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    Escuridão. Apenas isso existe nesse mundo. Nada é tangível, muito menos audível. Talvez, nem dê para chamar o silêncio de “silêncio”, pois ele não havia sido criado.

    No meio desse abismo, algo estava sentado sobre o nada. Seu corpo brilhava como o ouro, mas tinha a cor de prata. Os olhos eram vazios, como se houvesse apenas um buraco lá.

    As letras “CMV” apareciam e desapareciam de seu peito, pulsantes como um coração humano e brilhantes como um céu noturno estrelado.

    Estava com os braços cruzados, mantendo o resto do corpo estático na posição de lótus. Pequenos brilhos passavam em seu olhar… Que estranho. Como há luz em seus olhos se nada ainda havia sido criado? Vamos nos aproximar para ver.

    No fundo do abismo que se encontra em seu olhar, alguma coisa se movia de um lado para o outro em uma velocidade impressionante, como assistir a um vídeo em 5x.

    Observando com mais calma, esse “algo” começa a desacelerar, revelando a história da humanidade, desde a criação de Adão até o juízo final.

    Ele assistiu a tudo, sem piscar uma única vez. Levantou seu olhar, fitando o abismo. Depois de absorver tudo o que viu, concluiu apenas uma coisa: gananciosos.

    O planeta que os humanos habitavam era perfeito, tinha tudo o que eles precisavam para a sobrevivência, mas, ainda assim, muitos mais morriam de obesidade do que de fome.

    Vieram do mesmo lugar, o mesmo sangue circula em suas veias, e ainda assim alguns insistem em matar uns aos outros ou repudiar alguns somente pela cor de nascença. Estúpidos.

    Curiosamente, esse ser voltou sua visão para baixo, rindo ligeiramente em seguida. Um singelo sorriso surgiu em seu rosto, e ele disse:

    — Interessante…

    Sua voz foi o primeiro “som” desse mundo. Era grave e impiedosa, mas também carregava muito amor. Espalhou-se por todos os lados, como a ondulação do mar.

    — Quantas imperfeições imbuídas em cobranças… E se eles tivessem poderes?

    Essa curiosidade bastou. Levantou-se, esticando as costas, enchendo seus pulmões com o silêncio e o abismo que estavam presentes.

    “Suspirou” profundamente, movendo as palmas para o horizonte. Uma brisa confortante surgiu do abismo, abraçando a escuridão. Nesse momento, o “ar” foi criado.

    Fechou os olhos, sentindo cada parte de seu corpo ser abraçada pelo ar gélido. Sorriu em satisfação, apreciando cada arrepio que subiu em sua espinha.

    Assim que os abriu, quatro letras flutuavam diante dele. Eram complexas e estranhas, tinham a cor prateada, mas também havia escuridão nelas.

    A letra “A” parecia deixar o vento a levar; “I” brincava com as brisas gélidas; “O” girava intensamente como um vórtice e, por fim, a letra “B” estava estática no vazio.

    Inclinou o rosto para o lado, como um cão observando algo que não entende, e isso também, de pouco a pouco, lhe arrancou um caloroso sorriso.

    — AIOB… Que nome legal.

    Com muito cuidado, pegou-as, posicionando-as em suas mãos. As moveu para o peito, como uma mãe que abraça seu bebê gentilmente.

    — Quero que seja o nome da minha obra.

    As letras foram absorvidas por seu corpo sem pressa. O aconchego o envolveu, junto de um estranho carinho, como se abraçasse alguém que ama.

    Não demorou muito para serem completamente absorvidas. Assim que elas se foram, olhou para cima, tocando seu coração enquanto fitava o abismo.

    — Solitário demais.

    Olhou de um lado para o outro, mas nada encontrou. Isso incomodou seu coração. A solidão inquietante o fez torcer levemente os lábios em tristeza.

    — Não quero que permaneça assim.

    A divindade fechou os olhos, abraçando a si mesma por alguns segundos. Pouco depois, começou a mover os braços suavemente em direção ao horizonte.

    Brilhos estrelares vazavam das pontas dos dedos. O abismo lentamente era substituído por estrelas, mas ainda se mantinha lá, abraçando tudo ao redor.

    Que misto agradável. Luzes estavam por toda parte, mas as sombras insistiam em também estarem presentes. Um sorriso meigo escapou de seus lábios, satisfeito com sua criação.

    — Ótimo. Mas ainda consigo melhorar.

    Moveu os braços em direção às luzes, como se tentasse tocá-las, mas não chegou a encostar. Começou a movê-los em harmonia até que suas palmas se tocaram.

    Um suave som ecoou, como se uma gota de água caísse no mar. Nesse momento, as luzes e as trevas fundiram-se, coexistindo no mesmo espaço, preenchendo tudo o que existia.

    Perfeito. Agora sim o palco estava pronto. Um enorme vórtice universal havia sido criado, girando lentamente para todos os lados enquanto o brilho sorria para seu criador.

    — Perfeito. Não desejo melhoria alguma.

    Fechou os olhos, respirando com calma o ar puro que criou. Por algum motivo, a imagem de um garoto moreno surgiu em sua mente.

    Os olhos desse garoto eram totalmente escuros, sem pupila alguma; porém, brilhos o preenchiam, assemelhando-se perfeitamente a um céu noturno estrelado.

    A história do rapaz passou como um flash na mente do criador. Viu seu trágico fim, escolhido pela dor desde seu nascimento, e isso deixou a divindade com tristeza em seu coração.

    — Ônix… Só você pode responder se vale ou não a pena viver. Vou acompanhar sua jornada nesse mundo no primeiro assento.

    O criador abriu os olhos, ficando em silêncio por um breve momento. Pouco depois, abriu a palma da mão, concentrando um pouco de sua atenção ali.

    Partículas de luz aglomeraram-se em sua mão, formando um pequeno cubo prateado logo em seguida. Fitou-o com carinho, exibindo um leve sorriso.

    — Hora de conhecer os humanos.

    Jogou suavemente o cubo para cima. Ele flutuou, girando algumas vezes no ar, mas foi desacelerando pouco a pouco até ficar estático.

    A divindade fechou os olhos e tocou sua testa no cubo. Seu corpo começou a desaparecer, transformando-se em partículas que se espalharam como brasas no universo.

    Seus pés tocavam um chão gélido e firme. A brisa fria sussurrava sua presença em seu corpo, e o silêncio permaneceu inabalável. Abriu os olhos enquanto enchia os pulmões de ar, suspirando gentilmente em seguida. Começou a caminhar. Os passos ecoavam por todas as direções enquanto ele olhava cada canto de sua criação.

    Era um ambiente plano, infinito e prateado. À sua frente, havia um imenso relógio ciano, com um tempo de trinta e seis segundos paralisado em sua interface.

    A divindade saltou suavemente. Flutuou até o topo do relógio, pousando sem dificuldades lá. Sentou-se, apoiando o antebraço direito no joelho, fitando o chão vazio.

    Preparou a mão e estalou os dedos. Seu estalo ecoou por todas as direções. Humanos começaram a aparecer em uma velocidade abissal até que todos estivessem presentes.

    Cada um deles era visível para o criador. Todos olhavam para os lados confusos, lábios entreabertos, coração acelerando diante do desconhecido e inexplicável.

    Para eles, não havia ninguém ao redor, senão a divindade à sua frente. O criador os observava com paciência e curiosidade. Sua voz calma ecoou como a canção dos anjos:

    — Bem-vindos. Tudo bem, sei que estão confusos. Consigo saber o que sentem só de olhá-los. Vou explicar imediatamente enquanto acalmo seus corações.

    Outro estalo de dedos ecoou. Tudo o que havia acontecido, desde o primeiro som até o momento atual, foi-lhes inserido em suas mentes. Todos estavam mais calmos, como sob um truque de hipnose.

    — Pronto, assim está melhor. Vocês têm alguma pergunta relevante? Se sua indagação for boa, vou transmiti-la para seus companheiros humanos. Se não for, saberão a resposta em seus corações.

    Por um breve momento, nenhum dos humanos teve coragem para falar. Esquisitos? Quem sabe. Falar em frente a uma divindade que os olha com curiosidade palpável deve ser complicado.

    Uma fenda começou a tecer o nada ao lado da divindade, formando uma boca em seguida. Era deformada, como se tentasse se adequar ao novo formato.

    — Onde está a minha família? Por que revivi?

    Uma voz distorcida saiu daquela boca. Ecoou por todos os cantos, mas também era palpável para os ouvidos dos ouvintes enquanto a mensagem ressoava em seus corpos.

    — Obrigado. Todos os humanos estão presentes aqui. Vocês só não podem vê-los, mas eu vejo todos.

    Aquela fenda começou a se distorcer novamente. Dessa vez, sua boca estava acompanhando a melhor pergunta disponível que algum humano fez:

    — Por que estamos aqui?

    — Só porque fiquei curioso depois de observar suas histórias. Claro, não ficarão aqui para sempre. Será opcional para vocês: ter uma nova vida com poderes ou permanecerem mortos. Querem que eu explique com mais detalhes essa parte da ressurreição?

    Partículas cianas aglomeraram-se como redemoinhos diante de cada humano. Pouco a pouco, tomaram a forma de uma janela intangível da mesma cor das partículas. Uma mensagem estava em sua interface:


    S1 Minimizado1
    CMV lhe oferece informações sobre o contexto da ressurreição. Você aceita?

    (Sim) (Não)

    • Pressione uma das opções ou fale se preferir.

    Todos aceitaram, sem exceções. Aquele sistema transformou-se em névoa, rodeando a cabeça dos humanos presentes enquanto transferia as informações.

    Em resumo, todos os presentes podem reviver se quiserem, e essa escolha não é obrigatória. Quando alguém aceita reviver, mas um parente próximo (pai, mãe, irmão ou irmã) recusa a oferta, pode deixar uma mensagem escrita para quem reviver.

    A ressurreição é oferecida a todos os seres humanos, sem exceção, independentemente do que fizeram antes de morrer. A não ser que…

    — Agora, todos estão cientes do que aconteceu e dos motivos. Podem escolher agora se desejam ou não reviver. Se demorarem demais para decidir, sua alma escolherá seu destino com base no que ela achar melhor.

    A névoa ciana dançou no ar, deixando-se levar pelo vento. De pouco em pouco, formou um questionamento com duas opções palpáveis: Você deseja reviver? (Sim) (Não)

    Poucos segundos se passaram, e menos da metade escolheu reviver. Quase todos que recusaram deixaram mensagens explicando o motivo.

    A divindade olhou para a quantidade de revividos e sorriu. Não era o que esperava, mas o que queria acontecera. Das centenas de milhões que aceitaram reviver, apenas quatro tinham seu total interesse.

    Levantou-se, esticando as costas enquanto soltava um leve suspiro. Olhou para o chão e saltou, flutuando até pousar gentilmente no solo.

    — Está quase tudo pronto. Agora, todos vocês têm poderes que ganharam de forma aleatória, seja de animes ou de jogos. Vou me dispor individualmente para todos que tiverem dúvidas.

    Tap… Tap… Ecoavam os passos enquanto a divindade olhava calorosamente para cada participante. Um singelo sorriso permaneceu em seu rosto.

    Um pouco distante, um estranho “humano” o observava. Seus olhos eram escarlates, com uma fenda no centro. Seu cabelo, curto e azul, dançava com a brisa que o envolvia. Saito era seu nome.

    A divindade olhou de volta para o humano, sentindo dúvidas em seu coração. Caminhou lentamente até ele, fitando seus estranhos olhos que não pareciam humanos.

    — O que quer perguntar?

    Os olhos desse humano eram cortantes, como se gritassem que estavam com a guarda alta, mas ele sabia que não tinha como fazer nada contra uma divindade desconhecida.

    Que encontro estranho para aquele humano. Ele sentia um aconchego no coração enquanto um morno calor o envolvia, mas não se deixou levar por emoções irracionais.

    — … Esses poderes… Vamos ter a oportunidade de trocar ou até mesmo de criar os nossos? E os balanceamentos?

    Um leve riso confortável vazou da divindade. Era como se estivesse olhando para um filho crescido, enquanto seu olhar carregava inúmeras expectativas.

    — Todos terão a oportunidade de trocar de poderes completando um desafio referente a eles. Os balanceamentos serão situacionais e, sim, vocês podem criar seus poderes se eles não forem absurdos demais.

    — Entendi… Eu quero criar um.

    Distante dali, a divindade também conversava com outro humano. Seus olhos cianos tinham um relógio no centro, movendo-se de um lado para o outro. Uma enorme cicatriz cobria os dois lados das bochechas, Waraioni.

    Fora esses dois, outras pessoas também desejaram criar os próprios poderes, mas foram recusadas por motivos diferentes, e alguns até sem um motivo aparente.

    Apenas três pessoas tiveram êxito em criar seus próprios poderes: Ônix Arbor, Saito e Waraioni. Somente Ônix teve alterações sigilosas em seus poderes.

    Após muito tempo conversando com cada um deles, a divindade retornou ao seu relógio, sentando-se lá com um agradável sorriso no rosto.

    — Ótimo. É chegada a hora de começarmos este Novo Mundo.

    Moveu sua mão direita para o céu, estalando os dedos em seguida. Todos os presentes transformaram-se em partículas prateadas enquanto desapareciam como brasas.

    O tempo daquele imenso relógio começou a correr, lentamente aproximando-se do seu fim. Quando chegou a zero, toda a história desse universo começou.

    Próximo capítulo: Passado (Parte 1)

    1. @Maik: Os sistemas possuem uma versão minimizada, que auxilia os jogadores automaticamente, e uma versão pessoal, na qual eles interagem diretamente com os usuários.[]

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