal em apresentar o início do livro aos novos leitores com uma narração do prólogo muito abaixo da qualidade do capítulo 23, por exemplo.
Por isso, vou reescrever o prólogo até o capítulo 22 e, se necessário, o 23. Quando digo “reescrever”, não me refiro a mudar a história, ela permanecerá a mesma, mas sim a elevar a qualidade da narração.
Enquanto trabalho nisso, a frequência de lançamentos será reduzida de um capítulo a cada dois dias para um por semana. Assim que concluir as revisões, editarei todos os capítulos e retomaremos o cronograma normal.
Obrigado por me acompanhar até aqui. Saiba que não pararei de escrever até que minha obra esteja pronta, então não se preocupe com hiatos ou abandono do projeto, caso isso tenha passado por sua mente.
Obrigado pela sua companhia, leitor. ♡
Maik
- @Maik: A recomendação serve para indicar em qual nível o jogador consegue passar facilmente da missão. Se um camarada for nível 15, ele ainda consegue passar se jogar direitinho.[↩]
- @Maik: Eu não lembro se já expliquei isso ou se vai aparecer mais à frente, mas, só para garantir: lembra do Dragon Ball Xenoverse? Os pontos de atributos foram inspirados de lá. Basicamente você ganha pontos com missões e consegue ficar mais forte distribuindo eles.[↩]
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