Olá, leitor.
Antes de mais nada, agradeço imensamente por estar acompanhando minha história (ainda que não comente). Isso significa muito para mim.
Estou escrevendo essa mensagem para pedir desculpas pelo longo período sem postagens nem satisfações no canal do Illusia no Discord.
O motivo de ter demorado tanto foi que esse período do ano tive trabalhos de faculdade (TCC sendo desenvolvido), provas e exame de faixa no karatê, fora que eu trabalho.
Como agora estou com mais tempo para a escrita, aos poucos vou atualizando aqui com mais capítulos.
Sendo assim, agradeço novamente pela atenção.
E divirta-se com o novo capítulo.
Capítulo 83 - Mar de Revolta (Parte 20): O Mal que Habita
“O que nos une […] é anterior a qualquer ideologia, partido ou fronteira […] e precisamos lembrar que a civilização é um trabalho coletivo: ela floresce quando há respeito mútuo, diálogo honesto e o reconhecimento de que, mesmo na diferença, carregamos uma responsabilidade moral uns pelos outros.”
Roger Scruton
☀️ 1944
✝️ 2020
— Vai, Olaga! Usa seu faro!
O pedido cheio de esperança de Íris foi ouvido no silêncio da densa vegetação que circundava as redondezas da Vila Aldeia Melanmarii.
O espírito aventuresco do trio, com teores de urgência genuína, ditavam cada passo rumo ao cumprimento da missão pessoal que tanto almejavam.
A jovialidade em sua melhor forma, seja física ou espiritual, transbordava neles.
Tudo isso era um movimento de resgate, pleno e ininterrupto, do jovem que ousou enfrentar a pressão ferrenha do zurkan.
Enquanto isso, nesse contraponto…
Extremidades de Big Sea Island
Praia Melanmarii | Noite
Naquele ambiente revolto e coberto de trevas internas, as luas do céu de Avalice eram testemunhas do conflito que ocorria.
Noah, vulnerável sob vários vieses, olhava para o vazio tanto quanto sua significação naquele instante.
Com um arder muito maior do que qualquer melancolia, agindo tal qual uma tortura emocional, tentou dialogar com alguém.
— Por que você os tirou… de mim?
A quem ele se referiu estava em todos os lugares, no entendimento dele.
Talvez o local escolhido, o que estava agora, fosse um tipo de catarse, como se Noah quisesse expor seus conflitos.
Surreal: ele queria pôr para fora suas angústias.
— Minha mãe… meu pai… Eles sempre disseram para eu… eu… — ele tentava buscar palavras, em um movimento de se expressar melhor. — Eu nunca esqueci do que eles disseram de você…
Noah olhava para o mar, onde lá manteve o foco de sua procura, uma resposta ou duas, do suposto alguém.
As ondas, que se chocavam à enseada — bela, porém misteriosa — da ilha paradisíaca e isolada do resto de Avalice, soaram para ele como uma pergunta.
O jovem respondeu, ademais.
— Eles te amavam, como eu te amo… Mãe Natureza.
Enfim, o ressentimento correspondido.
Noah buscou o único vínculo que o ligava aos seus pais mortos: a Mãe Natureza.
Ele nunca expressou sua fé. Noah sempre manteve sereno e apreciador da naturalidade, deixando que a vida o levasse ao lado de seus pais e amigos da Vila Marin D’alvy, seu verdadeiro lar.
Essas lembranças, todas fragmentadas e em frangalhos, deixaram evidente a deterioração de seus pensamentos.
Tudo estava revirado, sequer sua habilidade inata, a Herança Eterna de seu pai, encontrou a superfície de seu subconsciente.
Contudo, ele ousou mais: lutando contra seu estado crítico, teve forças e noção — ainda que pouca — do que estava acontecendo.
— Eu tinha tudo… que me fazia feliz… — Noah, ao falar isso, se ajoelhou na areia fofa da praia, segurando em sua cabeça. — O QUE É FELICIDADE?! Eu… Mãe Natureza, o que é… felicidade?
Noah estava submerso numa crise existencial aguda, onde o luto se confundia com uma busca desesperada por significado.
Não só o seu, mas também do que era estar vivo.
— Por que você me tirou tudo… Mãe Natureza? — sua fala, pausada e baixa, tinha um rancor profundo. — ME RESPONDE!
A pancada violenta de uma forte onda foi ouvida ao tocar a praia, levando até Noah o frio congelante da água do mar, que o molhou e lhe trouxe uma resposta salgada.
Bem dentro de seu existir, algo lhe disse:
— Pogisa… e maua ai le malosi…
Aquela voz trêmula e distorcida parecia uma oferta sinistra, que fez com que o albino gelasse até a alma.
Ele tinha conhecimento de línguas nativas de Big Sea, mas sua confusão interna lhe impediu de decodificar a mensagem.
Mas ele sabia que elas não foram ditas pela sua protetora mor, a que questionou mais cedo.
Havia uma outra força.
As trevas pediram licença, aumentando sua intensidade.
O terror voltou aos olhos do rapaz, que tremeu no chamado sinistro.
Noah necessitava de extrema ajuda.
Enquanto isso…
Zona Sacra da Festa da Colheita
A noite estava longe de terminar.
O ar soturno carregado de tensão, trevas e opressão pressionava a chama da vida de todos que estavam dentro do lugar sacro.
Mais do que os demais, Lanumoaga sentia na pele o abalo amaldiçoado, que o fez suar frio.
— “O que está acontecendo aqui?” — sua respiração ofegante e coração batendo forte eram um mal presságio. — “Essa sensação é torturante e…”
A falha em terminar sua sentença teve explicação: não só o canino como os demais membros da Guilda Agalelei foram impactados pelo agouro maldito.
Suas almas, ao poucos, eram corrompidas, lhes causando um mal estar absurdo.
Haalaee logo puxou uma reza, pressentindo o pior, acompanhado por Alfreedah, que tinha total ciência do perigo.
— “Essa pressão… tão demoníaca quanto o… — ela sabia da essência, embora não tivesse a certeza.
A opressão era tanta que o ressoar do atrito espiritual soturno fez com que até mesmo as tochas tremularem irregular e as cortinas esvoaçarem.
Aquilo era o que todos chamavam de:
— O “Mal que habita”!
Essa fala, um grito de puro pavor, veio de Orchid, que correu em direção à Zona Sacra da Festa da Colheita.
A lupina agiu rápido, destoando da sua natureza sempre calma e controlada.
Até seu olhar tomou um ar mais guerreiro.
Uma guerreira da sua fé por Kai.
Assim que chegou até o portal que dava acesso ao lugar religioso, não perdeu tempo: uma aura roxa começou a emanar de seu corpo, junto com os dizeres:
— Le malosi pogisa e tupu i lenei nofoaga, ave uma lou ita mai Kai ma mou atu!
A reza, que queria dizer “Força das trevas que cresce neste lugar, receba de Kai toda sua fúria e desapareça!”, veio acompanhada por uma onda propagada da aura de Orchid, inundando o lugar.
Como água em uma piscina, a habilidade especial da lupina obteve êxito imediato: Marduk e Lanumoaga soltaram as mãos, junto com o agradabilíssimo alívio que todos, sem exceção, sentiram logo após o cessar amaldiçoado.
Um frescor agradável, a temperatura branda e a sensação de segurança inferior impregnou o ímpeto dos que lá estavam.
O respirar fundo de todos, principalmente de Lanumoaga, deixou claro que o alívio foi abismal, um livramento pleno de um mal que alí estava presente e que, de forma abrupta, foi contido.
Ainda sentado ao chão, Lanumoaga ainda tomava ar, já aliviado, enquanto sua esposa o amparava.
— Lanu… Você está bem? — perguntou, com uma das mãos sobre o peito do canino.
— Estou bem, Orchid… — ele mostrava gratidão em seu olhar. — Se você não estivesse a postos, todos nós estaríamos…
Sua fala foi interrompida.
Marduk foi o causador:
— Silêncio! Não ouse dizer tal heresia! — bradou o zurkan, de costas para todos no salão.
O gato branco, indo em direção ao portal, tinha uma atitude toda diferenciada: ele ignorou o ocorrido, sua gravidade.
Mas não se absteve.
— Se algo assim ocorreu durante uma simples festa, o que mais estaria por vir?
A frase de Marduk reacendeu a chama de alerta na mente de todos, principalmente de Alfreedah e Haalaee.
Por alguns segundos, ninguém disse nada. O peso daquelas palavras se espalhou como uma sombra.
O abalo foi imediato: os dois correram para fora do recinto, indo em direção ao centro da Vila. Suas preocupações com os habitantes o moveram nessa direção.
O zurkan só os observou correrem, ficando imóvel.
Lanumoaga, o olhando, falou:
— Tem ciência do que estamos lidando, Marduk?
— Hm… Perfeitamente, Lanumoaga — sua resposta foi seca, sem deixar transparecer entrelinhas. — Com licença, mas tenho uma vila inteira para proteger…
Sem sequer olhar para trás, Marduk caminhou na direção oposta, passos firmes, mãos cruzadas às costas com seu cetro, como se tudo aquilo não passasse de um contratempo trivial.
Aquilo soou como arrogância, tom que Orchid foi tirar satisfação.
— A queda de um líder se dá no devido momento em que suas ações não contribuem com a obtenção de força em Kai.
Foi um golpe violento contra seu ego.
Marduk voltou seu olhar ao da lupina, que não moveu um centímetro a mais ou a menos.
O gato, mesmo com o semblante tranquilo, entrou na discussão.
— Está questionando minha competência, senhora Orchid?
— Sim, eu estou… Mas não mais do que Kai nesse exato momento.
Isso pegou Marduk de surpresa.
— Está insinuando que minha fé não corresponde ao Caminho de Kai?
— Você cita as palavras escritas no Livro Sagrado, mas nelas está o contraponto que o sacro zurkan parece não dialogar a mensagem.
— Eu acabei de selar um indulto para apaziguar um conflito desnecessário com o sacro zome Lanumoaga… — disse, se virando. — Sua crítica não se sustenta, lupina atrevida.
Orchid na maior parte do tempo era alguém sempre serena. Ela se resumia aos afazeres domésticos e a cuidar de Olaga e das garotas.
Mas não hoje.
Seu olhar cintilante, mesmo que sua aura não estivesse ativa, deixou evidente a quebra do padrão.
— Kai trouxe paz, harmonia, brilho do sol… Só que agora há pouco sofremos com escuridão, dor, trevas. Não irei me poupar e protegerei quem for com meu poder e, principalmente, em nome de Kai!
Por milésimos de segundos Marduk não deixou transparecer um leve sorriso no canto de sua boca, que passou despercebido pela lupina.
Mas Lanumoaga estava ciente de que a semente foi plantada, mas que demoraria para ser colhida.
— Vá, sacro zurkan… — falou o canino, se colocando entre os dois. — Os fiéis precisam de você por lá.
— Hm, pelo menos vejo que alguém aqui entende de hierarquias… — o gato recuou, seguindo para o portal.
Sua forma de lidar foi o que Lanumoaga esperava a princípio.
Porém, havia outro interesse por parte de Marduk.
— E assim poderei ir atrás do meu protegido também…
Seu ego inflado foi seu maior inimigo.
Com isso, o zurkan do Lugar do Caminho da Folha do Vulcão recebeu as devidas tratativas.
— Não ouse ir atrás de Noah! — gritou Orchid, ainda com sua postura mais ofensiva.
O monge se virou, com um semblante sério e um pouco irritadiço, deixando transparecer seu desconforto.
— Quem é a senhora para inquirir ante mim, Orchid Lagi?
— Sou fiel a Kai e é nele que garanto essa autoridade nesse exato momento!
Ele voltou, deixando para trás seu olhar controlado.
Marduk jogou para o alto por alguns segundos sua calma habitual, olhando para a loba.
Contudo, seu marido a antepõe, de forma categórica.
— Acha mesmo que Orchid está errada, sacro zurkan?
— Sacro zome Lanumoaga… — Marduk estava quase perdendo a paciência. — Exijo que sua amável esposa se retrate imediatamente!
— Ela não fará isso. Sabe muito bem que ela está certa!
— O que?! — sua confusão foi evidente. — Uma mera cidadã não tem autoridade aqui, muito menos a certeza em suas palavras vazias! Kai só presenteia aos da Guilda Agalelei!
Isso não era um problema para Lanumoaga.
— Eu sou um dos membros e elevo as palavras de Orchid às minhas nesse exato momento! — sua fala, grossa e com autoridade, ratificou a ideia. — Noah não pertence a você e a ninguém! Ou se esqueceu de VOCÊ ter se retratado agora a pouco, sacro zurkan?
Marduk, ao ouvir aquilo, ficou em silêncio, talvez o mais barulhento e impactante desde que entrou na Zona Sacra.
Claro, era uma analogia, cujo significado era a ira quase visível do zurkan.
Se remoendo por dentro, controlou seu gênio e engoliu seu orgulho, sabendo que os eventos passados ainda eram bem recentes.
Contrariado, se colocou de costas para os dois, sem descer do seu pedestal.
— Politicagem é algo volátil, sacro zome Lanumoaga… E espero veementemente que cumpra com suas obrigações e, principalmente, faça valer as regras da Guilda Agalelei.
Após isso, ele caminhou em direção ao centro, deixando o casal a sós na área sacra.
Orchid, aliviada, soltou um suspiro e se virou para Lanumoaga. Ela tinha o que falar.
— Lanu, eu… — suas palavras foram interrompidas.
Isso se deu porque o canino a abraçou, de forma bastante entusiasmada e carinhosa.
Foi naquele momento que ela se deu conta: aquilo foi um agradecimento.
— Não sei como Kai foi tão bondoso em ter te colocado na minha vida, Orchid… — ele manteve o ato carinhoso. — Você praticamente me salvou!
— Você também sentiu o que eu senti? — ela apoiou sua cabeça ao ombro do esposo.
— Sim… e aquilo foi horrível.
Se afastando, mas mantendo suas mãos conectadas, o casal olhou um para o outro, em um entendimento mútuo do que estava acontecendo.
Pouco foi preciso para que, enfim, soubessem o que fazer.
— O “Mal que habita” quer investir seus domínios no nosso povo, Orchid. E eu não irei perder mais tempo… — ele olhou para fora do espaço. — Isso envolve tudo, praticamente toda a Vila Aldeia Melanmarii.
— Hm… — ela suspirou, esboçando um sorriso singelo. — Lanu, eu sei o que você fará.
— Exato, Orchid… — ele, de mãos dadas com a sua esposa, caminhou até o portal. — Agora você viu porque tenho travado essa luta todos os dias contra Marduk.
De fato, a loba concordou com seu amado, o abraçando enquanto caminhavam juntos até a saída.
— Me vi na obrigação de inquiri-lo depois do pavoroso mal presságio que eu senti… Aliás, todos nós.
— Hora de agir, querida — Lanumoaga, com determinação no olhar, tomou a frente. — Você disse que já sabe o que irei fazer. Mas quero ir além dessa vez.
— Do que está falando? Eu sei que você fará uma intervenção, como já conversamos uma vez. O que fará além? Kai não tolera vingança…
Orchid fez uma leitura breve do que poderia vir.
Em hora, Lanumoaga lhe respondeu.
— A vingança envenena a alma. Não… o que farei… — ele mesmo se interrompeu, colocando mais coletividade. — Não! O que todos nós faremos elimina qualquer sentimento que apodreceria o caminho até Kai.
O azulado, transformando sua apreensão em um sorriso tão franco e honesto quanto o dela, foi até um de seus ouvidos e, ao pé da orelha, cochichou tal subterfúgio.
Tendo as palavras no anonimato, sussurradas baixo o suficiente para que só Orchid ouvisse, a reação de sua esposa, ao arregalar os olhos, trouxe um largo entendimento de que algo grandioso estava por vir.
Ela o abraçou, com força, e lágrimas brotaram de seus olhos.
Suas palavras cercadas de fé foram ouvidas.
— Esse será o maior presente a Kai da minha vida!
Vindouras soluções para o “Mal que habita” ou só mais um ensaio para provocar Marduk?
Decerto, as desconfianças quanto ao zurkan não existiam. Entretanto, a maior preocupação era com o mal verdadeiro e sentido por todos da Guilda Agalelei e Orchid.
O tempo traria as ações e consequências…?
E como fator destoante, muitos níveis acima, havia alguém que simbolizava tudo que estava acontecendo.
Uma pessoa que fez muito mas poucos viram.
Longe dali…
Praia Melanmarii | Noite
Gólgota Íntimo.
Essa era a melhor forma de sintetizar o estado de espírito do jovem albino.
Mergulhado em um mar revolto e angustiante, seus temores eram abismais.
A água salgada não só congelava como também queimava, um ardor torturante tanto quanto o frio que sentia.
Seu olhar vago e distante perdia o foco a cada segundo.
Era um presságio maldito, um sentimento de pura desconexão de si mesmo e com o mundo.
— O lou vaivai o la’u mea’ai… — aquela mesma voz sinistra lhe disse “sua fraqueza é meu alimento”, um sussurro com teor intimidador.
Ajoelhado e sujo com a areia branca da praia, ele ouviu a voz mais uma vez:
— Tama, lou agaga, lou Nirvana ma lou olaga o le pogisa… — a voz, ainda mais sussurrante, disse “Criança, sua alma, seu Nirvana e sua vida pertencem às trevas”, tentando fincar seus domínios no interior fragilizado do jovem.
A chama do existir de Noah, que uma vez brilhava forte e com vivacidade, estava aos poucos perdendo o brilho.
Não era uma desistência livre: algo o estava roubando pedaço a pedaço de seu ímpeto.
O caminho na escuridão estava pronto.
O destino: as trevas.
Porém, após quase perder o brilho total nos olhos verdes esmeralda, um calor forte, como nunca antes sentido, aqueceu seu coração.
E uma voz, jovem e cheia de ternura, que ele mesmo ostentou em sua vida, foi ouvida.
— Haha! Eu te achei!
Como movimento instintivo, Noah olhou para sua frente e viu Olaga, que o abraçou, sorrindo como sempre fez.
E, no fundo, uma dupla de vozes foi ouvida.
— NOAH!
Eram Ingrid e Íris.
Elas o olharam, com determinação estampada em suas frontes angelicais.
Aquilo foi um chamado.
Ou, talvez, um resgate oportuno.
Talvez fosse isso que restava a Noah.
Talvez fosse exatamente o que Marduk havia perdido.
Ou talvez… o que o “Mal que habita” jamais compreenderia.
Eram muitas questões, onde até o mar revolto se acalmou.
Para que pudesse ver a cena…?
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